Márcia Faria, 34, estudou psicologia equina e produção têxtil. Com as voltas que a vida dá, mudou radicalmente a trajetória. Se especializou em neuropsicopedagogia, estuda educação especial e inclusiva, é coordenadora do Instituto Lagarta Vira Pupa em Santa Catarina, presidente da Associação Pais, Profissionais e Amigos dos Autistas (AMA) Brusque e Região e ainda comanda um perfil ativista e divertido sobre autismo e outras neurodiversidades.
Além de tudo isso, é mãe das gêmeas Maria Antônia (que é autista) e Lílian, 6. Ou melhor seria dizer: Ela é tudo isso por ser mãe das gêmeas Maria Antônia (que é autista) e Lílian, 6.
Todos os dias, em seu perfil no Instagram, Faria compartilha cenas de um cotidiano movimentado, que inclui dirigir duas horas para levar a filha a terapias em outra cidade, abrir o computador numa lanchonete para dar aulas ou preparar conteúdo, ir a reuniões em escolas que não cumprem as leis, brigar contra o capacitismo, ajudar a elaborar projetos e políticas públicas, e dar palestras.
Ano passado, depois de uma enquete online apontar uma lacuna importante na oferta de terapias pelo SUS na região (só 15,5% das 58 famílias que responderam disseram ter acesso a terapias pelo sistema público de saúde), Faria passou a trabalhar numa proposta para oferecer, por meio da AMA, terapias baseadas em evidência científica (ABA e TCC) com financiamento público. A ideia é cobrir terapias para 80 autistas de níveis de suporte 1 e 2 (autistas de nível 3 seriam atendidos diretamente pelo município).
"A pesquisa que fizemos foi essencial para chegar até a secretaria de saúde, com os gráficos, e dizer: ‘Olha esse tanto de criança sem terapia. Nós temos capacidade para atender, mas precisamos de dinheiro’. Conseguimos um recurso mensal e, em breve, vamos ter recursos para atender pelo menos uma parte dos autistas", explica Faria ao blog.
Desse cotidiano atribulado e caótico saem memes bem-humorados.
"Não tamo tendo dias de glória, no máximo minutos de glória nos dias de luta. Porém os de hj já acabaram", escreveu em seu perfil. "Tudo passa nem que seja por cima de você", concluiu em outra postagem.
Escrito sobre uma foto de um rodo no corredor de casa: "Atenção equipe de serviços gerais: alagamento no corredor 2".
Com as filhas pulando em cima dela: "Última bolacha do pacote: toda quebrada".
Uma foto da Maria Antônia toda riscada de preto: "6h29. Aqui jaz um delineador Rn2 [recém nascida 2, como a Toninha foi chamada ao nascer] acordada & tocando o terror desde as 4h".
Em uma postagem recente, Faria — que também tem diagnóstico de autismo, TDAH e altas habilidades — fala sobre manter o bom humor apesar de situações desafiadoras.
"Cada autista é único e ser uma até que ajuda bastante, mas não faz com que eu tenha um manual de instruções. Só tenho um guia escrito ‘não entre em pânico’ em letras amigáveis na capa, no qual o tópico Toninha só está escrito ‘(praticamente) inofensiva’", brincou.
Ao blog, Faria falou sobre ser autista e ser mãe de uma autista. "Em cada ação da minha vida tinha autismo. Teve um impacto negativo em muitas coisas e sei que poderia ter tido uma vida muito diferente. Mas, ao mesmo tempo, eu não gostaria de ser diferente. Gostaria de ter tido mais suporte, alguma intervenção, mas é quem eu sou."
Perguntada sobre se ela acredita que Maria Antônia, que é autista nível 3 de suporte, vai encarar o autismo da mesma maneira, ela responde: "A gente fala tanto que ela é maravilhosa, super inteligente, que a gente adora o jeito dela, que ela vai absorver isso. Às vezes, pergunto para ela se ela gostaria de saber falar, e ela ri. Acho que ela gosta de ser como é. Espero que continue gostando."
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