Negociador-chefe do Brasil na COP 26 admite mais desmatamento e emissões: 'Queremos corrigir isso'

Retrato de Paulino Franco de Carvalho Neto sorrindo, em sala sofisticada

Crédito, Divulgação/MRE

Legenda da foto, 'Reconhecemos que temos que enfrentar o desafio do desmatamento ilegal', diz o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto
  • Author, Nathalia Passarinho
  • Role, Enviada da BBC News Brasil a Glasgow

Responsável por chefiar as negociações do Brasil na COP26, a conferência sobre mudanças climáticas das Nações Unidas, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto disse em entrevista à BBC News Brasil que o governo fez uma "reflexão cuidadosa" sobre sua política ambiental e resolveu "corrigir" rumos.

Num claro contraste com a visão adotada nos três primeiros anos de governo do presidente Jair Bolsonaro, que levou a recordes de emissões e destruição florestal, o Brasil resolveu aderir a compromissos na COP26 que incluem zerar desmatamento ilegal, financiar povos indígenas e reduzir emissões de metano na agropecuária.

"Houve dentro do governo uma reflexão cuidadosa sobre o tema e chegamos à conclusão de que deveríamos nos engajar mais", disse Carvalho Neto, que é secretário de Assuntos Políticos Multilaterais. "Reconhecemos que temos que enfrentar o desafio do desmatamento ilegal."

O presidente Jair Bolsonaro não compareceu à COP26, mas, diferentemente do que ocorreu na conferência anterior sobre clima, ele defendeu mais "ambições" nas metas climáticas brasileiras, num discurso gravado que foi transmitido durante a cúpula do clima. O Brasil assumiu o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028 e cortar em 50% as emissões de gases poluentes até 2030.

Mas ambientalistas e povos indígenas receberam com ceticismo essas promessas, já que o governo Bolsonaro tem apoiado no Congresso Nacional projetos de lei que regularizam áreas desmatadas e reduzem territórios indígenas — medidas que vão na contramão das novas metas anunciadas.

Além disso, todos os indicadores ambientais pioraram acentuadamente nos primeiros dois anos de gestão do presidente. Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o maior em 12 anos; o volume de emissões de gases poluentes foi o maior em 14 anos e o número de focos de incêndio foi o maior em dez anos.

Questionado sobre esses dados, o embaixador disse que há vontade do governo em "corrigir" o que aconteceu. "Ninguém discute esses números. Houve realmente isso. Houve um aumento das nossas emissões, basicamente pelo aumento no desmatamento", disse.

"O que nós queremos fazer agora é corrigir isso. Olhar com muita seriedade, envolver recursos no combate ao desmatamento, aumentar os recursos, sejam nacionais ou internacionais."

Segundo Paulino Franco de Carvalho Neto, pressões da sociedade civil, exportadores e setores econômicos do Brasil influenciaram a mudança de discurso do governo sobre temas ambientais durante a COP26. "O engajamento do Brasil é necessário para acordos comerciais importantes, como o do Mercosul com a União Europeia."

Leia a íntegra da entrevista.

BBC News Brasil: O que a participação do Brasil no Acordo sobre Florestas e no compromisso de redução de metano indica sobre o rumo da política ambiental do governo? Vai mudar?

Paulino Franco de Carvalho Neto: Eles são significativos do nosso novo engajamento, renovado engajamento, nos temas ambientais, especificamente no de mudanças climáticas. Não somente porque nos juntamos ao compromisso global sobre metano e a declaração sobre florestas, mas também porque no primeiro dia da conferência, dia 1º de novembro, oficializamos nossa meta de neutralidade para 2050, que antes era 2060.

Anunciamos que vamos submeter uma nova NDC [sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, um documento que registra os principais compromissos ambientais do governo], na qual diremos que o Brasil quer reduzir emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030. O Ministério do Meio Ambiente também lançou um plano com a antecipação do fim do desmatamento ilegal de 2030 para 2028.

Madeiras

Crédito, REUTERS/Adriano Machado

Legenda da foto, Durante a COP26, Brasil se comprometeu com o Acordo sobre Florestas

BBC News Brasil: É uma postura diferente da COP anterior e que aparentemente contrasta com a política ambiental do governo. Mas há realmente uma mudança de posição do governo sobre a necessidade de proteger a Floresta Amazônica e adotar medidas concretas contra as mudanças climáticas?

Carvalho Neto - Sem dúvida. Houve dentro do governo uma reflexão cuidadosa sobre o tema e chegamos à conclusão de que deveríamos nos engajar mais, mostrar o que nós já fazíamos e que ficou, de certa maneira, pouco clara na COP de Madrid em 2019. Estamos engajados nesse processo. Reconhecemos que temos que enfrentar o desafio do desmatamento ilegal e temos plena consciência de que se o Brasil superar esses desafios poderemos cobrar de outros países que, também, cumpram as suas metas. Afinal, o Brasil é responsável por um percentual pequeno das consequências decorrentes da mudança do clima.

Há países com responsabilidade maior, com emissões acumuladas de gases do efeito estufa infinitamente superiores às do Brasil. Eles têm reponsabilidade maior que o Brasil. Mas não se trata de apontar culpas de um ou de outro. O Brasil aceita esse desafio, quer participar desse processo da convenção do clima em Glasgow, do Acordo de Paris. E outros países também, nós entendemos, que devam fazer isso com o mesmo empenho.

BBC News Brasil: Mas nos últimos dois anos o Brasil teve piora significativa em todos os indicadores ambientais. O desmatamento na Amazônia foi o pior em 12 anos, as emissões de gases do efeito estufa foram as maiores desde 2006 e o número de queimadas foi o maior em mais de 10 anos. Como está sendoentrar na mesa de negociações com essa imagem para o Brasil?

Carvalho Neto: Ninguém discute esses números. Houve realmente isso. Houve um aumento das nossas emissões, basicamente pelo aumento no desmatamento. O que nós queremos fazer agora é corrigir isso. Olhar com muita seriedade, envolver recursos no combate ao desmatamento, aumentar os recursos, sejam nacionais ou internacionais. É uma dificuldade que nós temos. Os países desenvolvidos também têm dificuldade em alterar seus padrões de produção, seus padrões de consumo, que não são de modo geral renováveis.

gráfico desmatamento

BBC News Brasil: De volta ao Brasil, haverá adoção de políticas concretas para viabilizar essas metas? Há diversos projetos de lei, apoiados pelo governo, que vão na contramão dessas medidas.

Carvalho Neto: Sem dúvida (haverá adoção de medidas para alcançar a meta). Há movimentação nesse sentido. Não só do governo, mas de setor privado, da sociedade civil, que confluem na mesma direção. Quanto a isso não tenha a menor dúvida. Vamos apresentar no início do ano que vem um projeto de lei que trará uma nova política de mudança do clima, que substituirá a de 2009, feita antes do Acordo de Paris.

Vamos torná-la mais detalhada para que internamente, no plano nacional, possamos, de acordo com a lei brasileira, atingir esses objetivos. Isso será também uma cobrança da sociedade. O Congresso Nacional cobrará do governo isso. E o próprio governo cobrará de si mesmo o cumprimento dessas metas.

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BBC News Brasil: Para o final das negociações, que continuam essa semana, que pontos o Brasil tenta alcançar?

Carvalho Neto:Um dos temas mais importantes aqui é financiamento dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Esse foi um compromisso assumido pelos países desenvolvidos em 2009, quando houve uma decisão da convenção do clima de que haveria uma meta de financiamento de US$ 100 bilhões (R$ 560 bilhões) por ano aos países em desenvolvimento, seja para cumprir desafios de mitigação, como de adaptação.

Infelizmente essa meta não foi cumprida. Teremos que saber como isso será feito pelos países desenvolvidos. E é fundamental que nesta COP eles digam qual o efetivo grau de engajamento deles nisso e que a partir de 2025, quando teremos novo período de financiamento, esse valor possa ainda aumentar mais e que esses recursos possam ser canalizados para os países de menor desenvolvimento relativo.

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BBC News Brasil: Há informações de que só em 2023 a meta de US$ 100 bilhõesseria alcançada. É isso mesmo?

Carvalho Neto: É o que temos ouvido, mas são conversas de corredor. As negociações ainda estão em alto mato. Esperamos que cheguem a um bom termo. Mas ainda é cedo para chegar a conclusões sobre como vão terminar, seja no tocante a financiamento seja no que diz respeito ao artigo sexto [do Acordo de Paris], sobre regulação do mercado de carbono, que é um tema de interesse do Brasil. Estamos esperançosos de que, com relação ao artigo sexto, possamos chegar a soluções.

O Brasil está sendo construtivo. Mas para mantermos a postura construtiva precisamos que os outros países também mantenham a postura construtiva.

BBC News Brasil: Existe a possibilidade de aproveitar créditos gerados na época do Protocolo de Kyoto, que o Brasil ainda não recebeu e que perderiam validade agora?

Carvalho Neto: Sim, é uma possibilidade, ainda que parcialmente. Essas conversas estão em curso. Nós recebemos muitos créditos no âmbito do Protocolo de Kyoto e é natural que queiramos uma solução satisfatória. Estamos engajados nisso também.

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