As discussões sobre as consequências de uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro no segundo turno giram, obviamente, em torno dos seus riscos para a democracia.
Todavia, no plano internacional, ela também marcaria o fim de um período dramático na luta contra a crise climática, severamente abalada pela Guerra da Ucrânia e pelo regresso em força de fontes fósseis de energia, e inauguraria uma nova era na geopolítica.
Existe um arcabouço teórico, jurídico e até militar pronto a ser colocado em prática caso o governo brasileiro prossiga na sua lógica de autodestruição ambiental. A sua dimensão mais conhecida é a proposta aprovada no Parlamento Europeu, em setembro, para obrigar os importadores da União Europeia a provar o cumprimento de exigências ambientais por parte dos fornecedores.
Apesar de enfrentar resistências entre governos dos Estados-membros, a aprovação final da medida seria tornada irreversível pela pressão da opinião pública da UE depois da reeleição de Bolsonaro.
A internacionalização da Amazônia seguiria avançando entre gritos de "a Amazônia é nossa". No contexto da aproximação da Colômbia de Petro com a Otan, a general Laura Richardson, do Comando Sul dos EUA, mencionou um "esboço" de iniciativas similares com o governo Bolsonaro, em discussão desde julho.
O fato de o Itamaraty ter circulado às pressas uma instrução interna na semana passada esclarecendo a fala da autoridade americana deixou evidente o incômodo com a questão no atual contexto eleitoral.
Pela posição crucial da Amazônia na manutenção do aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC, a aceleração do desmatamento pode radicalizar a ação externa. Stephen Walt, outro grão-mestre das relações internacionais ao lado de John Mearsheimer, uma celebridade desde o início da Guerra da Ucrânia, teorizou sobre intervenções lideradas pela ONU contra países que ameaçassem a existência humana com a sua política ambiental. O governo Biden deu um passo nessa direção ao colocar o clima no centro da segurança internacional na Estratégia de Segurança Nacional divulgada na semana passada.
O bolsonarismo poderia buscar formas de contornar a pressão internacional até a decisiva eleição presidencial americana de 2024. O encontro noticiado por Fábio Zanini entre o chanceler Carlos França e Mario David, assessor internacional do premiê húngaro, Viktor Orbán, provavelmente não tratou do fechamento de Supremas Cortes e de outras especialidades locais.
David, que foi relator do acordo de livre comércio do Peru e da Colômbia no Parlamento Europeu, é um especialista na defesa de regimes violadores de direitos humanos e ambientais em instituições europeias.
Por fim, a solidariedade do Brics com um país alvo de sanções ocidentais até poderia trazer alívio econômico. Todavia, ao abdicar da condição de mediador em potencial entre os blocos orientais e ocidentais, o Brasil estaria se integrando à China da forma mais subalterna e assimétrica possível.
Todas essas pressões podem ser facilmente revertidas por um governo democrático. Mas se a política ambiental de Bolsonaro continuar —e for reforçada por um Congresso antiambiental—, o Brasil encararia a maior ameaça à sua soberania nacional desde a Independência.
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