Independente ou 'fantoche'? O desafio da futura presidente do México de se diferenciar de AMLO

Claudia Sheinbaum e AMLO

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Claudia Sheinbaum apresentou um plano que segue os parâmetros do governo AMLO, mas com mais ênfase em questões que lhe interessam, como mudanças climáticas e transição energética.
  • Author, Daniel Pardo
  • Role, Da BBC Mundo no México

Durante a pandemia de covid-19, falou-se muito no México sobre o uso de máscaras faciais para evitar o contágio, já que o presidente Andrés Manuel López Obrador se recusou a colocá-las, enquanto sua aliada e então prefeita da Cidade do México - e agora vencedora das eleições presidenciais - Claudia Sheinbaum, utilizou-as.

Ela, com uma mente científica, levou-as para todo o lado; quase sempre de tecido, com estampa de flores. Ele, por outro lado, parecia estar sem máscara, em parte por ceticismo, em parte porque sofreu uma infecção precoce e já se acreditava imune.

E eles posaram na mesma foto. E os mexicanos se perguntaram se haveria uma ruptura.

Mas a chefe do governo da capital foi clara: "Eles não vão encontrar confronto entre o presidente e eu, nunca".

"Podemos concordar ou não com o uso de máscaras, mas fazemos parte do mesmo projeto de transformação; haverá coisas que ele pensa de uma forma e eu penso de outra, mas concordamos com o projeto de transformação do país".

As diferenças e semelhanças entre Claudia e AMLO, como os dois são conhecidos no México, têm sido tema recorrente nos últimos anos, principalmente depois que ficou claro – após uma acirrada disputa interna – que ela seria a candidata do partido governista.

Muitos afirmam que são iguais: que ela é uma "sombra", um "peão", do presidente popular e carismático. Outros, porém, destacam que, desde suas origens até seus pensamentos políticos, são diametralmente diferentes.

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Um dos slogans proeminentes da campanha de Sheinbaum era "continuidade com sua própria marca".

A candidata ofereceu um plano que segue os parâmetros do governo AMLO, mas com mais ênfase em questões que lhe interessam: mudanças climáticas e transição energética, por exemplo.

Sheinbaum recebe uma economia estável, uma situação de insegurança crítica e um ambiente de polarização na mídia e no mundo político. Embora AMLO tenha dito que vai se aposentar, alguns duvidam que ele pare de dar ordens.

"Vou governar com os mesmos princípios e teremos os nossos próprios objetivos", disse Sheinbaum numa entrevista recente à BBC.

Ninguém pode dizer com certeza como será o relacionamento dos dois agora. Talvez nem eles. A julgar pela gestão da pandemia, pela hierarquia presidencial e pelo seu perfil tecnocrático, Sheinbaum provavelmente terá autonomia.

"Há uma tensão óbvia porque são diferentes", diz Arturo Cano, jornalista e biógrafo da presidente eleita. "Mas eles compartilham um projeto e ela vai decidir aos poucos que estilo vai impor ao seu mandato".

Enquanto o tempo decide como será o relacionamento, listamos abaixo o que exatamente diferencia e assemelha a presidente eleita do México de seu antecessor.

AMLO e Sheinbaum

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Legenda da foto, Muitos viram nesta foto uma metáfora do rompimento entre Sheinbaum e AMLO, mas foi apenas uma evidência de que são diferentes.

No que se parecem

Como sugere a declaração de Sheinbaum sobre o episódio da máscara, a grande coincidência entre eles é o apego à chamada Quarta Transformação, projeto que visa reduzir a pobreza e a desigualdade e gerar desenvolvimento nas regiões mais abandonadas.

É um plano tão ambicioso como a Independência, as reformas liberais do século 19 e a Revolução Mexicana.

E nisso, bem, eles concordam: embora sejam de esquerdas diferentes, ele desenvolvimentista e ela progressista, Sheinbaum e AMLO fazem parte do mesmo espectro ideológico, o chamado "humanismo mexicano".

É uma tendência focada em atender os mais vulneráveis. Sua bandeira é a justiça social, inclui elementos liberais e nacionalistas da Revolução Mexicana, e procura proteger, acima de tudo, os direitos humanos.

É por isso que Sheinbaum, por mais diferente que seja de AMLO, esteve próxima dele durante os seus 25 anos de carreira política.

Não só durante a prefeitura de AMLO na Cidade do México, entre 2000 e 2006, mas também nas bases do Partido da Revolução Democrática, movimento que se originou na década de 90 como uma alternativa de esquerda a um desacreditado Partido Revolucionário Institucional (PRI), originado durante a revolução, no início do século 20.

Isto é: embora ela tenha 61 anos e ele 70, eles surgiram politicamente do mesmo contexto histórico, que procurava reivindicar o legado liberal da revolução, opondo-se ao partido da revolução.

E é por isso que, durante as últimas duas décadas, estiveram juntos na oposição aos projetos neoliberais de direita que governaram o país entre 2000 e 2018. Também criaram, juntos, um partido que hoje se tornou o mais popular do país, o Movimento Regeneração Nacional (Morena).

Tão popular que, para muitos críticos, é tão hegemônico e autoritário como o PRI foi em grande parte do século 20.

Para a oposição, Sheinbaum é igual a AMLO na medida em que governa com "mentiras" e à custa dos princípios democráticos, querendo cooptar entidades-chave como os poderes eleitoral e judicial.

Para isso, citam episódios de sua gestão na prefeitura, quando enfrentou a oposição, a imprensa e alguns grupos civis. Críticas que a agora presidente eleita rejeitou.

Claudia Sheinbaum em 2006

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Legenda da foto, Em 2006, Sheinbaum foi porta-voz do movimento que protestou contra supostas fraudes nas eleições presidenciais que AMLO perdeu.

Em que se diferenciam

Se Sheinbaum e AMLO partilham um projeto político, os dois diferem em quase todo o resto.

A começar pela personalidade: ele é extrovertido e bombástico; ela é tímida e lacônica. Ele se enquadra no estereótipo de líder populista do século 20; ela, no de funcionária pública com conhecimento técnico.

"Eles têm uma relação de coincidência política e de grande afeto", disse à BBC News Mundo Diana Alarcón, assessora de Sheinbaum na prefeitura.

"Eles começaram a trabalhar sem se conhecerem (em 2000, quando AMLO era prefeito do Cidade do México) e ele a encarregou de projetos difíceis porque viu sua capacidade e experiência; eles rapidamente desenvolveram empatia e confiança a tal ponto que hoje falam um com o outro pelo olhar."

"Ele não lhe dá instruções, não a vê como uma criação sua, mas como uma igual", acrescenta Alarcón.

Sua origem é outra diferença: ele é de Tabasco, um Estado pobre e distante da capital, e cresceu em um ambiente rural de classe média baixa. Ela, por outro lado, é da Cidade do México, urbana e de classe média alta.

AMLO é filho de um petroleiro e de uma camponesa com sete filhos. Os pais de Sheinbaum eram cientistas judeus imigrantes da Europa que tiveram três filhos.

As suas carreiras políticas também são diferentes: ele emerge da política tradicional das regiões, enquanto ela vem da academia, de um ambiente cosmopolita, moderno e intelectual.

E isso marca, por sua vez, seus perfis políticos: ele é um animal político tradicional, endurecido nas bases regionais do PRI, enquanto ela, por outro lado, tem um perfil técnico, ligado à administração pública.

Embora compartilhem uma ideologia, há uma diferença principalmente quando se trata de políticas energéticas e de mudanças climáticas, questões que ela, como física e engenheira, prioriza e domina melhor do que ele.

É difícil comparar um governo nacional com um governo municipal, mas se na sua presidência Sheinbaum plantou árvores, limpou rios e zonas úmidas e impôs restrições aos veículos, AMLO, na sua presidência, promoveu grandes obras para as quais é necessária energia poluente.

Mas é precisamente essa diferença que AMLO considera importante na sucessora: a eficiência. "Tem que haver uma mudança geracional; já contribuímos para lançar as bases da transformação e contribuímos para a mudança de mentalidade", disse o presidente em 2022.

Claudia Sheinbaum e AMLO

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Legenda da foto, Mais do que uma "aluna", quem conhece a relação fala em "pares"

A 'marca própria'

É uma reflexão comum entre muitos dos líderes do Morena hoje em dia: uma vez que a vitória política foi alcançada com AMLO no comando, com Sheinbaum no poder, eles agora buscam uma vitória técnica que consolide a 4T (Quarta Transformação).

"Claudia sabe, e é muito clara, e disse isso, que AMLO pode ser o líder simbólico, o fundador do movimento, mas é ela quem vai governar", diz Alarcón.

Nesse sentido, é provável que a marca distintiva de Sheinbaum seja técnica e política: apego à ciência, por um lado, e concertação em vez de confronto, por outro.

"A melhor coisa sobre Claudia é que ela não é AMLO e a pior coisa sobre Claudia é que ela não é AMLO", disse o analista político Jorge Zepeda Patterson à BBC Mundo, o serviço da BBC em espanhol.

Segundo o especialista, ela tem o problema de não ser AMLO em termos de carisma: "Todos os poderes que se mantiveram estáveis ​​durante este mandato de seis anos (governadores, empresários e militares) estão agora em dúvida".

Alarcón, amiga e conselheira de Sheinbaum há décadas, acredita que ela não terá dificuldades para garantir sua marca.

"Vai ser ela. Ela é uma política muito habilidosa. Vejam como foi o processo interno para eleger uma candidata. Todos foram contra ela. Surgiram milhares de facções. E ela conseguiu manter o movimento, que é muito heterogêneo, coeso num momento muito sensível".

A conselheira vê duas qualidades, duas ferramentas: "O ego dela não atrapalha e a força dela está no relacionamento com as pessoas, porque ela é empática, próxima, te olha nos olhos e pergunta com atenção".