Se o respeito às comunidades tradicionais em áreas cobiçadas pela iniciativa privada ainda é uma constante nas gestões estaduais e municipais, um modelo de parceria inédito vem sendo desenvolvido desde o início do ano passado em uma das áreas mais preservadas da mata atlântica, a Ilha do Cardoso, no litoral sul do estado de São Paulo. Estabelecida por meio de convênio entre a Fundação Florestal do Estado de São Paulo e a Amoip (Associação de Moradores das Comunidades do Itacuruçá e Pereirinha), a iniciativa concede às comunidades tradicionais dos caiçaras que sempre viveram lá e que sucessivos governos tentaram tirar do lugar, a gestão da exploração da visitação de uma área chamada Núcleo Perequê por cinco anos. Nela estão incluídas algumas trilhas que, ressalta o presidente da associação, Sérgio Carlos Neves, "só mesmo quem nasceu aqui conhece".
A manutenção da área como fonte de recursos para as comunidades tradicionais chegou a ser ameaçada quando, em 2016, o governador Geraldo Alckmin sancionou um projeto que autorizava a concessão à iniciativa privada de 25 parques estaduais –entre eles, o da Ilha do Cardoso. Depois de muitas tratativas e negociações, principalmente com o reconhecimento de que ali vivem, sim, populações caiçaras e indígenas que teriam direito a suas terras ancestrais, veio a nova modalidade de parceria, sem patrocínio outro que a mão de obra de cada um dos 600 moradores hoje sob o guarda-chuva da associação.
"A associação vai administrar uma área de 5 mil metros de área construída", conta Emily Toledo Coutinho, gestora do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, que abriga a área conveniada com os caiçaras. Essa área inclui espaços para hospedagem, alimentação, um museu e uma loja de lembrancinhas. A validade do convênio é de cinco anos prorrogáveis por mais cinco e, por enquanto, como conta Neves, só recebe para permanência grupos de no mínimo 20 pessoas, em geral estudantes ou pesquisadores, mediante agendamento. Grupos menores ou visitantes individuais podem visitar o núcleo, mas se quiserem pernoitar para percorrer alguma das muitas trilhas de várias distâncias e perfis da região, poderão procurar abrigo em casas de moradores fora da área conveniada.
"Por enquanto, esse número é o que podemos receber neste primeiro ano de funcionamento da parceria", explica Neves, que imagina poder ampliar o público e mudar o perfil ao longo dos próximos anos, à medida que a estrutura se azeitar. "Aqui hoje todos nos revezamos em todas as atividades, uma semana uns estão no alojamento, outros na cozinha, outros guiando os grupos, ou organizando as atividades culturais e eventos voltados à temática socioambiental e às práticas tradicionais caiçaras", acrescenta. Cobrando valores diferenciados para cada perfil dos grupos, a taxa individual básica fixada é de R$ 220 por pessoa, com tudo incluído —menos, claro, as lembrancinhas a que ninguém resiste.
Para Emily, a iniciativa da parceria público-comunitária "é um modelo que, se bem-sucedido e bem divulgado, poderá ser replicado em outras partes do país" e a fundação vem observando de perto o desenrolar do projeto, inserido no ambiente maior do parque, que recebe entre 45 mil e 50 mil visitantes por ano. E ela garante que não está no radar da administração estadual mudar o formato para uma parceria com algum agente privado, como boa parte dos parques estaduais atualmente. "Investimos tanto esforço, tantos setores da fundação, trabalhamos um ano para conseguir chegar a um modelo ideal para as duas partes, que isso não está sendo colocado no horizonte", enfatiza.
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