Ficou claro que a greve que paralisa as produções de cinema e TV nos Estados Unidos não tem solução à vista. Mas uma observadora astuta da indústria de entretenimento na Califórnia já havia chegado a esta conclusão em junho passado, ao descobrir que quase todos os iates de luxo da Costa Oeste na região de Los Angeles estavam alugados pelo resto do verão americano, que termina em setembro.
Os executivos com salários de 7 ou 8 dígitos não tinham a menor intenção de voltar a negociar com o sindicato de roteiristas —o primeiro a entrar em greve, no começo de maio— e o de atores, que decretou a paralisação no dia 14 de julho.
A inteligência artificial domina as manchetes sobre o confronto, com a ameaça de shows escritos por robôs abastecidos pela imoral repescagem de roteiros escritos por seres humanos, ao longo de décadas, para produção de conteúdo derivativo. Ou com atores enojados com a proposta de trabalhar por apenas um dia, em que sua imagem é escaneada para uso em produções inteiras.
Mas se a greve evoca imagens de estúdios desertos na amplidão da Califórnia, ela seria talvez mais bem ilustrada pelas ruas estreitas que cercam Wall Street em Nova York.
Primeiro, uma visita a outra indústria devastada, a única onde trabalhei desde o primeiro ano de estágio na faculdade. Antes de a internet destruir a rentabilidade de jornais e revistas de papel eliminando a publicidade analógica como a principal fonte de sustento do jornalismo, o capitalismo de acionistas começou a envenenar redações. Jornais rentáveis decidiram demitir e cortar custos para agradar acionistas.
Hoje, metade dos jornais locais ou regionais americanos é propriedade de hedge funds e investidores-abutres que os reduzem a esqueletos com consequências evidentes para a democracia e o meio ambiente.
Há uma pressão evidente de Wall Street sobre empresas de streaming, não só a Netflix, como os novos serviços de streaming criados pelas chamadas empresas "legacy" como a Peacock (NBC) e Paramount, que perdem dinheiro porque não há demanda de assinantes para satisfazer a oferta.
A greve de atores e roteiristas tem tudo para se tornar um divisor de águas, com, infelizmente, más perspectivas para dezenas de milhares de trabalhadores criativos que mal conseguem ganhar o suficiente para conseguir seguro saúde. Outros momentos jogaram criadores contra executivos, quando uma tecnologia chegou para causar ruptura em relações de trabalho. A história não tem sido gentil com classes de trabalhadores que se opõem a uma inovação tecnológica como a inteligência artificial.
Mas há uma diferença entre olhar uma tecnologia de frente e avaliar seu potencial de substituir mão de obra criativa e ceder à ganância analógica de investidores que veem qualquer concessão em lucros como debacle.
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