Joaquim Levy cometeu um crime imperdoável para o governo Bolsonaro: nomeou funções pela qualidade técnica dos quadros e não pelo alinhamento ideológico-partidário com o discurso oficial do governo. E é mais um caso que vem ilustrar a tônica dominante até aqui: quando o discurso ideológico —que move a militância radicalizada— e a qualidade técnica entram em conflito, a ideologia leva a melhor.
Joaquim Levy é um economista de excelência técnica e que ao longo de sua carreira trabalhou para diversos governos: FHC, Lula, Dilma. Em qualquer democracia, isso é uma qualidade, uma virtude de um homem público: saber trabalhar com pessoas de todos os partidos, colocando os pés da ideologia no chão da realidade. No momento atual, tornou-se um vício, posto que toda divergência política é vista não como uma discordância legítima mas como crime de lesa-pátria.
A política de campeões nacionais que definiu o BNDES dos anos Dilma, o que inclui os projetos megalomaníacos no exterior, foi um imenso fracasso e parcialmente responsável pela crise que vivemos até hoje. O plano de Levy era reorientar o BNDES para aquilo em que o papel do Estado é imprescindível: investimentos sociais e tecnologia sem retorno de mercado imediato, suas funções legítimas. Não duvido que tenha havido corrupção lá dentro sim, embora não esteja claro que o montante desviado se compare às somas bilionárias que foram esbanjadas dentro da lei. Transformar o banco em mais um espetáculo midiático de combate à corrupção provavelmente impediria seu funcionamento, que será essencial para uma retomada futura do crescimento.
Um BNDES disfuncional talvez seja, no entanto, a real intenção do governo. Podemos dizer, sem risco de exagerar, que o BNDES não é lá muito valorizado pela ideologia dominante no governo hoje. Para Paulo Guedes, todo banco público é suspeito, e interessa mais que o BNDES retorne dinheiro ao Tesouro Nacional para que ele atinja a meta (desnecessária do ponto de vista econômico) de superávit desde o primeiro ano. Para o discurso de Bolsonaro, o BNDES representa a corrupção e o projeto de poder petista. Para ambos, interessa desmontar a instituição.
O governo Bolsonaro é seletivo na hora de fazer seu combate midiático à corrupção. Tudo que ele não gosta por motivos ideológicos vira alvo preferencial. Meio ambiente, educação, investimento público? Precisamos de uma Lava Jato para cada um deles, abrir todas as caixas-pretas, virá-los do avesso, não deixar pedra sobre pedra, rever cada contrato e exonerar cada funcionário, inviabilizando o próprio funcionamento dessas estruturas. O combate ao câncer com quimioterapia pesada é um pretexto para, quem sabe, matar o paciente.
Agora, com as polícias, a propriedade rural, a mineração, as igrejas, a própria Operação Lava Jato —em suma, tudo aquilo de que o governo gosta—, ai de quem sonhar em abrir essas “caixa-pretas”, embora não me conste que haja menos corrupção neles do que na educação, no meio ambiente e no BNDES.
Gustavo Montezano, o novo presidente do banco, tem um bom currículo no mercado financeiro, o que não é garantia de que prezará pelos interesses da instituição que preside (vide o ministro Weintraub na Educação). Afinal, ele chega ao BNDES oriundo da Secretaria de Desestatização e —sublinhe-se— Desinvestimento. Só o tempo dirá se colocará em primeiro lugar os interesses do Brasil ou a agenda politiqueira do presidente.
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