Guia trans do governo britânico para escolas e faculdades causa discussão no Reino Unido
Publicado em:
Ouvir - 05:08
O novo documento não agrada nem aos mais conservadores e tampouco a comunidade LGBT+. A nova orientação para professores na Inglaterra em como lidar com trocas de nomes, pronomes, uso de uniforme e banheiro não é lei, mas espera-se que seja adotada como um guia prático, apesar dos pontos polêmicos introduzidos pelo departamento de educação.
Yula Rocha, correspondente da RFI em Londres
O novo guia trans para as escolas na Inglaterra não agradou a Comissão de Equidade de Direitos Humanos, que deveria ter voz ativa durante o desenvolvimento do relatório feito pelo governo. Uma das mais antigas ONGs de apoio à comunidade LGBT+, a Mermaids, disse que o documento é absurdo e discriminatório porque não ouviu a comunidade e criou mais confusão para as escolas.
Já a ala mais à direita do partido conservador acha que o documento deveria ter validade legal. O novo texto visto por muitos como um avanço na questão de gênero não foi promulgado como lei, deve ser adotado como um guia para professores e diretores de escolas e faculdades lidarem com alunos em transição de gênero e que querem ser identificados com novos nomes ou pronomes, por exemplo.
Linguagem usada está no centro das discussões
O documento usa palavras como identidade de gênero associada a uma ideologia ou a uma crença, o que contradiz a Organização Mundial da Saúde, que em 2019 reconheceu que ser trans não é um transtorno mental ou comportamental. O termo também contradiz o próprio sistema público de saúde do Reino Unido, o NHS, que oferece tratamento hormonal e até mesmo o último censo da Inglaterra, que incluiu a palavra transgênero em seu questionário.
A estimativa do governo é que entre 200 mil e meio milhão de britânicos se identifiquem como trans. O número de crianças atendidas pelo serviço de identidade de gênero chegou a 5 mil entre 2021 e 2022, contra apenas 250 entre 2011 e 2012.
No entanto, o governo eximiu do guia a palavra transgênero para descrever uma criança ou adolescente porque segundo a lei britânica, menores de 18 anos não podem obter um certificado de reconhecimento de gênero e portanto legalmente não podem mudar de sexo.
O que muda na prática nas escolas da Inglaterra
O governo recomenda que a escola identifique a possibilidade desse aluno ou aluna ter mudado sua identidade de gênero como resultado de uma influência externa, como por exemplo mídias sociais ou até mesmo a pressão de colegas que não se identificam com o estereótipo associado a meninas ou meninos.
O ponto mais controverso deste guia é o envolvimento dos pais nessa conversa. A recomendação considerada prioritária para as escolas é que os pais devem ser notificados sobre a decisão do aluno ou aluna em transição de gênero. O guia recomenda engajar os pais e encoraja que o aluno ou aluna tenha essa conversa em casa. Mas abre uma exceção - se a integridade mental, emocional ou física do aluno ou aluna estiver em risco, os pais não devem ser avisados pelas escolas, mas não explica exatamente o que constitui esse risco e como identificar esse risco.
Uma pesquisa recente da ONG Just like us concluiu que cerca de 40% dos jovens não-binários ou transgêneros não seriam mais aceitos pelos pais.
O guia também sugere que fique a critério da escola ou do professor acolher ou não a escolha desse aluno ou aluna que quer mudar o pronome ou o uniforme que usa baseado no impacto que essa decisão terá sobre a escola como um todo. Mas também não está claro como mensurar esse impacto.
Acompanhe as notícias da RFI Brasil no WhatsApp
Fase de consulta
O documento prometido há cinco anos pelo governo conservador só foi divulgado agora e está em fase de consulta até março. O departamento de educação espera ouvir a opinião de pais e mães, professores e diretores de escola, mas não dá voz aos próprios alunos trans e cisgênero.
A divulgação do guia coincide com um importante momento político, com expectativa de eleições gerais ocorrerem ainda em 2024. Esses temas culturais e sociais mais polêmicos, que racham o país entre conservadores e liberais, sem dúvida estarão na campanha.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro