Nos primeiros cinco meses de 2021, cerca de 42 milhões de comprimidos de antidepressivos foram vendidos no Brasil, 13% acima do mesmo período de 2020. O consumo seria ainda maior se esses remédios dessem resultado para um terço das pessoas, pelo menos, que sofrem com depressão resistente a tratamento.
Para esses milhões de desamparados, a grande esperança são psicodélicos, como reitera nova publicação sobre o renascimento dessas drogas alteradoras da consciência. Lançado pela ONG norte-americana Brainfutures, o relatório "Medicina Psicodélica – Uma Revisão da Pesquisa Clínica com uma Classe de Intervenções em Saúde Comportamental Rapidamente Emergentes" pode ser baixado aqui (em inglês).
Três dezenas de especialistas assinam o estudo, entre eles Tom Insel, que já dirigiu o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA. Também figuram como autores Rick Doblin, Bill Linton e Tom Eckert, que já foram entrevistados neste blog.
A revisão aponta mais de 36 mil artigos científicos desde 1950 sobre LSD, psilocibina de cogumelos "mágicos", DMT da ayahuasca e mescalina de cactos peiote --os chamados psicodélicos "clássicos", que atuam principalmente nas vias cerebrais do neurotransmissor serotonina. Mas também entram no rol cetamina e ibogaína, que atuam ainda em outras vias.
Selecionou-se daí uma amostra com quase duas centenas de estudos rigorosos dos últimos 25 anos: 46 ensaios clínicos randomizados e controlados, 47 estudos em que pesquisadores e participantes sabiam qual droga se testava, 84 revisões sistemáticas e 8 meta-análises. No total, 4.650 participantes voluntários.
É inequívoco o panorama de benefícios para transtornos como depressão, estresse pós-traumático, ansiedade e abuso de substâncias. "Esses resultados positivos, comparados com a falta de eficácia consistente de muitas drogas psicotrópicas e tratamentos psicológicos são, em parte, o maior propulsor da aceleração da pesquisa e do investimento no campo", diz o relatório.
Psicoterapias assistidas por psicodélicos (PAT) têm potencial para poupar US$ 270 bilhões (R$ 1,245 trilhão) anuais para empregadores dos EUA em custos criados por faltas no trabalho e gastos com saúde, ressalta o texto. Dois terços dos públicos norte-americano e europeu apoiam legalizar o uso médico de psicodélicos.
Empresas já investiram US$ 2 bilhões em pesquisa e desenvolvimento recentes desses novos velhos medicamentos (cujo estudo foi interrompido a partir de 1970 pela proibição legal), 85% disso nos EUA. Há 46 companhias psicodélicas atuando em bolsas, com valor de mercado combinado da ordem de US$ 6 bilhões.
A compilação da Brainfutures, ONG defensora de avanços em ciência, regulamentação e políticas públicas de saúde mental, destaca vários estudos com resultados favoráveis a psicodélicos, entre eles:
· O primeiro estudo mundial de fase 3 para transtorno de estresse pós-traumático após três sessões com MDMA, em que 67% dos participantes não satisfizeram mais os critérios de diagnóstico (Mitchell et al., 2021).;
· Teste clínico fase 2 com psilocibina eficaz no tratamento de depressão com resposta clínica significativa de 71% dos voluntários e remissão de 54% deles quatro semanas após o tratamento (Davis et al., 2021);
· Eficácia de cetamina contra depressão resistente a tratamento, com respostas positivas acima de 60% já nas primeiras 24 horas, mantidas por vários pacientes quatro semanas após dosagem (Wan et al., 2015).
Considerando evidências até aqui obtidas e a falta de alternativas diante do agravamento epidemiológico de transtornos de saúde mental, o grupo de especialistas apresenta três recomendações:
· Autoridades regulamentadoras deveriam aprovar rapidamente substâncias para as quais há evidência forte de segurança e eficácia, como psilocibina e MDMA;
· Garantir acesso equitativo e reembolso por seguros de saúde para uso em saúde mental de cetamina, que já é legalizada, e em seguida psilocibina e MDMA;
· Destinar verbas públicas de pesquisa para aprofundar estudos científicos com DMT, ibogaína, LSD e mescalina, drogas hoje pouco investigadas.
O Brasil tem larga tradição de estudos com DMT, por causa da ayahuasca, mas ainda vive a fase de resistência heroica de pesquisadores em universidades como USP, UFRN, UFRJ e Unicamp. Atire fora o primeiro vidro de antidepressivos quem achar provável que autoridades brasileiras sigam à risca as recomendações da Brainfutures.
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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"
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