A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, mais conhecida como Eco-92 ou Rio-92, foi uma espécie de festival para convencer o mundo de que ele precisava se salvar.
Um quarto de século depois, parece claro que não deu muito certo.
O Brasil ia governado por Fernando Collor. A reunião começou em 3 de junho. Dois dias antes o Congresso instalara a CPI a partir da qual deslancharia o processo de impeachment, que terminou menos de sete meses depois com a deposição do presidente.
Collor viu na Eco-92 uma chance de perfilar-se como estadista e, num eventual sucesso diplomático, ajudar a conter a maré montante contra si. Tampouco deu certo.
o clima da eco
Pela primeira vez um acontecimento mundial sediado exigiu a presença das Forças Armadas nas ruas do Rio. Veículos de combate guarneciam os flancos da favela da Rocinha e outros morros. Avenidas inteiras eram bloqueadas para a passagem de comitivas.
No Fórum Global do aterro do Flamengo, a fauna das ONGs se espalhava. A animação só diminuiu quando estourou a notícia de que o líder caiapó Paulinho Paiakan, um inimigo da destruição da Amazônia, havia sido detido sob acusação de estupro.
Nos corredores do Riocentro, em Jacarepaguá, onde transcorria a negociação entre delegações diplomáticas, era possível topar com Al Gore, Jane Fonda, o Dalai Lama ou Ted Turner.
Com mais sorte, topava-se com George Bush (pai) ou Fidel Castro, cercados por pelotões de seguranças. Havia uma centena de chefes de Estado e de governo circulando pelo centro de convenções.
Seria exagero dizer, hoje, que foi muito barulho por nada. Ali se puseram os pingos nos is de documentos (Carta da Terra, Declaração de Princípios sobre Florestas, Declaração do Rio, Agenda 21) e convenções das Nações Unidas (Diversidade Biológica, Combate à Desertificação e Mudança do Clima).
Os quatro primeiros textos amontoavam boas intenções, mas não tinham garras. As duas primeiras convenções seguiram a trajetória burocrática modorrenta de tantos tratados da ONU, com uma sucessão de conferências das partes para produzir regulamentações e compromissos dos quais pouco se ouve falar.
Só a última, sobre mudança climática, ganhou real notoriedade. Ela deveria criar obrigações legais para que todos os países contribuíssem para deter o aquecimento global, mas a disputa entre os EUA de Bush e o G-77 (o Terceiro Mundo, como ainda se dizia) quase pôs tudo a perder.
O grupo dos países pobres, China e Índia à frente, exigia que as nações industrializadas assumissem o compromisso de reduzir emissões de gases do efeito estufa. Além disso, deveriam pagar e transferir tecnologia para que os menos desenvolvidos participassem do esforço, mas sem assumir obrigações.
A solução, se é que se pode chamar assim, foi consagrar o cisma sob o lema das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas": países listados num Anexo 1 (os mais ricos) se obrigavam a agir primeiro; o restante, no Anexo 2, ficaria isento de tomar medidas, para não prejudicar seu desenvolvimento.
KYOTO
Cinco anos depois, a convenção foi regulamentada pelo Protocolo de Kyoto. O novo tratado estabelecia metas quantitativas de redução de emissões para integrantes do Anexo 1 (5%, em média).
Foi um fracasso, até porque os EUA -então os maiores poluidores do planeta- nunca o ratificaram.
A pedra no sapato do Congresso americano era a ausência de obrigações para países como a China, cuja industrialização acelerada logo faria dela a maior emissora de gases do efeito estufa no planeta. Esse conflito
esteve na origem de outro fracasso retumbante, a Conferência de Copenhague, que ocorreu em 2009.
O impasse só seria superado com a aproximação entre China e EUA no governo de Barack Obama. Antes de uma nova conferência na França, em 2015, o governo chinês anunciou metas para reverter a trajetória ascendente de emissões, e o americano, cortes mais ambiciosos nas suas (que de resto já se achavam em queda no setor energético).
PARIS
Estava aplainado o terreno para declarar, no final daquele ano, que o Acordo de Paris era um sucesso. Ele fixava o objetivo comum de conter o aquecimento global abaixo de 2ºC (um aumento de 1°C já ocorreu, ou seja, metade disso) e, se possível, abaixo de 1,5ºC.
Não vai acontecer. De novo.
As metas adotadas em cada país são díspares e voluntárias. Não há mecanismo consensual para garantir que sejam cumpridas.
Além disso, o lento afastamento do setor de energia de sua dependência de combustíveis fósseis (petróleo à frente, como o do pré-sal) não é suficiente para o objetivo de zerar as emissões em meados deste século.
Para piorar a perspectiva, governos como o de Donald Trump nos EUA e Vladimir Putin na Rússia trabalham dia e noite para solapar o que se acordou em Paris.
Por outro lado, a indústria de energias alternativas cresce em ritmo vertiginoso, e pelo menos alguns setores mais avançados do empresariado global se deram conta de que algo precisa ser feito.
Não foi ainda desta vez, porém, que todo o mundo se convenceu da necessidade de garantir a estabilidade do próprio futuro. E foram necessários 25 anos para chegar a este ponto.
A ECO-92 EM DEZ MOMENTOS
1 - Fazendo história
"Não penso estar sucumbindo ao poder das palavras quando digo que este é um monumento histórico", disse Boutros-Ghali, secretário-geral da ONU, no discurso de abertura
2 - Soneca
O governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho (1928-2009), pouco afeito à retórica ambientalista, dormiu durante os discursos de abertura da Eco-92
3 - Silêncio no recinto
Conhecida como "a garota que silenciou o mundo por cinco minutos", a canadense Severn Cullis-Suzuki, de 12 anos, discursa na Eco-92. "Sou apenas uma criança e não tenho todas as soluções, mas quero que saibam que vocês também não têm"
4 - Tentativa de comércio
O líder xavante Mário Juruna (1943-2002), que tentou vender uma pele de onça na Eco-92
5 - Rezando juntos
Hanne Marstrond, então mulher do secretário-geral da Eco-92, Maurice Strong, aproveitou a Convenção sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento para reunir 75 líderes espirituais de todo o mundo. A milionária dinamarquesa chamou todos para um sítio a três quilômetros do Riocentro, para enviar boas vibrações aos representantes dos governos reunidos no Rio
6 - Moeda
Para comemorar a Eco-92, o governo Collor lançou uma moeda de prata no valor de 2.000 cruzeiros; tem na face a figura de um beija-flor e no verso a imagem do Pão de Açúcar
7 - Mergulho
Para protestar contra a poluição, o mergulhador profissional Luis Roberto Dall Toggetto, submergiu por dez minutos no rio Tietê, na ponte das Bandeiras (zona norte). Ao sair, Toggetto teve um mal-estar
8 - Mentirômetro
Lula e Carlos Minc, então deputado, em frente ao "mentirômetro" -inaugurado pela ONG Defensores da Terra-, que "media o nível de mentira" dos governos
9 - 'Telerjetes'
Cerca de 130 "telerjetes" –recepcionistas da Telerj na Eco-92– foram contratadas para operar computadores e telefonia móvel, mas chamaram a atenção pela beleza. A Telerj as orientou a, sutilmente, rejeitar as cantadas de que foram alvo
10 - Não é a mamãe
"São crianças maravilhosas. Se eu pudesse, levava umas cem ou duzentas comigo para os Estados Unidos", disse Barbara Bush, primeira-dama americana, durante visita ao Educandário Romão de Mattos Duarte, no Flamengo (zona sul) que auxilia crianças carentes
Colaborou EDGAR SILVA, do Banco de Dados
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