Corre um importante debate nas esquerdas europeias e norte-americanas sobre mudanças na composição do eleitorado e das agendas dos partidos progressistas.
O economista francês Thomas Piketty, por exemplo, vem insistindo na tese de que, se, no passado, os alicerces da esquerda na Europa Ocidental eram cidadãos de baixa renda e baixa escolaridade, hoje são os mais educados que a escoram; já os pobres foram migrando para a direita radical.
Por essa razão, teria surgido uma esquerda a que chamou de "brâmane", aludindo à casta superior de letrados na Índia tradicional.
A mutação das bases sociais das agremiações progressistas se deu passo a passo com crescente importância por elas atribuída a temas caros às elites educadas —defesa do ambiente, igualdade de gênero, respeito às diversas expressões da sexualidade e direito de minorias étnicas. Isso teria reforçado a adesão dos mais pobres e menos educados a movimentos conservadores.
Com menos fundamentação empírica, porém mais contundência, o cientista político americano Mark Lilla responsabilizou as políticas identitárias encampadas pelo Partido Democrata, do qual é simpatizante, pelo esfarelamento da coesão social, pavimentando, nessa medida, o caminho à ascensão de Donald Trump.
É de indagar se o mesmo fenômeno se repete no Brasil. Há quem responda que sim e sustente que parte da esquerda brasileira estaria deixando de lado a luta contra a pobreza e a miséria; logo, ao privilegiar as lutas identitárias, facilitaria a vida do conservadorismo moralista mobilizado pela extrema direita nacional.
Há boas razões para pensar que essa é uma ideia fora de lugar.
Aqui, as similares forças sociais que se divorciaram no Ocidente rico continuam coexistindo sob o mesmo teto da esquerda.
De um lado, os dados eleitorais são claros: os votos de Lula vieram em grande número dos mais pobres e menos educados. De outro, os partidos de esquerda incorporaram —com variados graus de convicção— as bandeiras da salvaguarda ambiental, do antirracismo, do reconhecimento dos direitos de gênero e das demandas dos povos indígenas e tradicionais.
Sim: é real o desafio de harmonizar a agenda socioeconômica da redução da pobreza e da desigualdade de renda com políticas avançadas de proteção do patrimônio ambiental, de igualdade racial e de direitos ligados à diversidade de gênero, etnia e culturas.
Há valores diferentes a harmonizar, preconceitos a superar, formas de dizer que não ofendam. Mas estar no mesmo território político pode criar um caminho diferente daquele trilhado pelos brâmanes do Norte rico.
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