Gostemos ou não do programa econômico do governo Bolsonaro, comandado pelo ilustre ministro Paulo Guedes, temos que reconhecer que é a primeira vez, nos últimos 31 anos, que se explicitou claramente a tragédia fiscal da União, dos estados e dos municípios em que nos enrolamos. Ela só pode ser enfrentada com uma profunda reforma da administração pública proposta na Constituição de 1988, violentada pelo tremendo abuso de poder do Legislativo, do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público. O resultado foi um irresponsável aumento de gastos, acompanhado de imensa judicialização da política e a consequente politização da Justiça, que tornaram o Brasil inadministrável.
Foi visível, entretanto, o cinismo com que foram recebidas as propostas de Bolsonaro para reformar o Estado brasileiro e dar-lhe maior produtividade. Pôs, à luz do dia, um ciúme imaturo entre lideranças do Congresso que degustam o poder, acompanhado de uma certa petulância. A despeito de salamaleques educados, mostraram, na prática, pouca disposição de alterar suas próprias prioridades. E Guedes não chegou, ainda, ao inescapável pedido de autorização para um “fast track”, sem o qual não há solução: não haverá como fazer aumento sensível de oferta com leilões de projetos de infraestrutura com financiamento privado interno ou externo, que darão início ao aumento de demanda interna e à redução do desemprego.
Infelizmente, a solução natural, que seria uma lei delegada sugerida no Art. 68 da Constituição de 1988, não foi examinada. Ela não é uma jabuticaba brasileira. Quem tiver curiosidade sobre leis delegadas, instrumento de muitas repúblicas democráticas, pode consultar qualquer bom livro de direito constitucional. Recomendo os dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Quando a lei delegada foi incluída na Constituição, pensava-se que, sob circunstâncias especialíssimas (como as que estamos vivendo), o chefe do Poder Executivo poderia, sob o controle permanente do Congresso (ela pode ser suspensa a qualquer instante, se violada a delegação), e por prazo certo, recebê-la para salvar o país.
Suspeito que o temor de concedê-la (e recusá-la antes de apresentada) é a possibilidade de ela vir a funcionar na aceleração dos leilões de infraestrutura, nas parcerias público-privadas e nas privatizações (apenas das empresas autorizadas pelo Congresso), o que daria início a um aumento substantivo do investimento com financiamento privado, nacional ou estrangeiro, e produziria uma sensível redução do nível de desemprego. Tal sucesso poderia beneficiar o presidente Bolsonaro no pleito de 2022.
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