Maioria silenciosa
Maioria silenciosa é a designação pela qual ficou conhecida em Portugal a iniciativa política de alguns sectores conservadores da sociedade portuguesa, civil e militar, que decidiram organizar uma manifestação, em 28 de Setembro de 1974, de apoio ao então Presidente da República General Spínola. A manifestação visava o reforço de posição política deste militar.
Preparação pela organização
[editar | editar código-fonte]Dia 9 de Setembro reúnem-se para preparar a manifestação da “maioria silenciosa”, elementos dos partidos PP/MFP, PDC e PL, tendo sido escolhidos para a comissão organizadora José Filipe Rebelo Pinto, António Sousa Macedo, Manuel Sá Coutinho, Francisco de Bragança van Uden, António da Costa Félix e Manuel João Ramos de Magalhães, que viria a ser presidida por Fernando José Pereira Marques Cavaleiro, na sequência de contactos entre o Tenente-coronel António Figueiredo e o general Kaúlza de Arriaga.[1][2]
No dia 10 de Setembro, nas instalações da SINASE, o tenente-coronel Figueiredo, Almeida Araújo e António Ávila reúnem-se com os membros da Comissão Organizadora da manifestação, distribuindo tarefas. A 13 de Setembro, o Partido Liberal distribui uma carta-circular apelando à participação na manifestação de apoio ao Presidente da República que seria denominada de “maioria silenciosa” e a realizar em data a anunciar.[3]
Dia 23 o Governador Civil de Lisboa autoriza a manifestação.[4]
Na tarde de 26 tem lugar o Concurso Hípico Internacional de Lisboa em que Spínola recebe um cartaz da “maioria silenciosa” entre os aplausos dos presentes. Nessa ocasião, Galvão de Melo, trajado de cavaleiro, declara o seu apoio à manifestação. Passados dois dias, estando ele enquanto chefe de Estado numa corrida de touros no Campo Pequeno, será a vez do cavaleiro tauromáquico José João Zoio fazer o mesmo.[5][6]
Reações de oposição à manifestação
[editar | editar código-fonte]No dia 27, o Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho do COPCON e o Ministro da Defesa Mário Firmino Miguel reagem, com o conhecimento de Costa Gomes. Otelo monta uma operação visando a prisão de antigos membros da Legião Portuguesa, de pessoas ligadas ao Estado Novo e dos envolvidos na preparação da manifestação.[7]
O Ministro da Comunicação Social lê um comunicado do Governo Provisório na Emissora Nacional, emitido de meia em meia hora. A manifestação é interditada pelo MFA. Os partidos políticos de esquerda distribuem entretanto comunicados apelando “à vigilância popular” e denunciam as tentativas contra-revolucionárias dessa minoria tenebrosa. São levantadas barricadas populares nos acessos a Lisboa e noutras localidades. Durante a noite, grupos de militares tomam o lugar dos activistas civis. São detidas várias figuras políticas afectas ao velho regime, quadros da Legião Portuguesa e alguns manifestantes.
Nas entradas de Lisboa, foram apreendidas:
- 699 espingardas caçadeiras;
- 44 espingardas de pressão de ar;
- 118 pistolas e revólveres;
- 23 pistolas de alarme;
- 332 armas brancas;
- 549 matracas e congéneres;
- e 9885 munições.[8]
Derrota de Spínola
[editar | editar código-fonte]António de Spínola tenta entretanto reforçar o poder da Junta de Salvação Nacional, que comanda, e, em vão, estabelecer o estado de sítio.[9] Em consequência disso, a Comissão Coordenadora do MFA impõe-lhe a demissão dos três generais mais conservadores do grupo: Galvão de Melo, Manuel Diogo Neto e Jaime Silvério Marques. Derrotado, Spínola demite-se a 30 de setembro do cargo de Presidente da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes. No seu discurso de renúncia, Spínola denuncia certas políticas do governo e prenuncia o caos, a anarquia e “novas formas de escravatura”.[10]
Com a “vitória sobre a reação” e a derrota da direita civil, declaradas pelo então Primeiro Ministro Vasco Gonçalves, fecha-se assim o que seria considerado o primeiro ciclo do PREC.
Atos subsequentes
[editar | editar código-fonte]Vários apoiantes militares de Spínola fogem para o estrangeiro.
Spínola continuaria a sua influência, contribuindo na organização da tentativa de golpe a 11 de março de 1975, mas também na criação e liderança da organização terrorista MDLP. Esta organização realizará mais de 500 atentados incluindo ataques a sedes políticas e cívicas, bombas e assassinatos até 1979.[11]
Notas
[editar | editar código-fonte]- A expressão "maioria silenciosa" foi usada pela primeira vez pelo Presidente Nixon dos EUA para designar a parcela do povo americano que, segundo ele, o apoiaria na sua política de guerra no Vietnam, em alusão “ad contrarium” à activíssima “minoria” que se lhe opunha e de que os media faziam eco.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ ... o financiamento da manifestação terá sido organizado por Kaúlza de Arriaga e o Tenente-coronel Fernando Cavaleiro que garantiram o apoio financeiro do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. ...para uma conta colectiva onde um dos titulares, Silvino Castro Moreira, era membro do Secretariado Regional do Norte do Partido Liberal. - Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 392 e 393
- ↑ Segundo o relatório dos acontecimentos, Fernando Cavaleiro, em reunião dia 13 com a Comissão Organizadora, terá imposto como condição para a presidir, dar conhecimento da manifestação a Spínola e Costa Gomes, com quem tinha relações de amizade. Enquanto o segundo levantou várias objecções, Spínola terá manifestado a sua concordância - Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 390
- ↑ Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 391
- ↑ Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 394
- ↑ [https://expresso.pt/presidenciais2016/2016-01-18-Spinola-demite-se-num-discurso-ao-pais-e-Costa-Gomes-eleito-Presidente-por-dois-votos Spínola demite-se num discurso ao país e Costa Gomes eleito Presidente por dois votos] - CIT. semanário Expresso: "Já na posse do II Governo, em julho de 1974, o general António de Spínola apelara à “maioria silenciosa” do povo português. Idêntico chamamento fizera a 10 de setembro, na cerimónia do reconhecimento da independência da Guiné-Bissau. Melo Antunes, o ideólogo do Movimento das Forças Armadas, recorda que “era uma expressão muito utilizada” por Spínola, “facilmente relacionável” com a famosa marcha sobre Roma, decisiva na subida ao poder do Partido Nacional Fascista, de Mussolini.", 18 de janeiro 2016
- ↑ Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 395
- ↑ Spinolismo: Viragem Política e Movimentos Sociais, por Francisco Felgueiras Bairrão Ruivo,Tese de Doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Julho, 2013, pág. 400
- ↑ Neves, Orlando. «Textos Históricos da Revolução». marxists.architexturez.net. Consultado em 11 de outubro de 2024
- ↑ Álvaro, Cunhal (1999). A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (PDF). [S.l.]: Edições Avante. p. 160. ISBN 978-97-25505-80-9
- ↑ «PORTUGAL: The Fall of a Hero-General». Time (revista). 14 de outubro de 1974. Consultado em 1 de dezembro de 2009
- ↑ Carvalho, Miguel (6 de fevereiro de 2017). Quando Portugal Ardeu. [S.l.]: Leya
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- 28 de Setembro: a conspiração da maioria silenciosa, Lisboa, Avante!, 1975.
- Minoria tenebrosa, maioria silenciosa, Eduardo Camilo: A sátira e a invectiva no cartaz político (1974-1975) – Comunicação e poder. Covilhã: Universidade da Beira Interior, Col. Estudos em Comunicação (9), p. 121-171, 2002.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- A Maioria Silenciosa - ensaio (abrir link nesta página, 17 de outubro 2020)
- Cervelló, Joseph Sanchez (1994). «Cronologia das organizações de direita (1973-1976)» (PDF). Universidade Rovira i Virgili, de Tarragona (original); Universidade de Coimbra (tradução portuguesa). Consultado em 1 de dezembro de 2009
- 28 de Setembro: “A Conspiração da Maioria Silenciosa”, por António D. Lima, Tribuna Livre, 1 de Novembro de 2014
- O 28 do Setembro, Textos Históricos da Revolução, Organização e introdução de Orlando Neves, DIABRIL EDITORA Sociedade Cooperativa, Junho 1975.
- «28 de Setembro - As histórias deste dia» (SWF (Adobe Flash)). SAPO. 9 de setembro de 2009. Consultado em 1 de dezembro de 2009
- Spínola demite-se num discurso ao país e Costa Gomes eleito Presidente por dois votos, por José Pedro Castanheira, Expresso, 18.01.2016 às 8h00
- «Um Ano de Revolução - 1974 e 1975» (SWF (Adobe Flash)). Rádio e Televisão de Portugal. Consultado em 1 de dezembro de 2009
- MFA vs Maioria Silenciosa, Revolução e Reação no PREC, News Museum, 2020