Desde a pandemia, o setor de saúde passa por mudanças envolvendo questões regulatórias, demográficas, econômico-financeiras, entre outras, que estão provocando transformações estruturais em um mercado que movimentou mais de R$ 300 bilhões no ano passado. Todas essas mudanças têm uma relação direta com o custo da saúde que disparou após a deflagração da covid, e atingiu R$ 239 bilhões no ano passado (considerando apenas as despesas médicas pagas via planos de saúde).
Entre 2019 e 2023, o reajuste médio acumulado do plano empresarial, que representa 70% do setor, chegou a 68,72% - mais do que o dobro do IPCA no período. O custo da saúde sobe num ritmo superior à capacidade de pagamento do cliente, o que coloca em xeque a sustentabilidade desse mercado.
Nesse contexto, duas mudanças já são bem visíveis no setor: a depreciação dos planos de saúde, com menor oferta de serviços como reembolso, rede prestadora e abrangência de cobertura; e uma nova onda de consolidação, agora, envolvendo grandes grupos.
Com os custos em escalada e as dificuldades de repassar preços, grupos hospitalares e operadoras de planos de saúde que, historicamente, jogaram em lados opostos agora estão se unindo em combinação de ativos. Nesse mercado, quando a receita do hospital sobe, o convênio médico perde porque tem uma conta maior para pagar. Na ponta final, está o paciente que pode ter atendimento médico inadequado e um reajuste salgado.
“Antes, havia muita gordura no setor e os custos eram repassados ao cliente, mas hoje não dá mais. As operadoras passaram a pressionar também os grandes grupos hospitalares, o que antes não acontecia”, disse Vinicius Figueiredo, analista do Itaú BBA.
Dasa e Amil juntaram seus hospitais, Rede D’Or e Bradesco Seguros criam uma empresa hospitalar. A seguradora também tem sociedades com a Mater Dei e Albert Einstein, BP e Fleury, além de ser acionista do Grupo Santa, em Brasília. A Porto Saúde e Unimed Nacional se juntaram à Oncoclínicas na construção de hospitais especializados em câncer. As cooperativas médicas também estão unindo forças. “Agora, vamos ver operações de grandes grupos, depois podem voltar negócios menores”, disse Osías Brito, da BR Finance.
“Esse movimento foi deflagrado com a aquisição da SulAmérica pela Rede D’Or, em 2022. Na época, havia questionamentos de como ficaria o setor e a própria D’Or deu a resposta agora criando uma empresa hospitalar com a Bradesco”, disse Fernando Kunzel, sócio fundador da JGP Financial Advisory, braço da gestora JGP. Ainda em 2022, Hapvida e NotreDame Intermédica anunciaram uma fusão para criar uma operadora verticalizada com presença nacional e potencial para abocanhar a clientela das seguradoras. Esse fenômeno vem ocorrendo há cerca de um ano.
“O gasto das empresas com plano de saúde representa em média 14%, podendo chegar a 20%, da folha de pagamento. A manutenção de um reajuste no atual patamar pode levar a um cancelamento do benefício pela empresa. Há risco de permanecerem no sistema apenas aqueles que precisam, usam mais o plano de saúde. Mas aí não há diluição do sinistro e o custo será ainda maior”, disse Luis Fernado Joaquim, sócio da Deloitte.
O aumento de preços na saúde é um fenômeno global devido ao envelhecimento da população, surgimento de novos tratamentos e drogas e casos de covid longa. No Brasil, houve ainda mudanças na legislação que intensificaram ainda mais a alta.
“Houve uma falha no entendimento dos impactos da covid para o setor. Logo depois, em 2021 e 2022, houve mudanças regulatórias permitindo inclusões de procedimentos médicos de cobertura obrigatória pelos planos, sessões ilimitadas de terapias para TEA [transtorno do espectro autista], piso nacional para enfermagem. Além disso, foram fechadas várias fusões e aquisições. Ou seja, foram muitos movimentos num curto período, o setor ainda está em fase acomodação”, disse Flávia Pareto Conrado, sócia e fundadora da Setter Investimentos, consultoria e adviser.
“Os impactos das terapias de pacientes com TEA estão sendo mensurados agora. É complicado precificar um produto que tem um número ilimitado de terapias”, disse o atuário Luiz Feitoza, sócio da consultoria Arquitetos da Saúde.
Quem não fechou acordo societário, está fazendo parcerias comerciais. O HCor, por exemplo, condicionou iniciar as obras da nova unidade a um credenciamento prévio de convênios médicos para ter sua receita garantida. “O futuro são os grandes clusters. Hoje, é preciso fazer parcerias ou aquisições estratégicas”, disse Fernando Torelly, CEO do HCor, lembrando que com a crise, as operadoras estão evitando credenciar mais hospitais.
Para Antonio Britto, presidente da Anahp, entidade hospitalar, é possível coexistir unidades verticalizadas, redes e hospitais independentes com forte reputação. Britto pondera que, apesar da melhora nos resultados das operadoras no último trimestre de 2023 e os três primeiros meses de 2024, a pressão sobre os hospitais se mantém.
A Abramge, entidade dos planos de saúde, pondera que a recuperação é parcial e que mais de um terço das operadoras seguem com resultado negativo.