De leptospirose a tétano: os riscos à saúde trazidos por enchentes e deslizamentos de terra

  • Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Pés com chinelo no meio da lama

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Desastres causados pelas chuvas podem ter impacto a médio e longo prazo na saúde da população

Uma combinação de mudanças climáticas, falta de planejamento urbano e pouco investimento público para prevenir desastres tem sido refletida em eventos trágicos, como o episódio recente de fortes chuvas que causaram graves deslizamentos de terra e mataram mais de 100 pessoas em Petrópolis, município no Rio de Janeiro.

A cidade vive agora um momento de buscas por pessoas ainda desaparecidas e muitos habitantes perderam suas moradias, dependendo de doações para sobreviver.

Além das consequências imediatas de óbitos, ferimentos e destruição de construções, em médio e longo prazo, episódios como esse também podem gerar impactos graves à saúde. Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil falam sobre os principais riscos para as populações afetadas.

Leptospirose, a 'doença do rato'

"Essas enchentes e deslizamentos de grandes áreas têm capacidade de destruição do sistema de saneamento - caso ele exista na região", aponta Carmen Fróes, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora do tema de exposição à poluentes ambientais.

Com isso, a população pode ter seu sistema de água contaminado por escombros e esgoto, ambos contantndo a possível presença de agentes biológicos nocivos.

"Um risco bastante comum é ter o aumento dos casos da doença chamada leptospirose, causada por um microorganismo presente na urina do rato, e que pode se espalhar em situações como a tragédia que aconteceu em Petrópolis", acrescenta a especialista.

Além do risco de ingestão direta de água contaminada pelo extravasamento do sistema de saneamento, há ainda a possibilidade de que, ao se deslocar de um lugar para outro, a pessoa que tenha qualquer tipo de ferida não cicatrizada — por menor que seja — se contamine por ter contato com a água ou com a lama.

Alguns sintomas da leptospirose são febre alta, dor de cabeça, sangramento, olhos vermelhos, vômitos, dor muscular e calafrios.

Ambiente favorável à arbovirose

Mosquito em rede

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mosquitos são possíveis vetores de doenças e ganham terreno fértil para se reproduzir após enchentes

Alguns dias depois, com o escoamento da água, começam a se formar poças. "O cenário favorece a proliferação de mosquitos como o Aedes aegypti e Aedes albopictus, que transmitem dengue e chikungunya", explica a pesquisadora Nelzair Vianna, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) na Bahia.

A depender da proliferação dos mosquitos, grande parte da comunidade pode ser infectada, o que se tornaria um problema especialmente pela falta de assistência à saúde que o desastre já provoca.

Contaminação da água também pode causar diarreia bacteriana, febre tifoide e hepatite

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Sem o controle dos órgãos públicos e concessionária, a água potável que passaria por tratamento é oferecida com contaminação por esgoto, aumentando as chances de quadros associados às precárias condições de saneamento básico.

"A hepatite A, por exemplo, é transmitida pela ingestão de partículas de fezes contaminadas", explica a pesquisadora da Fiocruz. Os sintomas incluem fadiga, náuseas, dor abdominal, perda de apetite e febre baixa.

Já no caso de febre tifoide, a doença é causada pela ingestão de alimentos e de água contaminados pela bactéria Salmonella.

"É uma doença que é endêmica no país, mas ela pode ser epidêmica em situações de grandes desastres como as enchentes, e nesse caso, a capacidade de resposta do sistema de saúde não consegue atender a todos", esclarece Núbia Cruz, mestre em saúde pública e integrante do Projeto Manuelzão, uma ramificação do Internato Rural da Faculdade de Medicina da UFMG (Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais) que estuda questões ambientais.

Além dessas, diarreias também podem ser causadas por uma variada gama de bactérias diferentes, e o infectado precisa repor a água e alimentos perdidos nas fezes para mitigar os danos.

Risco de tétano também aumenta

O tétano é uma infecção causada pela bactéria Clostridium tetani, que é geralmente encontrada no solo, na poeira e em fezes de animais, e acessa o organismo através de ferimentos ou lesões de pele.

"Pelas imagens feitas nos últimos dias em Petrópolis, vemos muitas pessoas sem proteção mexendo nos escombros, o que aumenta o risco de contaminação", indica a professora da UFRJ.

Exposição a resíduos químicos

Local de rompimento de barragem em Brumadinho

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Carmen Fróes usa como exemplo o que ocorreu em Brumadinho em 2019: depois do rompimento de barragem, resíduos tóxicos são espalhados por enchentes

A depender do local onde a tragédia ocorre e quais substâncias estão presentes ali, outras comunidades também podem acabar sendo afetadas.

"Em Brumadinho, Minas Gerais, o que aconteceu em 2019 foi o rompimento da barragem de mineração. Os resíduos do desastre ficaram no rio, e quando há uma enchente, são levados para o solo e contaminando áreas ao redor", diz Fróes, acrescentando que, se o desastre ocorre em uma área cheia de agrotóxicos, essas substâncias podem acabar chegando até comunidades próximas.

Os riscos dependem do tipo de substância, mas, no caso de agrotóxicos, vão desde sintomas agudos como dor de cabeça, esquecimento e insônia, até quadros crônicos, incluindo problemas respiratórios graves, alteração do funcionamento do fígado e dos rins, malformação e problemas no desenvolvimento intelectual e físico das crianças e risco aumentado para câncer (em determinados grupos de produtos).

Impacto emocional

Outro fator importante e que deve ser considerado parte do impacto à saúde é o sofrimento emocional que as pessoas das comunidades afetadas passam.

"Imagine acordar de manhã em um lugar e de noite ele não existir mais. E o que foi embora não são só casas, mas toda uma comunidade que já estava bem estruturada. Vimos isso acontecer em outros locais como Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e provavelmente vai ocorrer de novo. Ocasionalmente há unidades que não é possível reconstruir", diz Fróes.

Depois desses eventos extremos, as especialistas consultadas pela BBC News Brasil apontam que é essencial que as autoridades desenvolvam programas que ajudem na adaptação e tratamento no âmbito emocional.

"Entre os quadros frequentes nesses sobreviventes vemos estresse pós-traumático, distúrbios do sono, pesadelos e memórias repetidas, dificuldade de concentração, raiva, ansiedade, pânico e depressão. Esses sentimentos pode levar ao abuso de medicamentos, álcool e outras drogas, e esse sofrimento psíquico, geralmente negligenciado inclusive por nós da área da saúde, não pode ser ignorado", alerta Núbia Cruz.

Idoso na penumbra

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Depois de eventos extremos, governos devem desenvolver programas que ajudem na adaptação e tratamento no âmbito emocional, dizem especialistas

Idosos, crianças e gestantes são os mais vulneráveis

Esses grupos têm menor capacidade de defesa do organismo. "As crianças por que essa o sistema imunológico ainda está em formação, especialmente para as menores de seis anos, os idosos porque naturalmente pelo processo de envelhecimento a capacidade de defesa diminui, e as gestantes principalmente por conta do feto que é naturalmente frágil."

O que a sociedade pode fazer?

Usar colchões, roupas e outros itens sujos, afetados pela tragédia, pode aumentar ainda mais os riscos de doenças. Neste momento, muitos dos sobreviventes dependem de doações externas para tudo - desde itens de higiene até água e alimentos, que podem ser enviadas por meio de instituições sem fins lucrativos.

"Como sociedade, nos mobilizamos para ajudar logo após a tragédia, o que é ótimo, as doações são essenciais... Mas também temos que pensar em longo prazo. Um acompanhamento das autoridades a médio e longo prazo é necessário, já que as questões dos afetados não se resolvem em seis meses", aponta a pesquisadora da UFRJ.

"Além de perder vidas, as pessoas perderam seus trabalhos, suas moradias, e políticas públicas focadas especificamente nessas questões precisam ser estabelecidas com urgência para que de fato ocorra uma mudança", conclui Núbia Cruz.

Línea

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