Iluminação das cidades está 'apagando' as estrelas do céu

Estudo mede brilho difuso na atmosfera e indica aumento de 9,6% ao ano desde 2011

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São Paulo

A humanidade está perdendo suas estrelas. Um novo estudo mostra que, entre 2011 e 2022, a poluição luminosa cresceu de forma acelerada no mundo todo, reduzindo a capacidade de observação do céu noturno –sobretudo, mas não só, nas grandes cidades.

O brilho do céu –a luminância difusa que ganha o firmamento e é especialmente notada logo após o anoitecer– no período estimado parece ter crescido algo como, em média, 9,6% ao ano.

Com essa taxa de aumento, se alguém nasce hoje num local em que o olho humano consegue distinguir 250 estrelas, dali a 18 anos só será possível perceber as 100 mais brilhantes. É como se o céu estivesse literalmente se apagando diante de nós.

São Paulo em registro feito a partir do Edifício Racy, na avenida São João, centro da capital; poluição luminosa tem reduzido a capacidade de observação do céu noturno - Gabriel Cabral/Folhapress

Para fazer a medida do brilho do céu, os pesquisadores Christopher Kyba e Yigit Öner Altinta, do Centro de Pesquisa Alemão para Geociências, em Potsdam, e Constance Walker e Mark Newhouse, do NOIRLab (Laboratório Nacional de Pesquisa de Astronomia Óptica-Infravermelha), em Tucson (EUA), lançaram mão de uma medida indireta, mas bem relevante: milhares de pessoas observando o céu em sua região e estimando a magnitude das estrelas.

O NOIRLab mantém um projeto de ciência cidadã chamado Globe at Night (Globo à Noite), que recruta participantes e distribui vários mapas estelares representativos do céu do usuário, com mais ou menos estrelas. Cabe ao participante comparar os mapas com o que está vendo e dizer qual é o que mais se aproxima, em termos de estrelas visíveis.

Isso entrega uma boa estimativa da magnitude limite a olho nu daquela região, ou seja, o quanto dá para ver o céu numa noite clara, sem nuvens, em cada local. O fator mais importante a influenciar essa variação é justamente o chamado brilho do céu –que, por sua vez, é causado pelo espalhamento de luz vindo de fontes artificiais na atmosfera.

Para a análise, o quarteto contou com 51.351 observações de cientistas cidadãos realizadas entre 2011 e 2022. Os participantes, naturalmente, concentraram-se mais em áreas urbanas, sobretudo na América do Norte e na Europa. Embora outros continentes não tivessem participantes suficientes para uma avaliação local mais precisa, foi possível extrair uma média global, o tal aumento de brilho do céu de 9,6% ao ano. América do Norte figura no extremo superior (10,4%) e Europa no inferior (6,5%), com o resto do mundo somado ficando em 7,7%.

Surpresa desagradável

O aumento é muito maior do que o medido por estudos anteriores, que contaram com imagens de satélite, e na contramão do que esperado em razão da adoção de medidas de redução de poluição luminosa ao redor do mundo.

Esperava-se que, ao longo da última década, o brilho do céu pudesse até diminuir, já que em muitas cidades a iluminação externa tem sido substituída para explorar as vantagens da tecnologia de LEDs. Estimativas do uso de lâmpadas de LED globais foram de menos de 1% em 2011 para 47% em 2019.

Como são mais eficientes e focadas, imaginava-se que pudessem contribuir com a redução da poluição luminosa. Mas os novos resultados mostram que o tiro pode ter saído pela culatra. Elas de fato são benéficas, numa troca um por um. Mas, como também são mais econômicas, é possível que o número total em uso tenha crescido.

Além disso, cidades ganham cada vez mais fontes de iluminação horizontal (ou seja, que emitem luz na direção do horizonte), como grandes painéis de rua e mesmo janelas. Essa iluminação horizontal é ainda pior do que a que vai direto para cima, pois é a que viaja por mais tempo pela atmosfera antes de chegar ao espaço e sofre maior espalhamento.

E mais: essas, por viajarem na direção do horizonte, não são captadas pelos satélites que medem poluição luminosa –o que ajuda a explicar a discrepância observada. Os equipamentos atualmente em órbita também não são sensíveis a LEDs azuis, de onde deve vir outra parte da diferença medida.

Moral da história: o céu noturno –tido como patrimônio cultural da humanidade, fonte infinita de inspiração para a arte e ciência ao longo de milhares de anos– está desaparecendo cada vez mais rapidamente de nossas vistas.

"É uma situação muito triste", diz Cássio Leandro Barbosa, astrônomo do Centro Universitário FEI, em São Bernardo do Campo (SP), que não participou do estudo, publicado na última edição da revista Science.

"Há pouco tempo discutíamos o fato de que dois terços da população mundial nunca viram a projeção da Via Láctea no céu, que forma uma mancha difusa e leitosa visível sobretudo no inverno no Brasil. Agora estamos testemunhando o desaparecimento de estrelas. É um prejuízo enorme, não só para astronomia."

O pesquisador brasileiro lembra que animais e vegetais são sensíveis à luz e a usam para regular suas atividades, por meio da alternância entre claro e escuro do dia e da noite. Os impactos e desequilíbrios ambientais causados por essas noites cada vez mais claras ainda não foram medidos, mas certamente não podem ser desprezados.

"Se essa situação não for controlada com políticas de uso racional de lâmpadas em espaços abertos, em breve a contemplação do céu será apenas uma atividade em planetários ou programas de computador."

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