Quase um ano e meio após o lançamento do ChatGPT, pela OpenAI, a inteligência artificial generativa esteve entre os temas mais discutidos no evento de inovação e cultura South by Southwest, o SXSW 2024, realizado entre os dias 8 e 16 de março em Austin, no Texas (EUA).
O impacto das ferramentas de IA generativa no trabalho, na forma como criamos e enxergamos o mundo, bem como os riscos de seu controle por um pequeno grupo de gigantes de tecnologia, seu impacto na saúde mental e a necessidade de estabelecer limites para suas aplicações foram assuntos centrais nos painéis apresentados por quem se propõe a ver o futuro e por quem o constrói.
A futurista americana Amy Webb previu um avanço acelerado da IA generativa além dos textos, entre 18 e 24 meses, citando a ferramenta Sora, de criação de vídeos com base em descrições, lançada em fevereiro pela OpenAI.
Por outro lado, Webb citou exemplos de alucinações e vieses das interfaces de IA, bem como a criação de modelos “sem censuras” que geram conteúdos falsos, pornografia e até recomendações para atacar e dominar um país.
No terceiro trimestre de 2023, o Future Institute identificou um “superciclo tecnológico” composto não só pela IA, mas por avanços em biotecnologia e ecossistemas de dispositivos conectados. O principal risco para o superciclo, segundo a futurista, é seguir concentrado em gigantes de tecnologia ou, como ela disse, “em um perigoso pequeno número de pessoas que têm poder significativo e influência na sociedade, em governos, na política e em nossas economias porque controlam nossos recursos tecnológicos e como nos comunicamos”.
Nessa parte da palestra, Webb ilustrou sua fala com imagens, geradas por IA, de executivos-chefe de empresas como Microsoft, Apple, X (ex-Twitter) e OpenAI, com auréolas e trajes religiosos. “Muito em breve, os ‘profetas da tecnologia’ vão dizer que estão nos salvando com o superciclo da tecnologia. Mas o que chamam de altruísmo efetivo ou otimismo técnico, do lado de fora, me parece muito mais com autoritarismo técnico do livre mercado”, criticou.
Na União Europeia, a preocupação já virou lei. No dia 13, o Parlamento Europeu aprovou, por ampla maioria, a legislação mais abrangente do mundo sobre inteligência artificial, estabelecendo regras detalhadas aos desenvolvedores de sistemas de IA e novas restrições sobre como a tecnologia pode ser usada.
A perspectiva de quem desenvolve a IA generativa, como Peter Deng, executivo que comanda a divisão do ChatGPT na OpenAI, é bem mais branda. Para o executivo, a tecnologia é como um “professor incansável” que vai tirar dúvidas e acelerar o trabalho das pessoas, não substituí-las.
No painel com Josh Constine, sócio do fundo de investimentos SignalFire e ex-editor do site TechCrunch, Deng foi questionado sobre os erros e alucinações da IA generativa. “A IA comete erros e toda grande tecnologia tem prós e contras”, disse Deng. Pai de quatro crianças, o líder do ChatGPT disse se sentir mais confortável em permitir o uso do bate-papo com algoritmos da OpenAI pelos filhos do que redes sociais.
Quanto questionado sobre os direitos autorais de artistas e criadores de conteúdo sobre o que é usado pelas ferramentas de IA, Deng procurou minimizar o problema e gerou manifestações de protesto na plateia. “Acho que a resposta curta é que é importante saber [a autoria dos conteúdos]. Mas, no futuro, não sei se as pessoas vão se importar.”
A IA também promete acelerar a computação espacial, que engloba aplicações de realidade virtual, aumentada e a mistura de ambos como propõe a Apple com os óculos Vision Pro, lançados em fevereiro. A IA que tudo vê é o próximo passo para os grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês), que servem de base para treinar ferramentas de IA generativa. “LLMs são treinados com coisas do passado. Quando penso na IA que pode ver, penso em uma IA que está constantemente escaneando o mundo e gerando dados em tempo real”, disse Cathy Hackl, CEO da Spatial Dymanics, no SXSW.
Entre os mercados potenciais para a computação espacial, além do entretenimento, Hackl destacou os setores de moda, varejo, saúde e educação.
O limite para o que a IA pode enxergar, entretanto, levanta questões de privacidade, antes restritas à ficção.
Pesquisas citadas nas palestras de Webb e do veterano da realidade virtual Ola Björling, da Buyou Studios, revelam que a máquina pode analisar o movimento das pupilas dos olhos ou como interagimos com objetos, sendo capaz de prever nossas reações antes de termos consciência sobre elas.
Em uma visão um pouco mais otimista sobre o salto tecnológico que nos aguarda, o futurista Ray Kurzweil, ex-engenheiro do Google, acredita que o impulso em pesquisas nas áreas de genética, nanotecnologia e robótica poderá ajudar a estender a vida humana e até nos levar à imortalidade.
“Se você viver os próximos cinco anos, terá a chance de viver por 500 anos”, disse durante o evento. Ele advertiu, entretanto, que a promessa de longevidade esbarra em questões éticas, ambientais, econômicas e sociais. Outro efeito colateral dos algoritmos inteligentes é a imersão prolongada nas telas. Conforme alerta a autora best-seller Radha Agrawal, a falta do “olho no olho” está levando à uma pandemia da solidão.
A jornalista viajou a convite do Itaú Unibanco