Como algumas bactérias no intestino podem influenciar nosso humor

  • Vicente Andreu Fernández e Elisabet Navarro Tapia
  • The Conversation*
Mulher se queixando de dores no estômago

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Estudos científicos revelaram que o sistema nervoso central e o sistema gastrointestinal estão interligados de tal forma que certas bactérias que ingerimos podem produzir certas substâncias químicas que afetam nosso comportamento

- Doutor, eu não me sinto bem há meses. Tenho ansiedade e dificuldade de concentração.

- E como está o seu intestino?

- Desculpe, mas o que uma coisa tem a ver com a outra?

- Tem muita coisa a ver, vou explicar...

Talvez você já tenha ouvido falar que o nosso cérebro e o nosso intestino estão conectados. O conceito do eixo intestino-cérebro descreve um conceito fisiológico que integra todos os sinais neuronais, endócrinos, nutricionais e imunológicos entre um sistema e outro.

A importância do microbioma para o funcionamento correto do aparelho digestivo já é conhecida. Mas somente agora começamos a descobrir as relações entre o sistema nervoso central e o gastrointestinal.

Certas doenças neurológicas e do comportamento foram associadas ao aumento da permeabilidade intestinal e à entrada de compostos inflamatórios (as chamadas citocinas) e neuromoduladores na corrente sanguínea e, de lá, para o cérebro.

Na verdade, existem bactérias que são capazes de produzir dopamina, serotonina ou norepinefrina, que são fundamentais em processos fisiológicos, de memória, aprendizado e comportamento.

Tudo isso significa que a alteração da microbiota intestinal pode modificar nosso comportamento e foi associada a transtornos do sistema nervoso central, como o autismo, a depressão ou a ansiedade.

Os psicobióticos: o que são e como agem?

O termo psicobiótico foi cunhado em 2013 por um grupo de pesquisadores do Centro Farmacêutico Alimentar de Cork, na Irlanda. Trata-se de um "organismo vivo que, quando ingerido em quantidades adequadas, produz benefícios para a saúde dos pacientes que sofrem de enfermidades psiquiátricas".

Arte que mostra a conexão entre o cérebro e o intestino

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A alteração da microbiota intestinal pode modificar nossa conduta e foi associada a transtornos como o autismo, a depressão ou a ansiedade
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Portanto, os psicobióticos são diferentes dos probióticos porque, devido às suas propriedades, eles influenciam diretamente essa comunicação bidirecional entre o cérebro e o intestino.

Atualmente, esse termo é controverso. Segundo alguns autores, ele deveria ser ampliado para incluir qualquer intervenção que tenha efeito psicológico por meio de mudanças do microbioma intestinal, como o esporte ou a alimentação.

Mas como esses micro-organismos enviam mensagens ao cérebro? Os cientistas defendem três grandes linhas de atuação.

1. Por meio da produção de neurotransmissores (ou seus precursores), que viajariam do intestino até o cérebro através do nervo vago. Curiosamente, quase a metade da dopamina do corpo humano (conhecida como o "hormônio do prazer") é produzida pelos micro-organismos que vivem no nosso intestino.

2. Por meio da modulação do principal sistema de reação neuroendócrina ao estresse: o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal (HPA). Sua desregulagem e inflamação são evidentes em pessoas com depressão, esquizofrenia ou bipolaridade.

O estresse crônico, por exemplo, ativa esse eixo e, no caso de hiperatividade prolongada, pode gerar danos cerebrais causados por inflamação crônica. Os psicobióticos ajudariam a atenuar o HPA e reduzir a neuroinflamação com mediadores e o reforço da barreira intestinal.

Estudos em ratos com estresse crônico confirmam esta hipótese.

3. Por fim, os psicobióticos podem interagir diretamente com o nosso sistema imunológico, produzindo ácidos graxos de cadeia curta. Esses compostos regulam a função de sentinelas cerebrais (a micróglia), que combatem infecções e danos no tecido nervoso.

Mas a sua disfunção, causada por estresse crônico, alimentação ou sono inadequado, pode desencadear neuroinflamações, aumentando a susceptibilidade a futuras doenças neurodegenerativas.

Até que ponto eles são eficazes?

Isso depende de qual psicobiótico escolhemos e qual o problema a ser tratado. Seria um erro pensar que qualquer psicobiótico que tomarmos ajudará a reduzir o estresse, dormir melhor ou melhorar nosso estado de ânimo.

Imagem mostra a bactéria Lactococcus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O uso de bactérias como Lactococcus é comprovadamente benéfico para combater a ansiedade, melhorar a qualidade do sono e reduzir o estresse ou a depressão

Da mesma forma que os probióticos, todo psicobiótico tem nome e sobrenome. Eles fornecem características concretas, um código de números e letras (que chamamos de cepa), que o diferenciam de outros organismos pertencentes à mesma espécie.

Podemos fazer uma analogia com os cães, que pertencem todos à mesma espécie (Canis familiaris), mas existem múltiplas raças (cepas, no nosso caso) com características muito diferentes.

Por isso, não é de se estranhar que possamos encontrar, na literatura científica, resultados contraditórios relativos à eficácia dos psicobióticos em estudos clínicos.

As cepas psicobióticas mais relacionadas com a saúde mental são as pertencentes aos gêneros Lactobacillus, Bifidobacterium, Lactococcus e Streptococcus. Seu uso demonstrou, de forma geral, resultados satisfatórios com relação à ansiedade, qualidade do sono, estresse e depressão.

Mas revisões e meta-análises recentes demonstraram que seus efeitos são mais claros quanto maior o nível inicial de ansiedade ou depressão. De fato, diversos estudos demonstraram que certas cepas não produzem efeitos quando administradas a uma população saudável.

Também é importante destacar que é um erro relacionar maior eficácia com a administração de maior quantidade ou de uma ampla combinação de cepas. Isso ocorre não apenas em patologias como a ansiedade ou a depressão, mas também com outras enfermidades, como a dermatite atópica, a síndrome do intestino irritável ou a enterocolite necrosante.

Um homem com insônia olhando para o seu celular

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Assim como os probióticos, os psicobióticos podem ajudar a combater determinadas doenças ou distúrbios, mas nunca podem substituir uma vida saudável ou consultas ao médico

Por isso, a escolha de um probiótico ou psicobiótico deve ser baseada principalmente nas suas evidências clínicas, não na carga de produto que nos seja oferecida.

O que nos reserva o futuro dos psicobióticos?

Felizmente, estamos começando a elucidar o mecanismo de ação dos psicobióticos. Os estudos sobre a sua eficácia clínica já começam a analisar as razões dos seus efeitos e sua relação com o eixo intestino-cérebro.

Estamos vivendo atualmente o auge deste campo e, como consumidores, estamos ativamente procurando alternativas naturais para manter nossa saúde mental, sobretudo após os transtornos emocionais e de conduta derivados da covid-19.

A busca na internet de probióticos que possam melhorar a ansiedade e o estresse disparou nos últimos anos, mas precisamos ser cautelosos. Esses produtos podem ajudar, mas nunca substituir um estilo de vida saudável, nem o controle por parte de um profissional da área médica.

Como comentamos anteriormente, a eficácia dos psicobióticos depende das suas características, que devem ser colocadas em prova em estudos clínicos. Somente assim poderemos afirmar se eles têm ou não efeito significativo em determinadas populações e compreender seu mecanismo de ação.

* Vicente Andreu Fernández é diretor do Instituto de Pesquisas Biossanitárias da Universidade Internacional de Valência, na Espanha.

Elisabet Navarro Tapia é coordenadora de mestrado em epidemiologia e saúde pública da Universidade Internacional de Valência, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.