Por que Rússia condenou viúva de opositor de Putin morto em condições suspeitas

Mulher branca e loira de meia idade com roupas pretas

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Yulia Navalnaya é viúva de Alexei Navalny
  • Author, André Rhoden-Paul
  • Role, Da BBC News

Um tribunal de Moscou emitiu um mandado de prisão para a viúva do líder da oposição russa Alexei Navalny, Yulia Navalnaya, sob a acusação de "extremismo", segundo a imprensa estatal.

O tribunal de Moscou que condenou Navalnaya determinou que ela deveria ser detida sob custódia e a declarou como procurada.

A decisão significa que ela poderá ser presa se pisar na Rússia.

As acusações podem estar ligadas a uma decisão judicial de Moscou, em junho de 2021, que proibiu três organizações ligadas a Navalny, rotulando-as de “extremistas”.

Alexei Navalny era um dos principais líderes da oposição contra o presidente Vladmir Putin até morrer, em fevereiro de 2024, em condições suspeitas em uma prisão no Círculo Polar Ártico.

Conhecido por ser o crítico mais veemente do presidente Vladimir Putin, Navalny, que tinha 47 anos, cumpria uma pena de 19 anos por condenações consideradas por boa parte da comunidade internacional como sendo por motivação política.

Agora as autoridades russas se voltam contra sua viúva Yulia Navalnaya, que vive fora da Rússia. Segundo a agência de notícias Tass, ligada ao governo, as acusações contra ela seriam uma suposta “participação numa sociedade extremista".

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Após a morte do marido, Yulia Navalnaya havia acusado o governo russo de deixar Navalny passar fome, de ter torturado e matado o seu marido.

Respondendo ao mandado de prisão contra ela, Yulia Navalnaya postou na rede social X, o antigo Twitter, pedindo que não se esqueçam de escrever "o principal: Vladimir Putin é um assassino e um criminoso de guerra".

"Seu lugar é na prisão. E não em uma prisão de [acordo com as regras do Tribunal Internacional de] Haia, em uma cela aconchegante com TV, mas na Rússia — na mesma colônia e na mesma cela de dois por três metros em que ele matou Alexei", escreveu a viúva, que prometeu continuar o trabalho do marido.

Navalny morreu em fevereiro de 2024 em uma prisão no Círculo Polar Ártico. As autoridades da prisão afirmaram que a causa foi uma "morte súbita".

Navalnaya já não havia podido comparecer ao funeral do marido por receio de ser presa.

Desde então, ela se encontrou com vários líderes ocidentais, incluindo o presidente dos EUA, Joe Biden.

Este mês, ela foi eleita para presidir a Fundação dos Direitos Humanos, sediada nos EUA — uma organização sem fins lucrativos que trabalha para promover e proteger os direitos humanos em todo o mundo.

Ela disse que usaria seu papel para intensificar a luta que seu marido travou contra Putin.

Homem branco em frente a câmeras e reporteres

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Alexei Navalny era o líder da oposição mais famoso da Rússia nos últimos tempos

A importância de Nalvany

Navalny foi o líder da oposição mais importante da Rússia na última década.

As autoridades russas disseram que ele morreu de causas naturais – mas sua viúva disse que Navalny passou fome e foi “torturado, isolado e morto” pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Navalny cumpria pena de 19 anos por acusações de extremismo que eram amplamente vistas como tendo motivação política.

Ele ficou conhecido internacionalmente ao expor a corrupção do governo, rotulando o partido Rússia Unida, de Putin, como "o partido dos vigaristas e ladrões".

Ao longo de sua vida, ela cumpriu várias penas de prisão e tinha milhões de seguidores nas suas redes sociais.

Em 2011, ele foi detido e encarcerado por 15 dias após protestos contra suposta fraude eleitoral do partido Rússia Unida nas eleições parlamentares.

Navalny foi brevemente preso em julho de 2013 sob a acusação de peculato (apropriação de bens públicos), mas ele disse que a sentença era uma condenação política.

Ele tentou concorrer a presidente da Rússia em 2018, mas foi barrado por causa de condenações anteriores por fraude em um caso que ele novamente disse ter motivação política.

Navalny foi condenado a 30 dias de prisão em julho de 2019, após convocar protestos não autorizados.

Quando estava na prisão, ele adoeceu. Os médicos o diagnosticaram com "dermatite de contato", mas ele disse que nunca teve nenhuma reação alérgica aguda e seu próprio médico sugeriu que ele pode ter sido exposto a "algum agente tóxico".

Navalny disse na ocasião que podia ter sido envenenado.

Ele também sofreu uma grave queimadura química no olho direito em 2017, depois de ter sido atacado com uma substância nociva.

Em 2019, sua Fundação Anticorrupção foi oficialmente declarada um "agente estrangeiro", permitindo que as autoridades a submetessem a maiores controles estatais.

Em agosto de 2020, Navalny passou mal durante um voo da Sibéria para Moscou, e o avião precisou fazer um pouso de emergência na cidade de Omsk, onde foi levado às pressas para a UTI.

Depois, após negociações de alto nível com as autoridades russas, ele foi transportado de avião para Berlim e tratado lá enquanto era mantido em coma induzido.

O governo alemão disse que Navalny havia sido envenenado por uma sofisticada substância conhecida como Novichok, o que deu ainda mais atenção ao caso, ao reforçar suspeitas de que o Estado russo estivesse por trás do envenenamento. O Kremlin sempre negou essas acusações.

Conhecidas como agentes neurotóxicos, essas substâncias são usadas em pó ou em forma líquida. E são tão perigosas que só podem ser fabricadas em laboratórios avançados, que são em grande maioria de propriedade de governos, ou controlados por eles.

Inicialmente, acreditava-se que o envenenamento teria ocorrido por meio do chá que Navalny bebeu naquele dia.

No entanto, depois que se recuperou, ele rastreou os indivíduos que acreditava terem participado do atentado.

Passando-se por uma autoridade da área de segurança, Navalny conseguiu enganar um especialista em armas que teria admitido que o caso foi mesmo de envenenamento.

A maior parte do agente químico teria sido plantada na cueca dele. O governo russo negou novamente as acusações.

Ainda na Alemanha, Navalny relatou que sentiu calafrios inicialmente e nenhuma dor.

"Não dói nada, não é como um ataque de pânico ou algum tipo de transtorno. No começo você sabe que algo está errado, e em seguida seu único pensamento passa a ser: 'É isso, vou morrer.'"

Em janeiro de 2021, Navalny voltou para a Rússia, pela primeira vez desde que havia sido envenenado, e foi detido logo após desembarcar em Moscou.

O motivo é que ele teria violado condições de uma sentença de liberdade de anos atrás.

Em seguida, um tribunal de Moscou sentenciou Navalny a três anos e meio de prisão por violar as condições de uma pena suspensa, ao não se apresentar regularmente para autoridade penitenciárias.

A prisão de Navalny gerou uma onda de protestos pela sua libertação e contra o Kremlin. Milhares de pessoas protestaram em toda a Rússia, apesar da forte presença policial. Houve cenas violentas em Moscou.

A sentença foi condenada pela União Europeia, Estados Unidos e Reino Unido, que pediram que o líder da oposição fosse imediatamente libertado.

Depois de sua prisão, Navalny acusou Putin de ter usado recursos ilícitos para construir uma extravagante mansão no Mar Negro — avaliada em R$ 7,2 bilhões e 39 vezes o tamanho do principado de Mônaco.

Um vídeo produzido por Navalny sobre o suposto palacete de Putin foi visto mais de 100 milhões de vezes nas redes sociais.

Mansão gigantesca em meio a floresta e próximo ao mar

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Segundo Navalny, propriedade de 70.000.000 m² de Putin foi paga com 'maior suborno da história'

Tratamento duro

Depois de Navalny ter sido condenado à prisão em fevereiro de 2021, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que ele deveria ser libertado imediatamente porque sua vida corria risco. Mas a Rússia rejeitou a decisão.

Ele entrou em greve de fome, protestando contra o fato de as autoridades da colônia penal se recusarem a dar-lhe tratamento adequado para problemas nas pernas e nas costas.

A Anistia Internacional chegou o revogar o status de prisioneiro político de Navalny.

A organização depois voltou atrás e admitiu que tinha sido sujeita a uma "campanha orquestrada".

Na época, surgiram vídeos em que Navalny fazia comentários xenófobos e que nunca chegaram a ser desmentidos.

Em vídeos de 2007, ele parecia comparar conflitos étnicos a cáries dentárias e comparar imigrantes a baratas.

Ele também disse que a Península da Crimeia "pertence à Rússia", apesar da condenação internacional da anexação do território ucraniano pela Rússia em 2014.

Enquanto isso, o governo russo continuou sua campanha contra Navalny.

Em junho de 2022, os seus apoiadores descobriram que ele já não estava na prisão original onde deveria cumprir a pena.

As autoridades prisionais federais admitiram mais tarde que ele tinha sido transferido para uma colônia penal com uma reputação difícil, a prisão IK-6, a mais de 249 quilômetros a leste de Moscou, onde ele teria sido colocado repetidamente em confinamento solitário.

A última sentença de agosto de 2023 estendeu a sua pena de prisão para 19 anos e o transferiu para uma colônia penal de segurança máxima normalmente reservada aos criminosos mais perigosos da Rússia.

Esse tratamento duro era evidência de que Putin e o seu governo temiam a influência que as campanhas de Navalny vinham ganhando, disse a professora Nina Khrushcheva, bisneta do ex-líder soviético Nikita Khrushchev.

"Putin nem sequer menciona o nome dele, ninguém no Kremlin pode mencionar o nome dele", disse ela, em entrevista para a BBC antes da morte de Navalny.

“Navalny é uma ameaça ao poder pessoal de Putin, à reputação pessoal de Putin. E Putin realmente não trata seus inimigos com mão leve.”

Apesar de estar preso, Navalny tornou-se uma das principais vozes internas contra a guerra na Ucrânia.

Durante uma audiência no tribunal em maio de 2022, ele acusou Putin de iniciar uma “guerra estúpida” sem “nenhum propósito ou significado”.

Em setembro, em artigo para o jornal americano Washington Post, acusou as elites russas de terem uma “obsessão sanguinária com a Ucrânia”.

A sua fundação também se manifestou contra a mobilização de cerca de 300 mil civis para lutar na Ucrânia.