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Linha Direta

PF reúne material contra Bolsonaro, mas analistas dizem que desfecho do caso deve demorar

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Especialistas ouvidos pela RFI apontam trabalho técnico e detalhado por parte da Polícia Federal na conclusão do inquérito que sugere crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro por parte de Jair Bolsonaro no escândalo das joias. Mas com o fim da prisão antes do trânsito em julgado e encerrada a fase de inquérito, eles não esperam um desfecho rápido para o caso, o que reduz também os impactos do caso sobre a influência política exercida pelo ex-presidente.

Trabalho de investigação da Polícia Federal sugere crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro por parte de Jair Bolsonaro no escândalo das joias.
Trabalho de investigação da Polícia Federal sugere crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro por parte de Jair Bolsonaro no escândalo das joias. AP - Andre Penner
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

“Se ele for condenado no processo, ele pode, sim, ser preso. As penas somadas podem chegar a mais de 20 anos, mas eu acho que ainda é cedo falar sobre isso. O processo penal pode demorar alguns meses, talvez até mais de um ano, e pode haver recursos no próprio STF. Então eu diria que um resultado pode demorar um, dois, três anos”, disse o professor de Direito da Universidade de Brasília, Pablo Holmes Chaves.

As conclusões da Polícia Federal, num documento de mais de 400 páginas, ligam Bolsonaro ao desvio de R$ 6,8 milhões com a venda de joias e objetos de luxo. O jurista diz que o farto material reunido na investigação afasta o risco de o caso não dar em nada. “Eu acho improvável que haja arquivamento porque me parece que há indícios muito fortes. Há uma comunicação ativa do ex-presidente com seus assessores, inclusive com o chefe da Receita Federal na época. Várias mensagens que apontam o recebimento de valores pelo ex-presidente, fotografias desses encontros, rastreamento dos celulares que mostram que as testemunhas falavam a verdade, relato de Mauro Cid, seu assessor. O pai de Mauro Cid também admite que repassou dinheiro em espécie para o ex-presidente. São vários presentes, vários bens que foram negociados”, listou Chaves.

O advogado Ariel Weber, mestre em Direito Público, disse que a nova fase, a análise pela Procuradoria-Geral da República, é crucial para o apontamento de possíveis crimes, que podem coincidir ou não com o relatório policial. “Nós temos três principais caminhos. Primeiro: a PGR pode entender que diligências adicionais são necessárias. Segundo: pode considerar que os elementos escolhidos não são suficientes e opinar pelo arquivamento. E o terceiro é o oferecimento da denúncia. É muito comum, numa eventual denúncia, haver mudanças significativas nas imputações criminais.”

O advogado ressaltou o trabalho discreto e focada da Polícia Federal, embora destacasse que o inquérito sozinho não traz implicações jurídicas aos suspeitos. “Muito mais falando em tese do que sobre o caso concreto, gostaria de pontuar que foi uma investigação relativamente longa e aparentemente muito técnica por parte da Polícia Federal. Se fossem outros os tempos, nós teríamos as conhecidas ações midiáticas. Eu destaco também que, embora exista essa figura do indiciamento, esse ato, por si só, não tem qualquer repercussão jurídica na vida dos investigados”, frisou Weber.

Os adversários de Jair Bolsonaro fizeram ampla divulgação do relatório da PF nas redes sociais. Já os aliados do ex-presidente reduziram seu impacto. O cientista político Luis Felipe Miguel, doutor em ciências sociais, avalia que há acusações mais graves contra o ex-presidente, como o atentado à saúde pública durante a pandemia da Covid 19 e também à democracia, mas que o caso das joias traz um potencial de estrago político maior.

“O caso das joias tem a peculiaridade de ser um crime comum, de fácil entendimento pelo público em geral, sobre o qual existem evidências que são praticamente incontestáveis e que atingem um ponto de honra do discurso de Bolsonaro e da extrema-direita, que é a questão da corrupção. E é por isso que reside nesse caso, cuja gravidade, evidentemente, é muito menor do que os outros crimes cometidos por Bolsonaro e por seu grupo, a esperança de que ele, enfim, venha a ser condenado e chegue à prisão”, apontou Miguel.

Porém, para o analista político, até aqui Bolsonaro conseguiu manter apoiadores não só entre os mais fanáticos, mas também entre eleitores da direita e uma parcela da classe política.

“O que vimos nesse caso, como todos os outros que envolvem Bolsonaro, são ações que parecem complicar a sua situação, mas depois vem uma acomodação. Até o momento, nenhum dos desdobramentos das investigações contra ele se mostraram suficientes para afastar os grupos da direita que orbitam ao seu redor, seja na população, seja entre a elite política. Isso não aconteceu até agora porque o sistema de justiça brasileiro tem sido falho em promover essa responsabilização, importante para a democracia”, defendeu Luis Felipe Miguel.

Foro especial

Uma das alegações da defesa é que não teria partido de Bolsonaro ordem para qualquer negociação ou venda de objeto aqui, ou no exterior, a exemplo do exuberante colar de pedras preciosas recebido do governo saudita. Os advogados do ex-presidente também contestam o foro de julgamento nesse caso, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal.

“Em condições normais, o processo deveria ser feito em varas da justiça comum. Mas há o entendimento de que esse caso está associado a outros crimes. Inclusive uma suspeita de que ele usou recursos provenientes da venda desses bens para fugir para os Estados Unidos, que houve transferência de recursos para lá logo depois que o ex-presidente, segundo evidências de outro processo, articulou um golpe de estado”, explicou o professor Pablo Holmes Chaves.

“Concordo que é controverso, a defesa tem argumentos para dizer que deveria ser na justiça comum, mas eu acho que há também argumentos que justificariam esse processo estar no STF. Acho que há argumentos para os dois lados e aí cabe à justiça decidir”, pontuou o jurista.

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