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Linha Direta

Campanha eleitoral argentina será "marcada por incertezas", após vitória de Massa no 1º turno

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Para surpresa da própria militância, Sergio Massa venceu o primeiro turno, superando o ultraliberal Javier Milei. Os analistas preveem que a campanha eleitoral até o próximo 19 de novembro será marcada por várias incertezas, inclusive econômicas. 

Argentina, domingo, 22 de outubro de 2023. Massa manteve a liderança nos primeiros resultados e está pronto para enfrentar Javier Milei na segunda rodada, em 19 de novembro.
Argentina, domingo, 22 de outubro de 2023. Massa manteve a liderança nos primeiros resultados e está pronto para enfrentar Javier Milei na segunda rodada, em 19 de novembro. AP - Gustavo Garello
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A inesperada vitória parcial do candidato a presidente e atual ministro da Economia, Sergio Massa, fora das previsões das pesquisas, altera a corrida eleitoral. Ela fortalece politicamente o candidato menos preparado para a gestão econômica do país, que acumula 138,3% de inflação anual, 42% de pobreza e caos financeiro.

“Os números são mais favoráveis a qualquer candidato opositor, mas foi a vitória do mal menor. Agora, começa uma nova campanha cujo resultado é uma incógnita. Será uma campanha comandada pelo medo", avalia RFI Shila Vilker, especialista em opinião pública e diretora da consultora trespuntozero. "Não só a loucura (de Javier Milei) desperta medo. Também o governo desperta medo. As pessoas temem o novo, mas também temem a continuidade, mais do mesmo. Há medos dos dois lados”,

Com 98,5% das urnas apuradas, Sergio Massa vence com 36,68% dos votos válidos, pouco menos de sete pontos acima de Javier Milei, com 29,98%. A maior derrotada foi Patricia Bullrich, com 23,83%, cuja coalizão opositora, Juntos pela Mudança (“Juntos por el Cambio”), liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, era apontada no começo da campanha como a favorita. Bullrich perdeu seis pontos desde as primárias em 13 de agosto.

Sergio Massa tinha tudo para perder como ministro da Economia de um país à beira da hiperinflação e aliado político de envolvidos em novos escândalos de corrupção. No entanto, contradizendo a máxima de Bill Clinton (“É a economia, estúpido”) ganhou a disputa parcial, levando a corrida até 19 de novembro.

“Nas nossas projeções, víamos Sergio Massa em primeiro lugar, mas não acreditávamos. Era contra intuitivo. Há outros fenômenos para explicar essa vitória, apesar da realidade econômica: identidade política e medos a extremos como o de Javier Milei ou dúvidas sobre Patricia Bullrich sobre a capacidade de gerir a economia”, explica Vilker.

Massa ganhou com 16 pontos de vantagem na província de Buenos Aires, onde estão 39% dos eleitores do país. Também recuperou seis das 16 províncias onde tinha perdido as primárias.

“O Peronismo se recompôs de maneira extraordinária. Se o partido precisava de entusiasmo para virar o jogo, Massa acaba de lhe dar. Mas cuidado: boa parte dos votos em Massa não foram por amor, mas por medo do rival e do desconhecido”, explicou à RFI o analista político Carlos Fara.

A extrema-direita de Javier Milei ficou estagnada. Não diminuiu, mas também não cresceu em quantidade de votos. Perdeu seis províncias onde tinha ganho. E Milei, quem pretendia ganhar no primeiro turno, acabou em segundo lugar, quando todas as sondagens apontavam a sua liderança.

Jogo de sedução

Uma disputa entre Sergio Massa e Javier Milei era tudo o que os dois queriam. Ao longo da campanha, um procurou polarizar com o outro. Para Milei, polarizar com Massa é uma vantagem porque mantém a disputa contra o ‘kirchnerismo’, corrente política liderada pela vice-presidente Cristina Kirchner, aliada de Massa. E a maior parte da sociedade argentina é contra Kirchner.

Já Massa explora o medo dos eleitores a algo desconhecido que pode ser ainda mais radical do que o kirchnerismo. Apela aos temores à personalidade instável e explosiva de Milei e às suas ideias mais polêmicas como a venda de órgãos, o armamento de civis e o negacionismo em relação às mudanças climáticas, todas questões que Milei procurou minimizar durante a campanha.

A derrotada Patricia Bullrich deu sinais de que entre Javier Milei e Sergio Massa, prefere Milei.

Patricia Bullrich disse que "não daria os parabéns a quem faz parte do pior governo da Argentina” e que “o país precisa terminar com o populismo”, em alusão ao ministro Sergio Massa.

“Há mais eleitores a favor de uma mudança do que de uma continuidade política (63% votaram contra Massa), mas entramos em outra dimensão. Massa entra muito confortável no segundo turno e tem argumentos políticos para seduzir os demais de que o lado dele é o lado ganhador. Esse argumento era de Javier Milei até ontem”, compara Carlos Fara.

Javier Milei procurou seduzir Patricia Bullrich, a quem, durante a campanha, chegou a acusar de “guerrilheira assassina que punha bombas nos jardins de infância” numa injusta acusação quanto ao papel militante de esquerda de Patricia Bullrich durante os anos de 1970.

Mas, agora que precisa aproximar-se de Bullrich, “dá por terminado o processo de agressões e ataques”, dizendo que “está disposto a passar uma borracha e começar de novo para terminar com o kirchnerismo”.

Durante o seu discurso de vitória, usou várias vezes a expressão “trabalhar juntos para terminar com o kirchnerismo”.

“Massa vai tentar transformar este segundo turno num grande plebiscito sobre os medos da sociedade com Milei. Em princípio, a maior parte dos votos de Bullrich deveriam, naturalmente, ir a Milei, mas não podemos descartar que acabem divididos entre os dois porque Milei cometeu erros ao gerar medo em eleitores de Bullrich”, recorda Fara, em relação às declarações de Milei, há duas semanas, quando incentivou uma corrida cambial ao recomendar aos correntistas trocarem pesos por dólar porque “o peso não vale nem excremento”.

Sergio Massa não tem ilusões de um acordo com Bullrich. Prefere apontar aos eleitores do partido União Cívica Radical, integrante da coligação de Bullrich, que não se sentem confortáveis de votar na extrema-direita. Massa disse que vai fazer todo o esforço para ganhar a confiança desses eleitores e que vai convocar a um governo de união nacional, ampliando o espectro político.

“A polarização acabou e começa uma nova fase no meu governo”, prometeu. “A maior parte do eleitorado argentino está no centro moderado. Com todos os seus defeitos, Sergio Massa tem mais possibilidades de capturar esse voto do que Javier Milei, pelo menos do Milei que vimos até agora”, aposta Carlos Fara.

Derrota opositora no Parlamento

A derrota da coligação Juntos pela Mudança é um duro golpe para a oposição ao Peronismo. Essa aliança preparava-se para ter maioria no Congresso e aprovar reformas estruturais, mas acabou perdendo 25 deputados e 9 senadores.

Javier Milei ganhou 34 deputados e 8 senadores. Como essas bancadas, Milei não vai conseguir aprovar nenhuma reforma nem nenhuma das suas promessas mais radicais como acabar com o Banco Central, de reduzir o ensino gratuito e, principalmente, de dolarizar a economia. Vai precisar sempre dos votos de Juntos pela Mudança, um fator de equilíbrio nas polêmicas propostas. Nenhuma força terá maioria no Parlamento.

Vitórias silenciosas

O Peronismo, especialmente o kirchnerismo, era consciente de que perderia muito poder no Parlamento. O objetivo dessa força política era o de ficar com um mínimo de legisladores para poder bloquear ou incidir nas novas iniciativas da oposição. Mas o resultado foi bem melhor.

O Peronismo perdeu apenas 10 deputados dos 68 que renovava. E ganhou dois senadores. É agora a primeira minoria. A vencedora silenciosa destas eleições foi Cristina Kirchner. Sem ser candidata, conseguiu reeleger o seu candidato a governador na província de Buenos Aires, Axel Kiciloff, e fez vários legisladores na província mais importante do país. Cristina Kirchner conseguiu um refúgio político para aguentar os próximos anos.

Mas, enquanto Cristina Kirchner refugia-se na província mais populosa do país, capaz de inclinar qualquer eleição nacional, o ex-presidente Maurício Macri, deve reter o poder na capital do país, onde o seu primo, Jorge Macri, ficou 0,39% de ganhar.

Medo nos mercados

Nos mercados, também vai incidir o medo dos agentes econômicos com as políticas tanto de Sergio Massa quanto de Javier Milei. Os agentes preferiam Patricia Bullrich, não gostam de Sergio Massa e desconfiam de Javier Milei.

Sergio Massa deve continuar a emitir dinheiro sem respaldo de forma descontrolada. A distribuição de dinheiro através de subsídios, planos sociais, ajudas assistencialistas, aumentos salariais e redução de impostos é um dos principais elementos para explicar a vitória de Sergio Massa.

O problema de distribuir dinheiro, sem respaldo, é a aceleração inflacionária. Para ganhar as eleições, Sergio Massa corre o risco de conduzir o país à hiperinflação.

Por outro lado, mantém o valor do dólar artificialmente congelado, mesmo que isso implique impedir importações, bloquear pagamentos ao exterior e quebrar o Banco Central.

Os analistas econômicos preveem uma tensão entre essa política expansiva e a promessa de dolarização de Javier Milei. Traduzindo: corrida cambial. O dólar paralelo vai continuar em aumento, levando turbulência ao mercado.

Para Milei, essa incerteza econômica e a sensação de caos financeiro nos eleitores é um excelente cabo eleitoral e favorece o plano de dolarização da economia.

A consultora Portfolio Personal indica que “as estratégias econômicas de cada candidato vão divergir significativamente”.

“Para Milei é funcional insistir com o seu discurso a favor da dolarização, aumentando a pressão de uma alta do dólar e afetando a percepção dos eleitores sobre o governo. Por sua parte, o candidato e ministro Massa vai tentar diminuir esse impacto aumentando as regulações”, conclui a consultora.

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