Toda vez que o IBGE anuncia a diferença de ganhos salariais entre homens e mulheres o debate sobre machismo e desigualdade de gênero no mercado de trabalho emerge. Alguns defendem legislação mais forte contra essa diferença, outros argumentam que as escolhas por diferentes profissões são a real causa e não devem receber intervenção estatal. As evidências levantadas por Claudia Goldin, a mais recente ganhadora do prêmio Nobel de Economia, trazem luz a esse debate.
Em seu trabalho mais recente, "Por que as mulheres venceram", ela tratou sobre o processo de conquista dos direitos legais iguais aos dos homens nos EUA em diferentes áreas da economia e sociedade, décadas após o direito de voto. Nele, Goldin argumenta que leis americanas contra a discriminação salarial de gênero elevaram os rendimentos das mulheres na base da distribuição, mas não afetaram o restante da força de trabalho feminina. Ou seja, esse tipo de legislação dificilmente reduz esse tipo de desigualdade nos topos de carreira.
Ela mostra que o gap salarial não se deve tanto a fatores como discriminação direta, segregação ocupacional ou diferenças de capital humano (anos de estudo). Ela aponta que um dos principais fatores é o chamado "trabalho ganancioso" (greedy work) que demanda alta disponibilidade. Isto é, a exigência de que os trabalhadores estejam sempre a postos para o trabalho, sem flexibilidade de horário ou local.
Isso significa que o machismo não é a causa dessas disparidades de renda? Errado. Embora seja uma palavra em geral associada a atitudes de discriminação, violência ou desprezo direto contra as mulheres, o machismo vai além. Trata-se de um sistema de crenças que sustenta uma cultura de desigualdades e de rígidos papéis para os gêneros, afetando tanto homens quanto mulheres em diversos aspectos da vida, na família e no mercado de trabalho.
A formação das expectativas de quais são os deveres de cada sexo faz grande diferença na divisão de tarefas e consequentemente no tempo para atividades remuneradas. Cargos mais bem pagos que exigem a disponibilidade incessante beneficiam os homens, que geralmente contam com o apoio das mulheres para cuidar da casa e da família. O que por sua vez prejudica as mulheres, geralmente demandadas a assumir a maior parte das responsabilidades domésticas e familiares.
Assim, as mulheres acabam tendo que escolher entre ter uma carreira bem-sucedida ou uma vida equilibrada. Muitas vezes, elas optam por reduzir sua carga horária, mudar de emprego ou sair do mercado de trabalho para se dedicar aos filhos ou aos pais idosos. Essas escolhas têm um custo: elas perdem oportunidades de promoção, de aumento salarial e de aposentadoria.
Claudia mostra que o gap salarial se amplia principalmente após o nascimento do primeiro filho, quando as mulheres passam a enfrentar uma maior pressão social e familiar para priorizar o cuidado com os filhos em detrimento da carreira. Essas expectativas têm outros tipos de custos para os homens: tendência a aceitar horas extras e demonstrar cuidado com a família através da provisão ao custo de quase não ter tempo com a família.
Em geral, quanto maior a demanda por disponibilidade incessante, maior é o gap salarial. Em profissões onde se espera que os trabalhadores estejam sempre prontos para atender aos clientes ou aos chefes, a disparidade salarial é maior do que em profissões como professores, enfermeiros e farmacêuticos, nas quais há mais flexibilidade de horário e local. Essas conclusões foram encontradas no estudo de Claudia Goldin e outros autores considerando trabalhadores americanos e é confirmada também por estudo de Cecília Machado e outros autores para trabalhadores brasileiros.
E o que podemos fazer? A economista defende que é preciso mudar a cultura organizacional das empresas e da sociedade, valorizando mais a qualidade do trabalho do que a quantidade de horas trabalhadas. Afinal, ao aproveitar melhor o potencial das mulheres no mercado de trabalho, a produtividade, a inovação e a competitividade das empresas e dos países teriam ganhos relevantes.
Além disso, Goldin também defende que é preciso promover políticas públicas que favoreçam a conciliação entre trabalho e família para ambos os gêneros. Licença parental compartilhada, creches públicas e privadas, teletrabalho e jornada flexível são alguns exemplos.
Com essas medidas, haveria real liberdade para que cada família escolha o melhor arranjo de divisão de tarefas para as suas necessidades específicas sem (des)incentivos externos e distorcivos. O combate ao machismo não é só um dever, também é uma oportunidade de trazer ganhos para a sociedade como um todo.
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