"Não vou a lugar nenhum. Vocês vão ter que arrastar meu cadáver frio desta instituição." Esta promessa foi feita há duas semanas pelo deputado George Santos, reagindo a pedidos –inclusive de colegas republicanos— de que renunciasse ao mandato.
Parece que o filho de brasileiros, eleito em novembro passado graças à biografia fictícia que fabricou, vai descumprir sua palavra.
Nesta quarta-feira (10), Santos se declarou inocente de uma lista de 13 crimes, depois de passar boa parte do dia sob custódia no majestoso prédio modernista de um tribunal federal de Nova York, num subúrbio vizinho ao distrito que ele representa.
Numa caótica entrevista coletiva improvisada, logo após três pessoas não identificadas pagarem fiança de meio milhão de dólares para ele responder ao processo em liberdade, Santos deu um show.
Um show de eloquência, mentiras, evasões e bravatas. Prometeu não renunciar, disse que acredita ser inocente e anunciou que tem documentação para provar. A cara de pau de George Santos é de tirar o fôlego e desperta saudades do escritor baiano Dias Gomes, o criador de "O Bem Amado".
No seu inglês nativo, o parlamentar com escassa passagem por bancos escolares (e sotaque carioca impecável quando conversa com a Folha), mostrou-se articulado e desafiante. Negou que estivesse nervoso diante da juíza federal que leu a extensa e assustadora lista de acusações.
Ele exibiu afabilidade com a multidão frenética de repórteres raramente exibida por seus aliados na ultradireita que tratam a imprensa como inimiga do povo.
Quando morou alguns anos em Niterói, de onde bateu em retirada depois de passar cheques sem fundo, George Santos sonhava ser estrela na cobiçada cena de drag queens do Rio de acordo com seu mentor, a drag que se apresenta como Eula Rochard. Eram ambições modestas. George Santos é uma inegável estrela da pornochanchada de terror em que se transformou o Partido Republicano.
No final de abril, o deputado ofereceu uma emenda ao já robusto pacote de maldades do orçamento dos republicanos, que têm maioria na Câmara. No item que listava uma nova exigência para recipientes de Medicaid, o plano de saúde gerenciado pelo governo especialmente para idosos e pessoas de baixa renda, ele pediu que aumentassem de 20 para 30 as horas obrigatórias de trabalho semanal como condição para ter acesso ao benefício.
Hoje, ó ironia, foi indiciado, entre outras acusações, por fraudar o governo recebendo seguro-desemprego na pandemia quando já recebia um salário anual de US$ 120 mil numa empresa de serviços financeiros. Mas o deputado disse à Folha que a bondade recebida do governo do presidente que chama de "mentiroso patológico" estava dentro da lei, exceto por dois pagamentos de US$ 564.
O número de crimes financeiros no menu de encrencas de Santos com a Justiça ainda pode aumentar, alertaram os promotores. Vai ser difícil —com um advogado de defesa, Joe Murray, que demonstra mediocridade terminal— ele evitar uma pena de prisão. Mas, no momento, especialistas não esperam uma sentença longa o bastante para enterrar a carreira performática deste divo que nasceu para fingir.
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