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Reportagem

Deizy Nhaquile: "Os Jogos Olímpicos são para todos e sou a prova disso"

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A faltarem três dias para a abertura oficial dos Jogos Olímpicos de Paris, os atletas continuam a chegar à aldeia olímpica, na região parisiense. "Faço destas Olimpíadas como se fossem minhas primeiras, onde posso viver tudo, desde a aldeia à abertura, desde a experiência maravilhosa de estar no maior evento do mundo. Quero aproveitar e representar o meu país da melhor forma possível", afirmou a velejadora moçambicana, Deizy Nhaquile.

Deisy Nhaquile, velejadora moçambicana, nos JO de Paris 2024.
Deisy Nhaquile, velejadora moçambicana, nos JO de Paris 2024. © RFI/Lígia Anjos
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Moçambique vai participar nas modalidades de boxe, natação, vela, atletismo e judo dos Jogos Olímpicos de Paris que arrancam oficialmente na sexta-feira, 26 de Julho. A delegação moçambicana é composta por sete atletas: uma delas é Deizy Nhaquile, velejadora moçambicana, 23 anos, que participa na prova de Vela destes Jogos Olímpicos de Paris, em Marselha. A atleta olímpica está na classe Laser Radial, agora chamada de ILCA 6, e contou-nos a sua luta para integrar os JO de Paris.

RFI: Qual é a sensação de estar a representar Moçambique nestes Jogos Olímpicos? 

Deizy Nhaquile: É muito gratificante estar aqui a representar Moçambique nos Jogos Olímpicos. São minhas as segundas Olimpíadas e eu quero dar de tudo nestas. Infelizmente, nas primeiras em Tóquio 2020 tive Covid e o meu desempenho não foi muito bom. Eu faço destas Olimpíadas como se fossem minhas primeiras, onde eu posso viver tudo, desde a aldeia à abertura, desde a experiência maravilhosa de estar no maior evento do mundo e quero aproveitar e representar o meu país da melhor forma possível.

É um momento inédito estar aqui em Paris, nos Jogos Olímpicos de 2024?

É inédito. Primeiro porque não é fácil qualificar-se para os Jogos Olímpicos. Todos os outros países se esforçam. Então, a felicidade também vem das condições que não foram assim tão boas para me qualificar. Infelizmente a vela é uma modalidade muito cara. Eu não consigo fazer todos os campeonatos e mesmo sem recursos, o meu treinador sul-africano chama-me para treinar porque ele diz que sou uma atleta talentosa. Ele diz-me que infelizmente vivo num país com escassez de vários recursos e chama-me para puxar por mim e para me tentar qualificar. Chego aos Jogos Olímpicos depois de muito esforço. Há atletas que conseguem fazer vários campeonatos e eu só consegui fazer um estágio depois de vencer num Mundial. Conheço um atleta da Tunísia que treina aqui em França e eu não tenho as mesmas condições, mas esforcei-me e consegui qualificar-me. 

Não participou em muitas competições por falta de meios e conseguiu apurar-se para estar aqui. O que conta mais: a sua força de vontade, o talento, a sorte? 

Primeiro Deus. Eu sou cristã, então acredito que é Deus. São planos de Deus para minha vida e também o meu trabalho, não só meu, mas também de todos os outros que tentam ajudar a Deizy, que é o meu clube. O Clube Marítimo de Desportos tem a Federação Moçambicana de Vela de Canoagem e também tem um comité Olímpico. Tenho a bolsa da solidariedade olímpica, que é uma mais valia para os países que não não têm várias condições. Os Jogos Olímpicos são para todos e eu sou a prova viva disso.

Houve muito trabalho para estar aqui hoje?

Para além de ser um privilégio, existe muita luta para estar aqui. Este é o maior evento do mundo. Quando tu estás no refeitório, começas a ter essa noção. Quando tu estás na aldeia olímpica começas a imaginar quanto tudo isto é inédito. É uma festa. Passei os últimos quatro anos a lutar para cá estar.

Os atletas moçambicanos chegaram a França no início deste mês de Julho para treinar durante duas semanas na cidade de Saint-Paul-les-Dax?

Fomos todos fazer um estágio para estarmos concentrados num lugar e para começar a entrar no espírito dos Jogos Olímpicos. Infelizmente tive de treinar num lago, mas foi de mais valia para entrar na concentração, porque no estágio em Moçambique não estávamos 100% concentrados em treinar e aqui temos a distância de casa. A minha casa para o treino é muito distante e tem várias coisas. Às vezes não conseguir fazer as refeições adequadamente então foi de mais valia, porque lá estávamos completamente concentrados. 

Infelizmente era um lago. Isso faz diferença?

Faz uma diferença, sim porque em Marselha temos ondas. As condições do vento são completamente diferentes e temos um vento muito forte, temos ondas bem grandes e as condições são completamente diferentes.

Sente que está pronta para as competições?

É difícil responder, mas sinto-me pronta para aproveitar este evento. Preparei-me quatro anos e chega aquele momento em que parece que não estás pronta. Parece que precisas mais de um ano de preparação, mas já estamos aqui, então vamos aproveitar.

Qual é a energia da delegação moçambicana?

A energia é boa, estamos muito felizes por estar aqui. Infelizmente não poder ficar em Paris com os outros atletas porque as minhas provas são em Marselha e somos só três pessoas; eu, o meu treinador e o presidente da Federação.

O objectivo é a medalha?

Eu estou bem centrada nos meus objectivos. Não que eu não goste de sonhar alto, mas acho que qualquer atleta tem de ter de colocar os pés no chão e saber qual é o trabalho que é feito para chegar a uma medalha. Ainda precisamos de muito investimento. O meu país precisa investir muito e uma medalha não vem por sorte, vem por muito trabalho. Todos os países colocam muito dinheiro, muito investimento e às vezes é um investimento a longo prazo. Nós não podemos só querer trabalhar quatro anos ou um ano antes para ter uma medalha.

Podemos muito bem pensar em começar a investir para ter uma medalha em 2032. Se não começarmos a investir agora em 2032, não vamos ter nada. Mas se começarmos a investir agora, podemos ter uma medalha em 2032. Até agora, Moçambique só tem uma medalha olímpica conseguida pela atleta Lurdes Mutola. Acho que está na hora de começar a investir. Não somente preocupar-se em qualificar, mas começar a pensar numa medalha olímpica.

Qual é que vai ser o seu programa nos próximos dias, até às primeiras provas?

Chegando a Marselha vamos conhecer o mar, conhecer as condições. Dia 1 de Agosto começam as regatas, começa a minha competição e termina dia 5. No dia seguinte, 6 de Agosto, decorre a corrida da medalha para as dez melhores.

Presidente da federação moçambicana de Vela e canoagem, Hélio da Rosa
Presidente da federação moçambicana de Vela e canoagem, Hélio da Rosa © RFI/Lígia Anjos

Deizy Nhaquile está a ser acompanhada pelo treinador e pelo presidente da federação moçambicana de Vela e canoagem, Hélio da Rosa, que nos descreveu o trabalho da atleta para estar presente neste que é o maior evento desportivo do mundo.

Estar em Paris a representar Moçambique é um motivo de orgulho?

Hélio da Rosa: Realmente é uma honra representar Moçambique nos Jogos Olímpicos. Nós temos um leque de modalidades olímpicas muito grande em Moçambique, mas nem todas estão cá e as que cá estão posso considerar que são as melhores das melhores. Estar em Paris nos Jogos Olímpicos qualificado é uma honra, significa que a Federação tem estado a fazer um trabalho muito bom e é para continuar. Já estivemos em duas edições passadas dos Jogos Olímpicos: estivemos com a canoagem no Rio, estivemos com vela e canoagem em Tóquio e agora estamos com a vela em Paris. Isso significa que durante esse período que estivemos a trabalhar, eu e os meus colegas conseguimos fazer aquilo que poucas federações conseguem fazer.

É também a concretização de muito trabalho...

É realmente muito trabalho porque não é fácil qualificar-se para os Jogos Olímpicos. No caso da Deizy são três anos de trabalho árduo e muitas lesões. Em alguns momentos ela quis desistir, mas temos sempre que estar ali e temos de ser pais, mães, psicólogos, muita coisa. No final de tudo sentimo-nos orgulhosos porque foi um trabalho que valeu a pena.

Pode explicar-nos qual é o processo de preparação dos atletas para estar aqui?

Normalmente, a qualificação do atleta está a cargo da Federação. O Comité Olímpico apoia-nos e o governo moçambicano também nos tem apoiado, mas é tudo a cargo da Federação e temos que ser nós, como federação, a criar condições para que o atleta possa representar o país em tudo aquilo que é competição, tanto as qualitativas como as não qualitativas. Quando digo não qualificativa, são aquelas em que temos de participar mesmo, as chamadas de rodagem para que o atleta possa competir para ter uma rodagem para quando for às competições de qualificação estar preparado para poder alcançar o seu verdadeiro objectivo.

Estamos a falar de quantas competições?

A Deizy teve que participar em quatro Mundiais e dois africanos.

Ela é, aliás, vice-campeã africana?

Sim, vice-campeã africana, perdeu o título com a vice-campeã de Tóquio porque a adversária directa é egípcia e esteve a correr no seu próprio país. Quando estás nas tuas águas és tu quem manda. É por isso que digo que ela é uma guerreira porque esteve em águas egípcias e conseguiu alcançar o segundo lugar. Ela tem estado a mostrar que a Vala em África é para se investir porque é uma modalidade que normalmente as pessoas conotam como uma modalidade de pessoas com posses porque alugar um barco a vela e o material todo não é nada barato.

A vela é uma modalidade recente em Moçambique?

Não é bem recente porque se não me falha a memória em 75 ou 78 organizámos o Campeonato Mundial, então já é uma modalidade antiga. Só depois tivemos uma pequena queda de número de participantes com a organização dos Jogos Africanos. Em 2011, a vela reentrou para o mundo das competições das grandes competições, porque nos Jogos Africanos tínhamos a vela e a canoagem como duas modalidades que podiam participar nos jogos. Foram também as duas modalidades que conseguiram trazer medalhas para o país, a par do judo.

Imagino que ao acompanhar cada prova de Deizy, sente um nervosismo?

Claro. Porque também já fui atleta. Aquele frio na barriga aparece, mas não o podemos transmitir para os atletas porque temos que dar a perceber que estamos cientes e confiantes neles. Mas o frio na barriga é algo que sempre aparece, principalmente quando já estiveste daquele lado. Independentemente de seres ou não o melhor, o frio sempre aparece porque nunca sabes o que é que o teu adversário tem preparado para ti.

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