O setor elétrico passa pela maior transformação disruptiva de sua história. Em âmbito global, a economia está cada vez mais eletrificada, em especial a eletromobilidade, exigindo alterações nas redes, criação de novos modelos de negócio, instalação de pontos de abastecimento para veículos elétricos e baterias mais eficientes e com mais capacidade de armazenamento. Ao mesmo tempo, a preocupação em relação às mudanças climáticas impulsiona o desenvolvimento das fontes limpas de geração, em especial a eólica e a solar, e as pesquisas em torno do hidrogênio verde, considerado a nova fronteira em sustentabilidade.
Já em âmbito nacional, o setor vive o maior processo de abertura desde a criação do mercado livre de energia, há quase 30 anos. A partir do ano que vem, todas as empresas consumidoras de alta-tensão poderão comprar energia elétrica nesse mercado, o que deve lhes proporcionar uma grande economia na conta de luz. Para as companhias geradoras, essa migração significa centenas de milhares de novos clientes – 40 mil apenas na indústria, segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em outubro do ano passado.
Toda essa transformação vem gerando demandas para as áreas de inovação das companhias de energia, que conquistaram papel de destaque nas estruturas organizacionais dessas empresas.
Em 2022, a EDP investiu 1,6% de sua receita operacional líquida em inovação, somando R$ 256,2 milhões em digitalização, redes inteligentes, produção de energia renovável, geração distribuída, hidrogênio verde, mobilidade elétrica, flexibilidade e armazenamento. Um quarto desse valor foi dedicado a projetos de P&D. Para 2023, a projeção é de aumento impulsionado pelos investimentos em geração distribuída. Carlos Andrade, vice-presidente de clientes e inovação da EDP, informa que, no Brasil, cerca de 30 pessoas atuam diretamente acelerando projetos no fomento à inovação.
Com investimentos de R$ 42 milhões, a EDP produziu, no Ceará, a primeira molécula de hidrogênio verde na planta-piloto construída no Complexo Termelétrico do Pecém. O projeto visa avaliar cenários de escalabilidade da nova tecnologia. A companhia também mira a geração descentralizada de energia por meio do projeto Solar Digital, em que pequenas e médias empresas podem alugar uma usina solar remota e utilizar os créditos na conta de energia. Já o Comunidade IN, iniciado em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, e em Jabaeté (ES), com investimento superior a R$ 6 milhões, foca em educação com recursos de realidade virtual e inclusão digital, em regularização e reformas elétricas e em soluções de melhoria de qualidade de vida com apoio de startups. Entre as realizações do projeto está a instalação de postes de luz em locais sem iluminação pública, utilizando energia solar e montados pelos próprios moradores.
A Energisa atua na distribuição de energia, com nove concessões, em transmissão e na geração – inclusive distribuída – com parques solares. Recentemente, ganhou uma concessão de gás. Outra linha de negócio é a de serviços financeiros, por meio da fintech Voltz. Lucas Pinz, diretor de estratégia, inovação e laboratórios digitais da Energisa, diz que cada uma dessas áreas demanda ações de inovação que só em P&D da Aneel consumiram investimentos de R$ 40 milhões em 2022. A empresa usa robôs semiautônomos para limpeza de painéis solares com baixo consumo de água e investe em inteligência artificial (IA).
“Por meio do Digital Labs, laboratório de IA, usamos imagens dos ativos e análises de redes neurais para indicar ao operador o potencial de problemas na rede elétrica. Com imagens de satélites, analisamos espécies de árvores para predizer o crescimento e a necessidade de poda. Também realizamos manutenção preditiva para ativos elétricos de grande porte. Estamos sensorizando esses ativos críticos para prever falhas”, diz Pinz.
Muitos desses projetos demandam conectividade, e a companhia utiliza todo tipo de rede: 3G, 4G, NB IoT, Lora, Mash e wi-fi. Em parceria com a TIM, levou energia e conectividade para uma pequena vila de mil habitantes em Marechal Thaumaturgo, no Acre. “Temos uma rede LTE privativa e agora estamos analisando o 5G, aproveitando as oportunidades de compartilhamento de infraestrutura, atualmente em discussão com os reguladores”, sinaliza Pinz.
Na mobilidade elétrica, um projeto de P&D testou modelos de negócio e equipamentos, desenvolveu um aplicativo de gestão de recarga e criou uma solução baseada em tag para garantir que a energia ofertada é de fonte renovável. “Já temos a tecnologia e o aplicativo. Agora precisamos ver o impacto na rede desses novos recursos distribuídos de produção e armazenamento. Estamos desenvolvendo, num projeto de P&D, o Virtual Power Plan, um tipo de usina de energia solar com armazenamento, o que permitirá modelos tarifários diferenciados. Vai servir de parâmetro para o regulador”, anuncia.
A Enel atua na distribuição com concessionárias em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Por meio da Enel Green Power Brasil, a companhia opera cerca de 5 GW renováveis. Outro braço, a Enel Trading Brasil, compra e vende energia convencional e incentivada no mercado livre. Já a Enel X oferece serviços para acelerar a inovação e impulsionar a transição energética, enquanto a Enel X Way é a linha de negócios dedicada à mobilidade elétrica. Filippo Alberganti, diretor de inovação, informa que Enel investiu R$ 55,5 milhões em P&D no segmento de distribuição de energia e redes e outros R$ 8,8 milhões no segmento de geração de energia renovável. “Como a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] alterou o programa de inovação, estamos numa fase de revisão profunda do portfólio de projetos em geração e distribuição”, diz Alberganti.
Em 2022, a Enel X Way colocou no mercado mais de 500 carregadores públicos e semipúblicos para veículos elétricos no Brasil. No setor privado, já foram implementados mais de três mil equipamentos em estradas, postos, indústrias, comércio e residências em parcerias com montadoras – Audi, Stellantis, Volvo e Nissan –, distribuidores de combustível e redes de estacionamentos.
Por meio do projeto Semiárido Sustentável, a Enel também investe em iniciativas de inovação social ligadas ao abastecimento de água, como o medidor inteligente Smart Meter, iniciado em 2021 com tecnologia desenvolvida pela Enel. Em São Paulo, foram instalados mais de 300 mil medidores conectados ao 4G, que oferecem informações sobre o consumo de energia em tempo real por meio de um aplicativo. “Por enquanto são recursos próprios de P&D, mas, para a implementação avançar, precisamos de definições regulatórias. Na Europa, o custo do medidor é uma pequena parte da tarifa. O medidor inteligente vai, inclusive, facilitar a abertura de mercado”, defende Alberganti.
Parte do grupo espanhol Iberdrola, a Neoenergia atua na distribuição (cinco concessionárias), na geração (5,1 GW) e na transmissão (2,5 mil km de linhas em operação e 6,1 mil km em construção). A empresa investiu R$ 300,7 milhões em P&D no ano passado, o equivalente a 0,74% da receita líquida. A estrutura de inovação é aberta e descentralizada, com grupos de trabalho em todos os negócios e distribuidoras do grupo. O programa de P&D atua como um hub de inovação em quatro temas: tecnologias inteligentes, segurança, sustentabilidade e eficiência operacional.
“As redes de distribuição e de transmissão são a espinha dorsal das diversas transformações do setor. Será necessário muito investimento em renováveis e em redes. A descarbonização exige digitalização e automação do nosso negócio”, analisa Solange Ribeiro, diretora-vice-presidente de regulação, institucional e sustentabilidade da Neoenergia.
Um programa da empresa focado na redução de perdas, o Godel, resultou no desenvolvimento de sensores de rede, equipamentos e softwares para monitoramento e gestão. A empresa está iniciando ainda um programa de hidrogênio verde voltado para mobilidade, e nesse tema criou o Corredor Verde, eletrovia ligando Salvador (BA) a Natal (RN) com postos de carregamento, veículos e caminhões elétricos para os serviços da própria Neoenergia.
Já o projeto de universalização Microrrede levou, em janeiro, energia renovável a mais de cem famílias de Xique-Xique, na Bahia. Mas o maior deles é o Conexão Digital, focado em transformação digital, pioneiro em permitir pagamentos por Pix e enviar contas via WhatsApp. O programa conta com novo app, inteligência artificial com chatboot WhatsApp, data e analytics e automação de processos (RPA).
Criada em 2008, a Safira Energia é uma das principais comercializadoras e consultorias em análises, estratégias e soluções para o setor energético. Em 2019, estendeu sua atuação para o mercado de geração distribuída, com plantas fotovoltaicas de até 5 MW. A empresa soma mais de 3 GW médios sob sua gestão, entre geradores e consumidores livres.
Os projetos de inovação estão sob o guarda-chuva e-Plus, programa de inovação aberta com foco em eletromobilidade, armazenamento inteligente, hidrogênio verde, mercado de carbono e energia maremotriz. São três projetos de hidrogênio verde baseados em eletrólise e produção de ureia e amônia, em parceria com startups e instituições de inovação tecnológica (ICTs). A empresa também trabalha em armazenamento para complementar a energia de fontes renováveis intermitentes.
Outro destaque é o projeto de eletromobilidade em parceria com a Weble e a GreenV para oferecer energia limpa e renovável aos eletropostos já habilitados no mercado de contratação livre de energia. “São estruturas de recargas ultrarrápidas, o que tem demandado eficiência operacional. Foi uma prova de conceito finalizada em meados de junho, e agora vamos começar a monetizar vendendo energia ‘as a service’”, diz Fábio Zoppi, diretor de inovação da Safira Energia.
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