Esquistossomose: diferenças entre revisões
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Revisão das 04h09min de 20 de maio de 2006
A Esquistossomose ou Bilharzíase é a doença crónica causada pelos parasitas multicelulares platelmintas do género Schistosoma. É a mais grave forma de parasitose por organismo multicelular, matando centenas de milhares de pessoas por ano.
Epidemiologia
Há 200 milhões de casos em todo o mundo. Endêmica em várias regiões tropicais e subtropicais do globo terrestre, com estimativas de mais de 200.000 mortes por ano, o Schistosoma tem várias espécies com interesse clínico. As mais significativas são: o S. mansoni, o S. japonicum e o S. hematobium.
- Schistosoma mansoni: É endémico em toda a África subsaariana, incluindo Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Existe também no Egipto (o S.hematobium é mais importante neste país), no delta do Nilo, em Madagáscar, e na peninsula da Arábia. No Brasil é causada também pelo S.mansoni, que veio provavelmente trazido da costa ocidental da África para a região nordeste do país com o tráfico de escravos e a inadequada exploração dos recursos hídricos. No entanto também existe no Sul, mas é rara na Amazónia. Hoje a estimativa de prevalência é de dez milhões de indivíduos infectados, com 60 a 80 % morando na região nordeste. Outras regiões das Américas que também têm parasitas trazidos pelos escravos são a Guianas, a Venezuela e as Caraíbas. O hospedeiro intermédiario são os caracois (caramujos) do género Biomphalaria, cujas principais espécies são o B. glabrata, o B. straminea e o B. tenagophila. Tem reservatórios animais nos (ou seja também infecta os) macacos, roedores e cães.
- Schistosoma hematobium: existe em toda a África Subsaariana incluindo Angola, Moçambique e Guiné-Bissau; o Egipto e a Mesopotâmia (Iraque) são particularmente afectados; e há focos menores no Norte de África, Península da Arábia e Índia. Já foram descritos casos endémicos no Algarve, Portugal mas são muito raros. Alguns especialistas acreditam que foram importados do Norte de África aquando da invasão dos mouros no século VIII. O hospedeiro intermediário são os caracois do género Bulinus com reservatório em macacos.
- Schistosoma intercalatum: existe apenas na floresta tropical do Congo. O seu caracol hospedeiro intermediario é o Bulinus, e os resenvatórios são as ovelhas e cabras.
- Schistosoma japonicum: endémico no sul da China, Filipinas, algumas ilhas da Indonésia, Malásia. Hospedeiro intermediario é o caracol Oncomelania, com reservatório no gado, bufalos, cães, porcos e roedores.
- Schistosoma mekongi: existe apenas na Indochina: Vietname, Laos e Cambodja. O hospedeiro intermediário são os caracois do género Neotricula, com reservatório nos cães.
- Schistosoma malayense: endémico na Malásia.
As larvas e os caracois preferem as águas paradas. No Egipto e Iraque são comuns no periodo das cheias nos campos irrigados, enquanto no oriente infestam os campos alagados do arroz.
Progressão e Sintomas
A fase de penetração é o nome dado a sintomas que podem ocorrer quando da penetração da cercária na pele, mas mais frequentemente é assintomática, excepto em individuos já infectados antes. Nestes casos é comum surgir eritema (vermelhidão), reação de sensibilidade com urticária (dermatite cercariana) e prurido ou pápulas na pele no local penetrado, que duram alguns dias.
O período de incubação, entre infecção e sintomas, é de dois meses. Na fase inicial ou aguda, a disseminação das larvas pelo sangue e a divisão nos pulmões e depois no fígado activa o sistema imunitário surgindo febre, mal estar, cefaléias (dores de cabeça), astenia (fraqueza), dor abdominal, diarréia sanguinolenta, dispnéia (falta de ar), hemoptise (tosse com sangue), artralgias, linfonodomegalia e esplenomegalia, um conjunto de sintomas conhecido por sindrome de Katayama. Nas análises sanguineas há eosinofilia (aumento dos eosinófilos, células do sistema imunitário anti-parasitas). A produção de anticorpo pode levar à formação de complexos que causam danos nos rins.Estes sintomas podem ceder espontaneamente ou podem nem sequer surgir, mas a doença silenciosa continua.
Os sintomas crónicos são quase todos devidos à produção de ovos imunogénicos. Estes são destrutivos por si mesmos, com o sseus espinhos e enzimas, mas é a inflamação com que o sistema imunitário lhes reage que causa os maiores danos. As formas adultas não são atacadas porque usam moléculas self do próprio hóspede para se camuflar.
A fase crônica inicia-se após cerca de mais dois meses, com a maturação, crescimento e emparelhamento das formas adultas. A produção de grande quantidade de ovos que são depositados nos tecidos pelos parasitas seriam o estímulo à produção de reação inflamatória crônica ao redor dos mesmos, além dos ovos produzirem directamente enzimas destrutivas para os tecidos. Os ovos são disseminados pelo sangue e podem causar danos em orgãos bem irrigados como o pulmão e o cérebro (mais frequente se S.japonicum). O sistema imunitário reage aos ovos de modo destrutivo com produção de granulomas. Nas regiões com ovos os tecidos são destruidos e susbtituidos por fibrose cicatricial, havendo obviamente uma perda de função. A fase crónica difere nos sintomas conforme são schistosomas intestinais, como S.mansoni, S.intercalatum, S.japonicum ou S.mekongi, ou schistosomas urinários como o S.hematobium.
Nas esquistossomoses intestinais, os vermes adultos parasitam as veias mesentérica superior e o plexo hemorroidário, que é um complexo de veias que levam o sangue dos intestinos para a filtragem pelo fígado. Há diminuição da elasticidade hepática e obstrução ao fluxo sanguíneo devido à fibrosação causada pelas grandes quantidades de ovos que se depositam nesse orgão. As veias que chegam ao fígado começam a dilatar-se pela dificuldade encontrada no escoamento do sangue, formando varizes que envolvem os intestinos, o estômago, o esôfago e o baço. Cronicamente, o paciente evolui com ascite e hemorragias, dores abdominais e diarreia sanguinolenta. A morte é frequentemente devida à hipertensão portal devida à obstrução e fibrosação do fluxo sanguineo, com cirrose hepática ou rebentamento catastrófico de um variz esofágica.
A esquistossomose urinária (causada pelo S.hematobium) que pode alojar-se no plexo vesical, prostático, rectal ou uterino. Tem sintomas crónicos como dor ao urinar (disúria), sangue na urina e hiperemia, devidos à extensa necrose, fibrose e ulceração das vias e vasos urinários causada pelos ovos. Complicações graves são a pielonefrite e hidronefrose, com possivel desenvolvimento de insuficiência renal fatal. Outros problemas são as lesões deformantes dos orgãos sexuais e o cancro da bexiga (devido à maior taxa de mutação nas mitoses frequentes das células deste orgão, tentando responder à destruição tecidular). No Egipto, um dos países com maior taxa de infecção de S.hematobium, a taxa de cancro da bexiga é várias vezes superior às de outros países por esse motivo.
A probabilidade de morte num doente com esquistossomose depende da imunidade. Na maioria dos casos a infecção é na infância. Os sintomas progridem piorando até à adolescencia, e se a criança sobreviver, o sistema imunitário começa a reponder de forma mais eficaz à doença, diminuindo os sintomas (mas sem cura). Devido ao facto de as crianças piorarem até à adolescencia e depois melhorarem ou morrerem, a doença é considerada um rito de passagem à maioridade em algumas tribos africanas e asiáticas.
Há indicações que os doentes com maiores problemas e maior duração da doença (várias décadas) desenvolveram uma resposta imunitária TH2 ineficaz, enquanto aqueles que desenvolveram resposta TH1 sofrem menos complicações e curam-se em alguns anos apenas.
Diagnóstico
Os ovos podem ser encontrados no exame parasitológico de fezes, mas nas infecções recentes o exame apresenta baixa sensibilidade. Para aumentar a sensibilidade podem ser usados de coproscopia qualitativa, como Hoffman ou quantitativo, como Kato-Katz. A eficácia com três amostras chega apenas a 75%. O hemograma demonstra leucopenia, anemia e plaquetopenia. Ocorrem alterações das provas de função hepática, com aumento de TGO, TGP e fosfatase alcalina. Embora crie a hipertensão portal, classicamente a esquistossomose preserva a função hepática. Assim, os critérios de Child-Pught, úteis no cirrótico, nem sempre funcionam no esquistossomótico que não tem associado hepatite viral ou alcoólica. A ultra-sonografia em mãos esperientes pode faer o diagnóstico, sendo patognomônico a fibrose e espessamento periportal, hipertrofia do lobo hepático esquerdo e aumento do calibre da mesentérica superior.
Profilaxia
Saneamento básico com esgotos e água tratadas. Erradicação dos caramujos que são hospedeiros intermediários. Protecção dos pés e pernas com botas de borracha quando é feita a cultura do arroz e outros vegetais. Informando a população sobre a doença e servindo água de qualidade a populaação. Não entrar em águas que tenham caramujos
Tratamento
As duas únicas drogas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde são a oxamniquine e o praziquantel, que podem ser contra-indicadas devido ao quadro clínico grave do paciente.Pelo menos até que haja melhora.
O tratamento cirúrgico é reservado para as complicações, como o hiperesplenismo (esplenomegalia maciça) com manifestações clínicas, onde é indicado a esplenectomia, e no casos de sangramentos maciços por varizes esofágicas, quando é feita a desvascularização esofagogástricsa com esplenectomia e anastomose esplenorrenal distal. A utilização de propanolol tem sido útil na profilaxia da hemorragia digestiva por redução da pressão portal do gradiente de pressão venosa hepática e do fluxo da veia ázigos. O octreotide é usado no sangramento agudo com sucesso.
História
A esquistossomose com o desenvolvimento da agricultura passou de doença rara a problema sério.
Muitas múmias egipcias apresentam as lesões inconfundiveis da esquistossomose por S.hematobium. A infecção pelos parasitas dava-se aquando dos trabalhos de irrigação da agricultura. As cheias do Nilo sempre foram a fonte da prosperidade do Egipto, mas também traziam os caracois portadores dos schistosomas. O hábito dos agricultores de fazer as plantações e trabalhos de irrigação com os pés descalços metidos na água parada, favorecia a disseminação da doença crónica causada por estes parasitas. Alguns especialistas acreditam que tanto no Egipto como na Mesopotâmia (inicialmente a Suméria), as duas mais antigas civilizações do mundo, a esquistossomose foi fundamental no surgimento de estados fortes guerreiros. O povo crónicamente debilitado pela doença, era facilmente dominavel por uma classe de guerreiros que, uma vez que não praticavam a agricultura irrigada, não contraíam a doença, mantendo-se vigorosos. Estas condições permitiram talvez a cobrança de impostos em larga escala com excedentes consideraveis que revertiam para a nova elite de guerreiros, uma estratificação social devida à doença que se transformaria nas civilizações.
A doença foi descrita cientificamente pela primeira vez em 1851 pelo médico alemão T. Bilharz, que lhe dá o nome alternativo de bilharzíase.
Ver também
- Schistosoma, o parasita responsável por esta doença e o seu ciclo de vida.