NA “ACADEMIA DE DANÇAS” DE EGBERTO BAILAM ERUDITOS, PROGRESSIVOS E INDÍGENAS

De uma geração posterior, Egberto Gismonti, fluminense da cidade do Carmo, nascido numa família de músicos, logo após o desembarque no Festival Internacional da Canção, de 1968, com “O sonho”, tornou-se arranjador e diretor musical da cantora e atriz Marie Laforêt, na França. Lá, teve aulas com Nadia Boulanger, “que tinha sido amiga do Stravisnky, do Debussy”, e com Jean Barraqué, “amigo de Schoenberg e Anton Webern”, como enumerou a Charles Gavin, em entrevista para o programa Som do Vinil, lançada em livro pela Imã Editorial, em 2014. O foco era o LP “Academia de danças”, de 1974, onde os entrelaçamentos da música erudita com a popular, ficam evidenciados pela frequente derrubada de fronteiras, faixa a faixa. Ou melhor, numa única faixa contínua (a despeito da divisão ao meio entre o título central e visionário “Corações futuristas”), com intensas e perturbadoras atmosferas se sucedendo. Tal encadeamento, por acaso, evoca os antigos discos “Feitos para dançar”, do tecladista Waldir Calmon.

Quase uma vinheta, a febril “Scheherazade”, apoia-se no calibrado power trio formado pelo solista ao violão e nos teclados eletrônicos Arp Odissey, mais Luis Alves (baixo) e Robertinho Silva (bateria). É o mesmo sustentáculo progressiva linha Som Imaginário (grupo que acompanhava Milton Nascimento, integrado por Robertinho e Alves) da sequenciada “Continuidade dos parques”. Catapultada do álbum antecessor, “`Água e vinho”, de 1972, mais uma da dupla Gismonti/Carneiro, “Vila Rica 1720” (“cavalo corre na pedra/ em noite de São Pedro de dança mascarada/ as Gerais estão levantadas no meio da madrugada”) ganha releitura épica a altura da cena de época.

Fecham o disco dois temas gêmeos, “Conforme a altura do sol” e “Conforme a altura da lua”, onde o couro come, num free jazz alucinógeno de teclados, baixo e bateria. Ele é pontilhado por flautas de Danilo Caymmi e Paulo Guimarães, e uma flauta indígena soprada por Egberto, já imantado pela música que ouviu no Alto Xingú - num encontro poderoso da vanguarda com nossas origens primais. 

 (Tárik de Souza)