Esquistossomose: diferenças entre revisões
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*Espécies: ''S. mansoni'', ''S. japonicum'', ''S. mekongi'' ''S.intercalatum'', S. haematobium'', ''S.malayense'' (patogénicas para o homem); outras. |
*Espécies: ''S. mansoni'', ''S. japonicum'', ''S. mekongi'' ''S.intercalatum'', S. haematobium'', ''S.malayense'' (patogénicas para o homem); outras. |
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O Schistosoma é um verme [[platelminte]] [[trématode]]. Assume várias formas no seu ciclo de vida. |
O Schistosoma é um verme [[platelminte]] [[trématode]]. Como todos os platelmintes o tubo digestivo é incompleto e tem sistemas de orgãos muito rudimentares. É um parasita intravascular e permanece sempre no lúmen dos vasos quando infecta o Homem. Assume várias formas no seu ciclo de vida. |
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#A forma adulta é a principal e existem dois sexos, ambos fusiformes. O macho é mais grosso e têm uma calha longitudinal (o sulco ventral) no corpo, onde se encaixa e se aloja permanentemente a fêmea, mais fina mas um pouco mais longa. O seu comprimento varia com as espécies mas situa-se entre os 10 e os 20 milímetros. |
#A forma adulta é a principal e existem dois sexos, ambos fusiformes. O macho é espalmado e mais grosso e têm uma calha longitudinal (o sulco ventral) no corpo, onde se encaixa e se aloja permanentemente a fêmea, cilindrica e mais fina mas um pouco mais longa. O seu comprimento varia com as espécies mas situa-se entre os 10 e os 20 milímetros. |
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#Os ovos são redondos ou elípticos com cerca de 60 micrómetros e têm um espinho afiado terminal, que lesa os tecidos do hospedeiro quando são expelidos. Os miracídios imaturos no seu interior secretam enzimas que ajudam a dissolver a parede dos vasos. |
#Os ovos são redondos ou elípticos com cerca de 60 micrómetros e têm um espinho afiado (terminal no ''S.hematobium'', lateral no ''S.mansoni''), que lesa os tecidos do hospedeiro quando são expelidos. Os miracídios imaturos no seu interior secretam enzimas que ajudam a dissolver a parede dos vasos. |
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#Os miracídios são formas unicelulares ciliadas que nascem dos ovos expelidos nas fezes ou urina humana, que vivem nos lagos ou rios em forma livre e são infecciosas para o caracol. |
#Os miracídios são formas unicelulares ciliadas que nascem dos ovos expelidos nas fezes ou urina humana, que vivem nos lagos ou rios em forma livre e são infecciosas para o caracol. |
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#Os esporocistos são as formas unicelulares no caracol, que se dividem assexualmente. |
#Os esporocistos são as formas unicelulares no caracol, que se dividem assexualmente. |
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Após alguns dias ocorre a transformação para a forma jovem, liberam-se e migram pelas veias pulmonares, coração e artéria [[Aorta]] até atingirem o [[fígado]]. Lá ocorre o amadurecimento das [[larva]]s em formas sexuais macho e fêmea, e o [[acasalamento]] (forma sexuada). Após este acasalamento, os parasitas migram juntos (a fêmea na calha do macho), contra o fluxo sanguíneo (migração retrógrada), atingindo as [[veia mesentérica|veias mesentéricas]] e do plexo hemorroidário superior (ou no caso do ''S.hematobium'' o plexo vesical da [[bexiga]]). |
Após alguns dias ocorre a transformação para a forma jovem, liberam-se e migram pelas veias pulmonares, coração e artéria [[Aorta]] até atingirem o [[fígado]]. Lá ocorre o amadurecimento das [[larva]]s em formas sexuais macho e fêmea, e o [[acasalamento]] (forma sexuada). Após este acasalamento, os parasitas migram juntos (a fêmea na calha do macho), contra o fluxo sanguíneo (migração retrógrada), atingindo as [[veia mesentérica|veias mesentéricas]] e do plexo hemorroidário superior (ou no caso do ''S.hematobium'' o plexo vesical da [[bexiga]]). |
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[[Image:Schistosoma mansoni.jpg|direita|thumb|Ovo de ''Schistosoma mansoni'' contendo míracidio]] |
[[Image:Schistosoma mansoni.jpg|direita|thumb|Ovo de ''Schistosoma mansoni'' contendo míracidio]] |
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Lá, os [[parasita]]s põem milhares de [[ovo]]s todos os dias, durante anos (entre três e quarenta anos). Os ovos |
Lá, os [[parasita]]s põem milhares de [[ovo]]s todos os dias, durante anos (entre três e quarenta anos). Os ovos passam do lumen dos vasos ao lúmen do intestino ou bexiga simplesmente destruindo todos os tecidos intervenientes. Atravessam a parede dos vasos sanguíneos, causando muitos danos tanto com os seus espinhos como pela reacção inflamatória do [[sistema imunitário]] que lhes reage. Atingindo o [[intestino]] são eliminados pelas [[fezes]] (ou no caso do ''S.hematobium'' atingem a bexiga e são libertados na [[urina]]). Os ovos, em contato com a [[água]], liberam os [[miracídio]]s que nadam livres até encontrar um caramujo (caracol aquático), penetrando-o. Dentro do caramujo ocorre a multiplicação da forma assexuada, o esporocisto, que se desenvolve na forma larvar que é libertada seis semanas após a infecção do caramujo, novamente recomeçando o ciclo. |
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== Epidemiologia == |
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A fase de penetração é o nome dado a sintomas que podem ocorrer quando da penetração da cercária na pele, mas mais frequentemente é assintomática, excepto em individuos já infectados antes. Nestes casos é comum surgir [[eritema]] (vermelhidão), reação de sensibilidade com [[urticária]] ([[dermatite]] cercariana) e prurido ou pápulas na pele no local penetrado, que duram alguns dias. |
A fase de penetração é o nome dado a sintomas que podem ocorrer quando da penetração da cercária na pele, mas mais frequentemente é assintomática, excepto em individuos já infectados antes. Nestes casos é comum surgir [[eritema]] (vermelhidão), reação de sensibilidade com [[urticária]] ([[dermatite]] cercariana) e prurido ou pápulas na pele no local penetrado, que duram alguns dias. |
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O período de incubação, entre infecção e sintomas, é de dois meses. Na fase inicial ou aguda, a disseminação das larvas pelo sangue e a divisão nos pulmões e depois no fígado activa o [[sistema imunitário]] surgindo [[febre]], mal estar, [[cefaléia]]s (dores de cabeça), [[astenia]] (fraqueza), [[dor abdominal]], [[diarréia]] sanguinolenta, [[dispnéia]] (falta de ar), [[artralgia]]s, [[linfonodomegalia]] e [[esplenomegalia]] Nas análises sanguineas há [[eosinofilia]] (aumento dos [[eosinófilo]]s, células do sistema imunitário anti-parasitas). A produção de [[anticorpo]] pode levar à formação de complexos que causam danos nos [[rim|rins]].Estes sintomas podem ceder espontaneamente ou podem nem sequer surgir, mas a doença silenciosa continua. |
O período de incubação, entre infecção e sintomas, é de dois meses. Na fase inicial ou aguda, a disseminação das larvas pelo sangue e a divisão nos pulmões e depois no fígado activa o [[sistema imunitário]] surgindo [[febre]], mal estar, [[cefaléia]]s (dores de cabeça), [[astenia]] (fraqueza), [[dor abdominal]], [[diarréia]] sanguinolenta, [[dispnéia]] (falta de ar), [[hemoptise]] (tosse com sangue), [[artralgia]]s, [[linfonodomegalia]] e [[esplenomegalia]], um conjunto de sintomas conhecido por sindrome de Katayama. Nas análises sanguineas há [[eosinofilia]] (aumento dos [[eosinófilo]]s, células do sistema imunitário anti-parasitas). A produção de [[anticorpo]] pode levar à formação de complexos que causam danos nos [[rim|rins]].Estes sintomas podem ceder espontaneamente ou podem nem sequer surgir, mas a doença silenciosa continua. |
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Os sintomas crónicos são quase todos devidos à produção de ovos imunogénicos. Estes são destrutivos por si mesmos, com o sseus espinhos e enzimas, mas é a [[inflamação]] com que o sistema imunitário lhes reage que causa os maiores danos. As formas adultas não são atacadas porque usam moléculas ''self'' do próprio hóspede para se camuflar. |
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⚫ | A fase crônica inicia-se após cerca de mais dois meses, com a maturação, crescimento e emparelhamento das formas adultas. A produção de grande quantidade de ovos que são depositados nos tecidos pelos parasitas seriam o estímulo à produção de reação [[inflamação|inflamatória]] crônica ao redor dos mesmos, além dos ovos produzirem directamente enzimas destrutivas para os tecidos. Os ovos são disseminados pelo sangue e podem causar danos em orgãos bem irrigados como o [[pulmão]] e o [[cérebro]]. O [[sistema imunitário]] reage aos ovos de modo destrutivo com produção de [[granuloma]]s. Nas regiões com ovos os tecidos são destruidos e susbtituidos por [[fibrose]] cicatricial, havendo obviamente uma perda de função. A fase crónica difere nos sintomas conforme são schistosomas intestinais, como ''S.mansoni'', ''S.intercalatum'', ''S.japonicum'' ou ''S.mekongi'', ou schistosomas urinários como o ''S.hematobium''. |
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⚫ | A fase crônica inicia-se após cerca de mais dois meses, com a maturação, crescimento e emparelhamento das formas adultas. A produção de grande quantidade de ovos que são depositados nos tecidos pelos parasitas seriam o estímulo à produção de reação [[inflamação|inflamatória]] crônica ao redor dos mesmos, além dos ovos produzirem directamente enzimas destrutivas para os tecidos. Os ovos são disseminados pelo sangue e podem causar danos em orgãos bem irrigados como o [[pulmão]] e o [[cérebro]] (mais frequente se ''S.japonicum''). O [[sistema imunitário]] reage aos ovos de modo destrutivo com produção de [[granuloma]]s. Nas regiões com ovos os tecidos são destruidos e susbtituidos por [[fibrose]] cicatricial, havendo obviamente uma perda de função. A fase crónica difere nos sintomas conforme são schistosomas intestinais, como ''S.mansoni'', ''S.intercalatum'', ''S.japonicum'' ou ''S.mekongi'', ou schistosomas urinários como o ''S.hematobium''. |
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⚫ | Nas esquistossomoses intestinais, os vermes adultos parasitam as [[veia]]s mesentérica superior e o plexo hemorroidário, que é um complexo de veias que levam o sangue dos intestinos para a filtragem pelo fígado. Há diminuição da elasticidade hepática e obstrução ao fluxo sanguíneo devido |
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⚫ | Nas esquistossomoses intestinais, os vermes adultos parasitam as [[veia]]s mesentérica superior e o plexo hemorroidário, que é um complexo de veias que levam o sangue dos intestinos para a filtragem pelo fígado. Há diminuição da elasticidade hepática e obstrução ao fluxo sanguíneo devido à fibrosação causada pelas grandes quantidades de ovos que se depositam nesse orgão. As veias que chegam ao fígado começam a dilatar-se pela dificuldade encontrada no escoamento do sangue, formando [[varizes]] que envolvem os [[intestino]]s, o [[estômago]], o [[esôfago]] e o [[baço]]. Cronicamente, o paciente evolui com [[ascite]] e [[hemorragia]]s, dores abdominais e diarreia sanguinolenta. A morte é frequentemente devida à [[hipertensão]] portal devida à obstrução e fibrosação do fluxo sanguineo, com [[cirrose]] hepática ou rebentamento catastrófico de um variz esofágica. |
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[[Image:Schistosoma bladder histopathology.jpeg|direita|thumb|250px|Ovos rodeados de reacção inflamatória na Bexiga]] |
[[Image:Schistosoma bladder histopathology.jpeg|direita|thumb|250px|Ovos rodeados de reacção inflamatória na Bexiga]] |
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A esquistossomose urinária (causada pelo ''S.hematobium'') |
A esquistossomose urinária (causada pelo ''S.hematobium'') que pode alojar-se no plexo vesical, prostático, rectal ou uterino. Tem sintomas crónicos como [[dor]] ao urinar ([[disúria]]), sangue na urina e hiperemia, devidos à extensa [[necrose]], fibrose e ulceração das vias e vasos urinários causada pelos ovos. Complicações graves são a [[pielonefrite]] e [[hidronefrose]], com possivel desenvolvimento de [[insuficiência renal]] fatal. Outros problemas são as lesões deformantes dos orgãos sexuais e o [[cancro da bexiga]] (devido à maior taxa de [[mutação]] nas [[mitose]]s frequentes das células deste orgão, tentando responder à destruição tecidular). No Egipto, um dos países com maior taxa de infecção de ''S.hematobium'', a taxa de cancro da bexiga é várias vezes superior às de outros países por esse motivo. |
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A probabilidade de morte num doente com esquistossomose depende da imunidade. Na maioria dos casos a infecção é na infância. Os sintomas progridem piorando até à adolescencia, e se a criança sobreviver, o sistema imunitário começa a reponder de forma mais eficaz à doença, diminuindo os sintomas (mas sem cura). Devido ao facto de as crianças piorarem até à adolescencia e depois melhorarem ou morrerem, a doença é considerada um rito de passagem à maioridade em algumas tribos africanas e asiáticas. |
A probabilidade de morte num doente com esquistossomose depende da imunidade. Na maioria dos casos a infecção é na infância. Os sintomas progridem piorando até à adolescencia, e se a criança sobreviver, o sistema imunitário começa a reponder de forma mais eficaz à doença, diminuindo os sintomas (mas sem cura). Devido ao facto de as crianças piorarem até à adolescencia e depois melhorarem ou morrerem, a doença é considerada um rito de passagem à maioridade em algumas tribos africanas e asiáticas. |
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Há indicações que os doentes com maiores problemas e maior duração da doença (várias décadas) desenvolveram uma resposta imunitária [[TH2]] ineficaz, enquanto aqueles que desenvolveram resposta [[TH1]] sofrem menos complicações e curam-se em alguns anos apenas. |
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== Diagnóstico == |
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== História == |
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A esquistossomose com o desenvolvimento da agricultura passou de doença rara a problema sério. |
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Muitas múmias [[egipto|egipcias]] apresentam as lesões inconfundiveis da esquistossomose por ''S.hematobium''. A infecção pelos parasitas dava-se aquando dos trabalhos de irrigação da agricultura. As cheias do [[Nilo]] sempre foram a fonte da prosperidade do Egipto, mas também traziam os caracois portadores dos schistosomas. O hábito dos agricultores de fazer as plantações e trabalhos de irrigação com os pés descalços metidos na água parada, favorecia a disseminação da doença crónica causada por estes parasitas. Alguns especialistas acreditam que tanto no Egipto como na Mesopotâmia (inicialmente a [[Suméria]]), as duas mais antigas civilizações do mundo, a esquistossomose foi fundamental no surgimento de estados fortes guerreiros. O povo crónicamente debilitado pela doença, era facilmente dominavel por uma classe de guerreiros que, uma vez que não praticavam a agricultura irrigada, não contraíam a doença, mantendo-se vigorosos. Estas condições permitiram talvez a cobrança de impostos em larga escala com excedentes consideraveis que revertiam para a nova elite de guerreiros, uma estratificação social devida à doença que se transformaria nas civilizações. |
Muitas múmias [[egipto|egipcias]] apresentam as lesões inconfundiveis da esquistossomose por ''S.hematobium''. A infecção pelos parasitas dava-se aquando dos trabalhos de irrigação da agricultura. As cheias do [[Nilo]] sempre foram a fonte da prosperidade do Egipto, mas também traziam os caracois portadores dos schistosomas. O hábito dos agricultores de fazer as plantações e trabalhos de irrigação com os pés descalços metidos na água parada, favorecia a disseminação da doença crónica causada por estes parasitas. Alguns especialistas acreditam que tanto no Egipto como na Mesopotâmia (inicialmente a [[Suméria]]), as duas mais antigas civilizações do mundo, a esquistossomose foi fundamental no surgimento de estados fortes guerreiros. O povo crónicamente debilitado pela doença, era facilmente dominavel por uma classe de guerreiros que, uma vez que não praticavam a agricultura irrigada, não contraíam a doença, mantendo-se vigorosos. Estas condições permitiram talvez a cobrança de impostos em larga escala com excedentes consideraveis que revertiam para a nova elite de guerreiros, uma estratificação social devida à doença que se transformaria nas civilizações. |
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Revisão das 04h14min de 10 de julho de 2005
A Esquistossomose ou Bilharzíase é a doença crónica causada pelos parasitas multicelulares platelmintas do género Schistosoma. É a mais grave forma de parasitose por organismo multicelular, matando centenas de milhares de pessoas por ano.
- Reino: Animalia
- Filo: Platyhelminthes
- Classe: Trematoda
- Subclasse: Digenea
- Ordem: Strigeiformes
- Género: Schistosoma
- Espécies: S. mansoni, S. japonicum, S. mekongi S.intercalatum, S. haematobium, S.malayense (patogénicas para o homem); outras.
O Schistosoma é um verme platelminte trématode. Como todos os platelmintes o tubo digestivo é incompleto e tem sistemas de orgãos muito rudimentares. É um parasita intravascular e permanece sempre no lúmen dos vasos quando infecta o Homem. Assume várias formas no seu ciclo de vida.
- A forma adulta é a principal e existem dois sexos, ambos fusiformes. O macho é espalmado e mais grosso e têm uma calha longitudinal (o sulco ventral) no corpo, onde se encaixa e se aloja permanentemente a fêmea, cilindrica e mais fina mas um pouco mais longa. O seu comprimento varia com as espécies mas situa-se entre os 10 e os 20 milímetros.
- Os ovos são redondos ou elípticos com cerca de 60 micrómetros e têm um espinho afiado (terminal no S.hematobium, lateral no S.mansoni), que lesa os tecidos do hospedeiro quando são expelidos. Os miracídios imaturos no seu interior secretam enzimas que ajudam a dissolver a parede dos vasos.
- Os miracídios são formas unicelulares ciliadas que nascem dos ovos expelidos nas fezes ou urina humana, que vivem nos lagos ou rios em forma livre e são infecciosas para o caracol.
- Os esporocistos são as formas unicelulares no caracol, que se dividem assexualmente.
- As cercárias, com meio milímetro, são as formas larvares multicelulares com caudas bífidas que abandonam o caracol e penetram a pele dos seres humanos. Elas produzem várias enzimas e têm movimentos bruscos que lhes permitem furar a pele intacta em apenas alguns minutos. A cercária transforma-se após a penetração numa forma sem cauda que se denomina schistosolum. Os schistosolum são susceptiveis à destruição pelos eosinófilos, mas uma vez estabelecidos no pulmão, mascaram-se com proteínas e glícidos das células humanas, ficando practicamente indetectáveis.
Ciclo de Vida
O ciclo inicia-se com o caramujo (caracol aquático). Estes caramujos são hospedeiros intermediários do schistosoma, albergando o ciclo assexuado. Nos seus tecidos multiplicam-se os esporocistos, dando mais tarde origem às formas multicelulares cercarias, que abandonam o molusco e nadam na água. O homem é contaminado ao entrar em contato com as águas dos rios onde existem estes caramujos infectados. Se estas larvas encontrarem um ser humano na água, penetram pela pele nua e intacta, ou pelas mucosas, como da boca e esófago após ingestão da água, ou anal ou genital. Ela continua a penetrar os tecidos até encontrar pequenos vasos sanguineos, no interior dos quais entra. Viaja então pelas veias, passa pelo coração e atinge os pulmões pelas artérias pulmonares, onde se fixa.
Após alguns dias ocorre a transformação para a forma jovem, liberam-se e migram pelas veias pulmonares, coração e artéria Aorta até atingirem o fígado. Lá ocorre o amadurecimento das larvas em formas sexuais macho e fêmea, e o acasalamento (forma sexuada). Após este acasalamento, os parasitas migram juntos (a fêmea na calha do macho), contra o fluxo sanguíneo (migração retrógrada), atingindo as veias mesentéricas e do plexo hemorroidário superior (ou no caso do S.hematobium o plexo vesical da bexiga).
Lá, os parasitas põem milhares de ovos todos os dias, durante anos (entre três e quarenta anos). Os ovos passam do lumen dos vasos ao lúmen do intestino ou bexiga simplesmente destruindo todos os tecidos intervenientes. Atravessam a parede dos vasos sanguíneos, causando muitos danos tanto com os seus espinhos como pela reacção inflamatória do sistema imunitário que lhes reage. Atingindo o intestino são eliminados pelas fezes (ou no caso do S.hematobium atingem a bexiga e são libertados na urina). Os ovos, em contato com a água, liberam os miracídios que nadam livres até encontrar um caramujo (caracol aquático), penetrando-o. Dentro do caramujo ocorre a multiplicação da forma assexuada, o esporocisto, que se desenvolve na forma larvar que é libertada seis semanas após a infecção do caramujo, novamente recomeçando o ciclo.
Epidemiologia
Há 200 milhões de casos em todo o mundo. Endêmica em várias regiões tropicais e subtropicais do globo terrestre, com estimativas de mais de 200.000 mortes por ano, o Schistosoma tem várias espécies com interesse clínico. As mais significativas são: o S. mansoni, o S. japonicum e o S. hematobium.
- Schistosoma mansoni: É endémico em toda a África subsaariana, incluindo Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Existe também no Egipto (o S.hematobium é mais importante neste país), no delta do Nilo, em Madagáscar, e na peninsula da Árabia. No Brasil é causada também pelo S.mansoni, que veio provavelmente trazido da costa ocidental da África para a região nordeste do país com o tráfico de escravos e a inadequada exploração dos recursos hídricos. No entanto também existe no Sul, mas é rara na Amazónia. Hoje a estimativa de prevalência é de dez milhões de indivíduos infectados, com 60 a 80 % morando na região nordeste. Outras regiões das Américas que também têm parasitas trazidos pelos escravos são a Guianas, a Venezuela e as Caraíbas. O hospedeiro intermédiario são os caracois (caramujos) do género Biomphalaria, cujas principais espécies são o B. glabrata, o B. straminea e o B. tenagophila. Tem reservatórios animais nos (ou seja também infecta os) macacos, roedores e cães.
- Schistosoma hematobium: existe em toda a África Subsaariana incluindo Angola, Moçambique e Guiné-Bissau; o Egipto e a Mesopotâmia (Iraque) são particularmente afectados; e há focos menores no Norte de África, Península da Árabia e Índia. Já foram descritos casos endémicos no Algarve, Portugal mas são muito raros. Alguns especialistas acreditam que foram importados do Norte de África aquando da invasão dos mouros no século VIII. O hospedeiro intermediário são os caracois do género Bulinus com reservatório em macacos.
- Schistosoma intercalatum: existe apenas na floresta tropical do Congo. O seu caracol hospedeiro intermediario é o Bulinus, e os resenvatórios são as ovelhas e cabras.
- Schistosoma japonicum: endémico no sul da China, Filipinas, algumas ilhas da Indonésia, Malásia. Hospedeiro intermediario é o caracol Oncomelania, com reservatório no gado, bufalos, cães, porcos e roedores.
- Schistosoma mekongi: existe apenas na Indochina: Vietname, Laos e Cambodja. O hospedeiro intermediário são os caracois do género Neotricula, com reservatório nos cães.
- Schistosoma malayense: endémico na Mlásia.
As larvas e os caracois preferem as águas paradas. No Egipto e Iraque são comuns no periodo das cheias nos campos irrigados, enquanto no oriente infestam os campos alagados do arroz.
Progressão e Sintomas
A fase de penetração é o nome dado a sintomas que podem ocorrer quando da penetração da cercária na pele, mas mais frequentemente é assintomática, excepto em individuos já infectados antes. Nestes casos é comum surgir eritema (vermelhidão), reação de sensibilidade com urticária (dermatite cercariana) e prurido ou pápulas na pele no local penetrado, que duram alguns dias.
O período de incubação, entre infecção e sintomas, é de dois meses. Na fase inicial ou aguda, a disseminação das larvas pelo sangue e a divisão nos pulmões e depois no fígado activa o sistema imunitário surgindo febre, mal estar, cefaléias (dores de cabeça), astenia (fraqueza), dor abdominal, diarréia sanguinolenta, dispnéia (falta de ar), hemoptise (tosse com sangue), artralgias, linfonodomegalia e esplenomegalia, um conjunto de sintomas conhecido por sindrome de Katayama. Nas análises sanguineas há eosinofilia (aumento dos eosinófilos, células do sistema imunitário anti-parasitas). A produção de anticorpo pode levar à formação de complexos que causam danos nos rins.Estes sintomas podem ceder espontaneamente ou podem nem sequer surgir, mas a doença silenciosa continua.
Os sintomas crónicos são quase todos devidos à produção de ovos imunogénicos. Estes são destrutivos por si mesmos, com o sseus espinhos e enzimas, mas é a inflamação com que o sistema imunitário lhes reage que causa os maiores danos. As formas adultas não são atacadas porque usam moléculas self do próprio hóspede para se camuflar.
A fase crônica inicia-se após cerca de mais dois meses, com a maturação, crescimento e emparelhamento das formas adultas. A produção de grande quantidade de ovos que são depositados nos tecidos pelos parasitas seriam o estímulo à produção de reação inflamatória crônica ao redor dos mesmos, além dos ovos produzirem directamente enzimas destrutivas para os tecidos. Os ovos são disseminados pelo sangue e podem causar danos em orgãos bem irrigados como o pulmão e o cérebro (mais frequente se S.japonicum). O sistema imunitário reage aos ovos de modo destrutivo com produção de granulomas. Nas regiões com ovos os tecidos são destruidos e susbtituidos por fibrose cicatricial, havendo obviamente uma perda de função. A fase crónica difere nos sintomas conforme são schistosomas intestinais, como S.mansoni, S.intercalatum, S.japonicum ou S.mekongi, ou schistosomas urinários como o S.hematobium.
Nas esquistossomoses intestinais, os vermes adultos parasitam as veias mesentérica superior e o plexo hemorroidário, que é um complexo de veias que levam o sangue dos intestinos para a filtragem pelo fígado. Há diminuição da elasticidade hepática e obstrução ao fluxo sanguíneo devido à fibrosação causada pelas grandes quantidades de ovos que se depositam nesse orgão. As veias que chegam ao fígado começam a dilatar-se pela dificuldade encontrada no escoamento do sangue, formando varizes que envolvem os intestinos, o estômago, o esôfago e o baço. Cronicamente, o paciente evolui com ascite e hemorragias, dores abdominais e diarreia sanguinolenta. A morte é frequentemente devida à hipertensão portal devida à obstrução e fibrosação do fluxo sanguineo, com cirrose hepática ou rebentamento catastrófico de um variz esofágica.
A esquistossomose urinária (causada pelo S.hematobium) que pode alojar-se no plexo vesical, prostático, rectal ou uterino. Tem sintomas crónicos como dor ao urinar (disúria), sangue na urina e hiperemia, devidos à extensa necrose, fibrose e ulceração das vias e vasos urinários causada pelos ovos. Complicações graves são a pielonefrite e hidronefrose, com possivel desenvolvimento de insuficiência renal fatal. Outros problemas são as lesões deformantes dos orgãos sexuais e o cancro da bexiga (devido à maior taxa de mutação nas mitoses frequentes das células deste orgão, tentando responder à destruição tecidular). No Egipto, um dos países com maior taxa de infecção de S.hematobium, a taxa de cancro da bexiga é várias vezes superior às de outros países por esse motivo.
A probabilidade de morte num doente com esquistossomose depende da imunidade. Na maioria dos casos a infecção é na infância. Os sintomas progridem piorando até à adolescencia, e se a criança sobreviver, o sistema imunitário começa a reponder de forma mais eficaz à doença, diminuindo os sintomas (mas sem cura). Devido ao facto de as crianças piorarem até à adolescencia e depois melhorarem ou morrerem, a doença é considerada um rito de passagem à maioridade em algumas tribos africanas e asiáticas.
Há indicações que os doentes com maiores problemas e maior duração da doença (várias décadas) desenvolveram uma resposta imunitária TH2 ineficaz, enquanto aqueles que desenvolveram resposta TH1 sofrem menos complicações e curam-se em alguns anos apenas.
Diagnóstico
Os ovos podem ser encontrados no exame parasitológico de fezes, mas nas infecções recentes o exame apresenta baixa sensibilidade. Para aumentar a sensibilidade podem ser usados de coproscopia qualitativa, como Hoffman ou quantitativo, como Kato-Katz. A eficácia com três amostras chega apenas a 75%. O hemograma demonstra leucopenia, anemia e plaquetopenia. Ocorrem alterações das provas de função hepática, com aumento de TGO, TGP e fosfatase alcalina. Embora crie a hipertensão portal, classicamente a esquistossomose preserva a função hepática. Assim, os critérios de Child-Pught, úteis no cirrótico, nem sempre funcionam no esquistossomótico que não tem associado hepatite viral ou alcoólica. A ultra-sonografia em mãos esperientes pode faer o diagnóstico, sendo patognomônico a fibrose e espessamento periportal, hipertrofia do lobo hepático esquerdo e aumento do calibre da mesentérica superior.
Profilaxia
Saneamento básico com esgotos e água tratadas. Erradicação dos caramujos que são hospedeiros intermediários. Protecção dos pés e pernas com botas de borracha quando é feita a cultura do arroz e outros vegetais.
Tratamento
As duas únicas drogas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde são a oxamniquine e o praziquantel, que podem ser contraindicadas devido ao quadro clínico grave do paciente, pelo menos até que haja melhora.
O tratamento cirúrgico é reservado para as complicações, como o hiperesplenismo (esplenomegalia maciça) com manifestações clínicas, onde é indicado a esplenectomia, e no casos de sangramentos maciços por varizes esofágicas, quando é feita a desvascularização esofagogástricsa com esplenectomia e anastomose esplenorrenal distal. A utilização de propanolol tem sido útil na profilaxia da hemorragia digestiva por redução da pressão portal do gradiente de pressão venosa hepática e do fluxo da veia ázigos. O octreotide é usado no sangramento agudo com sucesso.
História
A esquistossomose com o desenvolvimento da agricultura passou de doença rara a problema sério.
Muitas múmias egipcias apresentam as lesões inconfundiveis da esquistossomose por S.hematobium. A infecção pelos parasitas dava-se aquando dos trabalhos de irrigação da agricultura. As cheias do Nilo sempre foram a fonte da prosperidade do Egipto, mas também traziam os caracois portadores dos schistosomas. O hábito dos agricultores de fazer as plantações e trabalhos de irrigação com os pés descalços metidos na água parada, favorecia a disseminação da doença crónica causada por estes parasitas. Alguns especialistas acreditam que tanto no Egipto como na Mesopotâmia (inicialmente a Suméria), as duas mais antigas civilizações do mundo, a esquistossomose foi fundamental no surgimento de estados fortes guerreiros. O povo crónicamente debilitado pela doença, era facilmente dominavel por uma classe de guerreiros que, uma vez que não praticavam a agricultura irrigada, não contraíam a doença, mantendo-se vigorosos. Estas condições permitiram talvez a cobrança de impostos em larga escala com excedentes consideraveis que revertiam para a nova elite de guerreiros, uma estratificação social devida à doença que se transformaria nas civilizações.
A doença foi descrita cientificamente pela primeira vez em 1851 pelo médico alemão T. Bilharz, que lhe dá o nome alternativo de bilharzíase.
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