Como a guerra entre o governo da Colômbia e as Farc começou e por que ela durou mais de 50 anos
- Natalio Cosoy
- BBC Mundo, Bogotá
![População aponta causas como a desigualdade e o desemprego para a violência na Colômbia.](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/140B/production/_90913150_9c549127-da41-4518-b2ac-5134ef7aa69c.jpg.webp)
Crédito, AP
O conflito interno na Colômbia entre as forças do governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) tem causado estragos no país há mais de meio século.
Os números dizem tudo: mais de 260.000 mortos, dezenas de milhares de desaparecidos, quase sete milhões de pessoas que tiveram de deixar suas casas à força, estupros, seqüestros e inúmeras vidas marcadas para sempre.
Nesta quarta-feira, representantes dos dois lados anunciaram que chegaram a um acordo de paz "integral e definitivo". O anúncio foi transmitido ao vivo de Cuba. Lá, o negociador Rodolfo Benítez, membro da equipe do governo colombiano, disse que a execução do acordo final porá "fim a um conflito armado de mais de 50 anos".
Mas como começou essa guerra interna, a mais antiga do Hemisfério Ocidental? Quem é quem no conflito? Porque há guerra na Colômbia, uma das democracias mais estáveis da América Latina?
Conheça a seguir as respostas para essas perguntas.
Quais são as causas da guerra?
Quando perguntados sobre as causas do conflito, muitos colombianos respondem: falta de emprego e de oportunidades; desigualdade, concentração da riqueza, injustiça social; falta de tolerância, indiferença; corrupção.
![Juan Manuel Santos, Raúl Castro e Timochenko](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/622B/production/_90913152_5988f1b5-8616-49b1-aec8-54d01a565d70.jpg.webp)
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Apesar de suas riquezas naturais, a Colômbia é um dos países mais desiguais do mundo, o terceiro depois de Haiti e Honduras no continente americano.
"O conflito na Colômbia é diferente de outras guerras civis no mundo que geralmente têm razões étnicas, econômicas ou religiosas claras", argumenta Stephen Ferry em seu livro "Violentologia".
É até difícil para os colombianos definir a natureza do conflito, acrescenta Ferry, citando diferentes explicações: um negócio bélico lucrativo que se perpetua influenciado pelo tráfico de drogas; "um ciclo de retaliação pelas atrocidades cometidas no passado"; uma guerra de classes de camponeses revolucionários contra um sistema corrupto.
E de acordo com Alvaro Villarraga, do Centro Nacional de Memória Histórica, há três elementos que estão na raiz do conflito: a tendência a usar a violência no poder e na política, a falta de resolução sobre a questão da propriedade da terra no campo e a falta de garantias para a pluralidade e exercício da política.
Quais são as origens da guerra?
Os conflitos colombianos podem ser rastreados desde o tempo colonial.
No entanto, é importante ressaltar que, do século 19 até o início do século 20, houve níveis intensos de violência fratricida que marcaram o futuro da Colômbia.
![Tropa das FARC](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/B04B/production/_90913154_b640ff96-bfc4-4cc1-b7ea-d974cb6535b1.jpg.webp)
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Era um enfrentamento entre partidários liberais e conservadores, uma relação de forças que alimentaria todos os conflitos do país depois disso.
A expressão mais profunda do confronto conservador-liberal ocorreu a partir de 1948, com o assassinato do popular candidato liberal Jorge Eliecer Gaitan.
Em todo país começaram confrontos violentos, num primeiro momento em Bogotá, mas logo se tornaram principalmente rurais.
Este período, que durou até o final dos anos 50, recebeu o nome simples de "A Violência". Ele também deixou mais de 200.000 mortos.
Como é que a guerra com as Farc começou?
"Zonas de guerrilha eram imaginadas ou representadas como áreas de domínio da liberdade", diz o historiador Gonzalo Sanchez.
Em Marquetalia, havia se constituído uma espécie de "república independente", formada por cerca de 50 homens que lutaram durante "A Violência" com suas famílias.
À frente deste grupo estava Manuel Marulanda Vélez, um combatente treinado nas guerrilhas liberais dos anos 50, que se tornou o primeiro chefe das Farc.
Depois de ser derrotado, Marulanda fundou um grupo guerrilheiro chamado Bloco Sul, que em 1966, finalmente, adotou o nome Farc.
Mas as Farc não foram apenas um produto da história colombiana, mas também do que estava acontecendo no mundo: surgem no contexto das lutas de libertação da América Latina, alimentadas pela tensão EUA-União Soviética na Guerra Fria. Eles são um grupo guerrilheiro comunista, marxista-leninista de inspiração.
E não são as únicas organizações comunistas de guerrilha nascidas a partir dessa época.
![Tropa das FARC](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/FE6B/production/_90913156_cc0cd173-312a-411a-ab20-fa8a4e6b15cb.jpg.webp)
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Quase simultaneamente é formado o Exército de Libertação Nacional (ELN), inspirado pela Revolução Cubana, que treinou seus líderes, e hoje continua a lutar com o governo. Mais tarde surgem o Exército Popular de Libertação, o M19 (mais urbano) e outras guerrilhas, que já foram desmobilizadas.
Escalada do conflito
Apenas no início dos anos 80, as Farc decidiram que teriam como objetivo tomar o poder, quando passaram a se chamar Farc-EP (Exército do Povo).
No final daquela década, a ascensão de grupos paramilitares de direita, encorajados por setores das Forças Armadas e alguns proprietários de terras, empresários e políticos, assim como traficantes de drogas, aprofundou a violência do confronto armado.
Nessa mesma época começa a haver cada vez mais influência do narcotráfico no conflito armado colombiano, do qual se servem tantos os grupos paramilitares, como os guerrilheiros.
Em 2000, os Estados Unidos começaram a prestar assistência técnica e econômica na luta contra-insurgente e antidroga, no âmbito do Plano Colômbia, investindo cerca de US$ 10 bilhões no país ao longo de 15 anos.
Isso permitiu a modernização das Forças Armadas e da Polícia, que agora somam cerca de meio milhão de soldados.
Também em 2000, as Farc atingiram sua maior capacidade militar, com cerca de 20.000 homens.
![Militares](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/221B/production/_90913780_32fb97bc-ad6f-444b-954c-7e8becfa6c80.jpg.webp)
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Os anos seguintes viram uma sucessão de acontecimentos dramáticos, com métodos mais violentos de guerra, incluindo sequestro por grupos paramilitares, que cometeram vários massacres e violações dos direitos humanos, tanto por parte da guerrilha como de forças estatais.
Consequentemente, a maioria dos mortos no conflito são civis.
Por que o conflito com as FARC chega ao fim agora?
Esta não é a primeira vez que se busca a paz entre o governo e as Farc.
Em 1984, houve uma primeira tentativa, quando parte das Farc se juntou a um partido político, a União Patriótica, cujos membros foram alvo de esquadrões de extrema direita e milhares foram mortos.
Houve novas tentativas em 1991 e 1998, que falharam por diversas razões.
Durante os governos do presidente Álvaro Uribe (2002-2010) houve uma grande ofensiva contra as Farc, que incluiu bombardeios a acampamentos rebeldes, e isso se intensificou durante a administração de seu sucessor e atual presidente Juan Manuel Santos.
Nos ataques do governo as forças de guerrilha foram dizimadas e os maiores líderes foram mortos (não Manuel Marulanda, que morreu de velhice em um acampamento).
![Ativistas na Colõmbia](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/703B/production/_90913782_39a28e4b-59d7-4286-8d05-afa3733ac15c.jpg.webp)
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Hoje estima-se que as Farc tenham cerca de 7.000 homens.
Há o argumento de que esse enfraquecimento colocou os rebeldes em uma posição onde era mais razoável negociar.
Mas também há um contra-argumento: que, depois de mais de uma década de ofensiva militar, as forças do governo não conseguiram derrotar as Farc e também é razoável pensar em negociar.
De qualquer forma, em novembro de 2012, começaram as conversações em Havana entre os líderes da guerrilha e os do governo de Juan Manuel Santos.
Paz definitiva?
Os acordos de Havana com as Farc são essenciais para alcançar uma paz estável e duradoura na Colômbia, mas não são suficientes.
Por um lado, o ELN segue ativo e, embora tenha havido progressos em negociações com a guerrilha, o processo ainda não começou.
Além disso, grupos paramilitares desmobilizados em meados da década passada ainda não entregaram as armas completamente. Muitos de seus membros se uniram no que o governo chama de hoje grupos armados organizados, entidades criminosas capazes de controle territorial em certas partes do país e de alto poder de fogo.
![Ativistas na Colõmbia](https://ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/BE5B/production/_90913784_a271e8d4-843f-42b9-aeb2-6a1fc1a63db9.jpg.webp)
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Esses grupos estão envolvidos em extorsão, tráfico de drogas, tráfico humano e mineração ilegal, entre outras atividades, e representam uma séria ameaça para a paz.
Mais do que isso, ativistas sociais e defensores dos direitos humanos dizem que grupos paramilitares continuam operando na Colômbia com objetivo de aterrorizar a população e silenciar membros ativos das comunidades.
Finalmente, muitos acreditam que uma paz sólida na Colômbia só pode ser alcançada quando as causas profundas do conflito forem resolvidas.
Como dissemos no início: a falta de empregos e oportunidades; a desigualdade, a concentração da riqueza; a injustiça social; falta de tolerância, a indiferença; corrupção.
Talvez o acordo com as Farc abra uma oportunidade para começar a resolvê-los de uma vez por todas.