Ensino de História e Suas Práticas de Pesquisa
Ensino de História e Suas Práticas de Pesquisa
Ensino de História e Suas Práticas de Pesquisa
Ensino de História
e suas práticas de pesquisa
2a edição
E-book
OI OS
EDITORA
São Leopoldo
2021
© Dos organizadores – 2021
Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão: Rui Bender
Diagramação e arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund
Apresentação ............................................................................................. 9
Juliana Alves de Andrade
Nilton Mullet Pereira
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Apresentação
Neste momento, cada qual busca em sua memória orientações para enfrentar
os desafios que se apresentam. Ambos lembram-se das orientações poéticas
do filósofo Silva Miranda ao afirmar que, “quando os abismos aparecem, é
hora de se levantar (…)” (MIRANDA, 2015, p. 39). Ao mesmo tempo, reto-
mam os ensinamentos dos saberes e fazeres formulados pelos povos tradicio-
nais e pelas ciências humanas.
Nesse exercício de reflexão, aprenderam que é preciso levantar-se e tor-
nar-se exploradores do abismo (VILA-MATA, 2013, p. 9). As pesquisadoras de-
cidiram encarar o abismo. Escolheram saltar. Explorar o espaço desconheci-
do. A inquietude e a incerteza trazidas pela decisão fazem com que procurem
lançar mão, na hora do salto, de um instrumento que as ajude a vencer o abis-
mo. Ao pular, os investigadores escolheram abrir os seus famosos paraquedas
coloridos (KRENAK, 2019, p. 46), produzidos por exploradores anteriores,
para amortecer a queda e permitir que se veja o abismo sob um novo ângulo.
Logo, estar à beira do abismo lhes permitia ver muitos fenômenos, mas
se lançar possibilitava ampliar a perspectiva. E assim fizeram. É preciso dei-
xar-se levar na aventura de explorar o abismo. É, nesse sentido, que o livro lhes
oferece histórias dos que se tornaram exploradores do abismo.
Escolhemos iniciar a nossa apresentação usando a metáfora do abismo e
dos paraquedas coloridos, inspirados nas autoras que pensam os espaços e suas
fissuras, ou seja, naquelas que chamam atenção para os deslocamentos reali-
zados no campo, quando se perde a confiança nas certezas propagadas pelos
métodos quantitativos e se abandonam os recortes, objetos, noções, categorias
e modelos interpretativos clássicos. Diante do legado das ciências sociais e
ciências humanas, que têm como marca grandes modelos explicativos (méto-
dos quantitativos ou qualitativos), o nosso movimento é marcar posição e pon-
tuar as questões que afetam a pesquisa em Ensino de História como campo de
produção do conhecimento.
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Juliana Alves de Andrade • Nilton Mullet Pereira
Para nós, dizer que estamos à beira do abismo é afirmar que falamos de
um lugar, que tomamos uma posição no campo para refletir sobre as condi-
ções de produção e circulação do conhecimento sobre o Ensino de História.
Essa metáfora nos permite pensar que o Ensino de História é um campo de
infinitas dimensões e que, justamente por isso, nos oferece inúmeras possibili-
dades de encontros e de diálogos.
Nesse sentido, o livro consegue expressar o sentimento político e epistê-
mico que permeou a organização da coletânea de textos. Já que a intenção é
caminhar para além de uma perspectiva que preze pela “articulación canónica
aprender/aplicar/cambiar” (ZAVALA, 2019, p. 109). Na verdade, os leitores
encontrarão relatos de experientes pesquisadores e seu encontro com o abis-
mo. Com isso ressaltamos que os instrumentos, os conceitos, as fontes e os
métodos apresentados no livro não devem ser tomados como um modelo uni-
versal, mas como percursos epistemológicos e metodológicos singulares, que
os investigadores usaram perante seus desafios.
Apresentamos às novas pesquisadoras e demais interessadas nos pro-
blemas do campo do Ensino de História o mundo cintilante de pessoas que
pesquisam no Brasil o ensino e a aprendizagem em História, não todas, é bem
verdade, pois há muito aí fora. Aproveitamos esse momento e pedimos licença
aos encantados que protegem os caminhos da liderança indígena como Ailton
Krenak para usar seus ensinamentos, já que o livro usa uma metáfora inspira-
da em Krenak, que nos oferece estratégias para enfrentar o abismo.
Com isso, nesta coletânea, o homem branco e heterossexual deixa de
ser o modelo a partir do qual as pessoas e os povos são julgados, as histórias
são contadas e os seres do mundo são moralizados e entristecidos. Esse ho-
mem do lucro e da mercadoria torna o mundo triste. Por isso Krenak nos
oferece, em seu lugar, histórias ainda não contadas, mas muitas histórias, de
muitos povos, de muitos lugares, de muitos gêneros, de muitos “quase huma-
nos”. Histórias para adiar o fim do mundo.
Oferecemos um livro, portanto, para produzir encontros alegres e po-
tencializadores da vida, para que se possa ampliar as possibilidades de viver e
sobretudo de deixar viver, de escutar os rumores das diferentes histórias que a
colonialidade calou. É para ser lido como um conjunto de forças que criam
novos mundos ao pensar sobre nossas relações com o passado, mas sobretudo
ao pensar e problematizar as relações que temos estabelecido com as pessoas e
com a natureza.
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Apresentação
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Juliana Alves de Andrade • Nilton Mullet Pereira
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Apresentação
Referências
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2013.
COUTO, Mia. O fio das missangas: contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
KRENAK, AILTON. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
MIRANDA, Silva. Por Dentro do Abismo (Poesia). In: Rodapés do abismo. Rio de Janei-
ro: Editora Multifoco, 2015.
MOREIRA, Marco Antonio Moreira. Metodologias de Pesquisa em Ensino. São Paulo:
Editora Livraria Física, 2011.
VILA-MATAS, Enrique. Exploradores do abismo. São Paulo: Cosacnaify, 2013.
ZAVALA, Ana. Enseñar Historia: Elementos para una teoría práctica de la práctica de la
enseñanza de la historia. Montevideo: Editora Banda Oriental, 2019.
1
O uso da linguagem inclusiva no texto se faz necessário. Estamos aprendendo um modo de fazer
isso. Sabemos que a linguagem binária não é o suficiente, entretanto, neste momento de aprendi-
zagem, optamos por usar, de modo intercalado, os gêneros masculino e feminino, dando um peso
maior para este último.
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Parte 1
Questões Epistemológicas
da pesquisa em ensino
de História
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Historiografia escolar
e historiografia acadêmica:
relações possíveis na produção do
conhecimento sobre ensinar e aprender História
Renilson Rosa Ribeiro1
Amauri Junior da Silva Santos2
Um convite à reflexão
A operação do fazer histórico enfrenta permanentemente os grandes
dilemas da decantação do tempo e do exercício da alteridade. Assim como
somos artefatos da experiencia vivida e compartilhada, o passado conhecido é
presidido pelas questões do presente e atravessado por expectativas de futuro.
Não importa o quão imersos estejamos no passado por intermédio das fontes
e da metodologia aplicada; a suspensão de si e de suas expectativas de forma
absoluta é uma ilusão.
Vale lembrar que, em A Escrita da História (1982), o historiador francês
Michel de Certeau destaca justamente que a operação historiográfica precisa
ser compreendida dentro e fora dos textos, visto que o fazer histórico diz res-
peito à combinação de um lugar social, de práticas e de uma escrita identifica-
das como científicas. Em outras palavras, na prática de narrar a história exis-
tem “não ditos” subscritos, e através de recursos teórico-metodológicos o his-
toriador constrói e confere sentido a um acontecimento ou artefato escolhido
que não nos representaria uma referência significativa caso fosse visto fora do
seu contexto.
Desse modo, o historiador precisa enfrentar o desafio do distanciamen-
to para ser capaz de edificar o saber científico – conduzido por esse propósito,
adota uma abordagem metodicamente organizada e sustentada em bases em-
píricas que o desloque parcialmente de seu objeto de forma a conduzi-lo ao
encontro da experiência passada (ou da sua simulação virtual). Esse conjunto
de procedimentos seria, portanto, capaz de produzir uma narrativa entrecorta-
da por perspectivas que lhe concederia o status de ciência historiográfica. E é
precisamente com esse processo e produto da reflexão histórica – a historio-
grafia – que este trabalho se ocupa.
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[...] soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua
experiência de evolução no tempo do seu mundo e de si mesmos, de forma
tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo (RÜ-
SEN, 2011, p. 57).
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Para além de uma teoria, a história pública é uma prática: é uma maneira de
se fazer História para e com o público. Essa prática é informada pela histó-
ria disciplinar produzida nas escolas e universidades, mas tem como objeti-
vo alcançar e se engajar com a comunidade mais ampla, debatendo cultura,
fornecendo serviços e facilitando o acesso à informação. Isso pode ser feito
de formas variadas, como exposições, planos patrimoniais, podcasts e pro-
dução de mídias para redes sociais, mas também pela incorporação do de-
bate sobre o resultado da informação ou conhecimento histórico mobiliza-
do nesses tipos de mídias e espaços (BOVO; PINHEIRO, 2019, p. 125).
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de cada dia. E difícil por reivindicar novas práticas na cultura escolar e acadê-
mica, lembrando que escola e universidade têm um compromisso comum com
a educação histórica dos cidadãos.
Cabe destacar que a descolonização da vida em sociedade (“fechada”)
pelas transformações do mundo contemporâneo – principalmente a partir da
inserção e dos usos na vida prática dos indivíduos das tecnologias da comuni-
cação e informação, forjando o universo da cibercultura, rompendo as frontei-
ras e os paradigmas de organização social, política e cultural e de concepção
de humanidade – torna ainda mais urgente a necessidade de que as institui-
ções de ensino (escolas e universidades) e, consequentemente, o ensino da
História enquanto área disciplinar operem com base em novo referencial edu-
cacional, não mais como lugar de transmissão de informação, mas como espa-
ços efetivamente interligados na problematização dos dilúvios de informações
e aprendizados que envolvem os estudantes habituados à internet e à tecnolo-
gia da informação.
Realizar atividades científicas em sala de aula a partir de situações-pro-
blema diárias e construir conhecimentos efetivamente vividos como experiên-
cias sociais não podem ser consideradas “escolhas” ou simples “opções” do
tempo presente, descontextualizadas de uma perspectiva histórica. É um dese-
jo “forjado” de nossa cultura reconhecer nos alunos os coautores dos proces-
sos de ensinar aprender a aprender dentro de uma cultura científica – que a
cada dia ganha novas/diversas tonalidades e dimensões nas redes da vida prá-
tica das pessoas.
Com essa intenção, Jörn Rüsen (2001, p. 159) afirmou que as ideias
históricas prévias apresentadas pelos estudantes são elementos da memória
que os sujeitos têm das suas experiências com o passado. A partir dessa con-
cepção, esse historiador compreendeu as ideias prévias como protonarrativas.
Para ele, o cotidiano das crianças e dos jovens está cheio de elementos frag-
mentados das histórias, de alusões a histórias, de parcelas de memória, de
“narrativas abreviadas”. A compreensão desses fragmentos narrativos, por-
tanto da protonarrativa, é possível a partir da consciência da “estrutura de
uma narrativa histórica: alguém conta a alguém uma história, na qual o passa-
do é tornado presente, de forma que possa ser compreendido, e o futuro é
esperado”.
A instituição escolar não pode furtar-se do compromisso como articula-
dora de diferentes espaços e situações que lidam com o conhecimento, propi-
ciando a criação e o desenvolvimento de comunidades e culturas colaborati-
vas de aprendizagem, interação e intercâmbio. Superar distâncias não signifi-
ca apagar a diversidade, e sim permitir o encontro do ser humano consigo
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Historiografia escolar e historiografia acadêmica: relações possíveis na produção do
conhecimento sobre ensinar e aprender História
Referências
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Presença 1970.
ARAUJO, V. L. História da historiografia como analítica da historicidade. História da
Historiografia, v. 12, p. 34-44, 2013.
BENTIVOGLIO, J.; NASCIMENTO, B. C. (Eds.). Escrever História: historiadores e his-
toriografia brasileira nos séculos XIX e XX. Vitória: Milfontes, 2017.
BOVO, C. R.; PINHEIRO, M. S. História pública e virtualidade: experiências de apren-
dizagem híbrida no ensino de História. Revista História Hoje, v. 8, n. 16, p. 113-134, 2019.
BURKE, P. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989. São
Paulo: Ed. UNESP, 1991.
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CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.
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COELHO, M. C.; COELHO, W. N. B. História, historiografia e saber histórico esco-
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FANAIA, J. E. A. História, saber acadêmico e saber escolar: um diálogo possível?
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GO, R. História pública no Brasil: sentidos e itinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p.
57-69.
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Renilson Rosa Ribeiro • Amauri Junior da Silva Santos
1
Doutor em História pela UNICAMP. Docente do Departamento de História do Programa de
Pós-Graduação em Estudo de Linguagem e do PROFHISTÓRIA – Mestrado Profissional em
Ensino de História da UFMT/Cuiabá. E-mail: [email protected].
2
Doutorando em História pela UFMT. Bolsista Capes. E-mail: [email protected].
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Diálogos possíveis entre
produzir, ensinar e aprender
histórias decoloniais
Elison Antonio Paim1
Helena Maria Marques Araújo2
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Diálogos possíveis entre produzir, ensinar e aprender histórias decoloniais
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Elison Antonio Paim • Helena Maria Marques Araújo
Referências
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CHAGAS, Mário de Souza. Memória e poder: contribuição para a teoria e a prática nos
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Diálogos possíveis entre produzir, ensinar e aprender histórias decoloniais
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Elison Antonio Paim • Helena Maria Marques Araújo
REDE BRASIL ATUAL. Assassinato de liderança indígena revela: Bolsonaro ‘cria ódio con-
tra essas populações’. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/
2019/07/assassinato-de-lideranca-indigena-revela-bolsonaro-cria-odio-contra-essas-popu-
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ROSA, Maria Inês Petrucci et al. Uma outra compreensão de currículo. Currículo sem
fronteiras, v. 11, n. 1, p. 198-217, 2011.
SANTANA, Tatiana Oliveira. Narrativas Femininas Guajajara e Akratikatêjê no ensino su-
perior. Dissertação (Mestrado) – UFSC, Florianópolis, 2017.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais
a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria
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SANTOS, Boaventura de Souza. Um ocidente não-ocidentalista? A filosofia à venda,
a douta ignorância e a aposta de pascal. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENE-
SES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra, Portugal: Almedina, 2009.
p. 446-486.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insur-
gencias político-epistémicas de refundar el Estado. In: Tábula Rasa. Bogotá – Colôm-
bia, n. 9, p. 131-152, julio-diciembre 2008.
WALSH, Catherine (Ed.). Lo pedagógico y lo decolonial: entretejiendo caminhos. Pe-
dagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Qui-
to, Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 2013. p. 23-68.
1
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Mestrado
Profissional em Ensino de História (Profhistória) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Pós-doutor pelo Instituto Superior de Ciências da Educação – ISCED. Doutor em Educação
pela Unicamp e Mestre em História pela PUC-SP. Membro dos grupos de pesquisa Pameduc
(UFSC), Rastros (USF) e Kairós (UNICAMP). E-mail: [email protected].
2
Professora Adjunta de História do CAp/ UERJ e de Estágio Supervisionado de História da
UERJ, do Programa de Pós-Graduação de Ensino em Educação Básica (PPGEB) do CAp/
UERJ e do Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória – UERJ). Pós-doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). E-mail:
[email protected].
3
Estudiosos da decolonialidade apontam que a colonização aconteceu e continua acontecendo
em várias frentes, como a colonialidade do poder, a colonialidade do ser, a colonialidade do saber
e a colonialidade da natureza. Para tal conhecimento sugerimos a leitura de produções anteriores
dos autores Memórias outras, patrimônios outros e decolonialidades: contribuições teórico-metodológicas
para o estudo de História da África e dos afrodescendentes e de história dos indígenas no Brasil (ARAUJO;
PAIM, 2018); Para além das leis: o ensino de culturas e histórias africanas, afrodescendentes e indígenas
como decolonização do ensino de História (PAIM, 2016).
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Consciência e Educação Históricas
Estevão Chaves de Rezende Martins1
Consciência e sentido
Assim, todo agente racional humano busca atribuir sentido ao que faz
e/ou àquilo pelo que passa. Isso ocorre no plano intencional: valores, ideias
ou interesses, presentes, transmitidos e praticados no âmbito da respectiva cul-
tura, fundamentam e orientam o agir. Esse contexto cultural está interiorizado,
mais ou menos ampla e conscientemente, e precede, ao menos no plano lógico,
o agir concreto de cada um. No plano interpretativo, que elabora sínteses articu-
ladas de sentido para a existência de cada pessoa, há a mesma preocupação com
o estabelecimento de um significado plausível para a memória enraizada (lega-
do cultural enraizado) e para a memória ativa (prática do viver, concreta, no dia
a dia). A memória enraizada está incluída no que se convenciona chamar de
consciência histórica. Nessa consciência estão reunidos os elementos confor-
madores da identidade, com os quais o indivíduo elabora e estrutura o tempo
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Estevão Chaves de Rezende Martins
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Universalidade e universidade
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Consciência e Educação Históricas
metas e critérios que organizam seu agir. Assim, a perspectiva estrutural histó-
rica é fundamental. A investigação histórica fornece, caso a caso (e comparati-
vamente), os elementos empíricos que identificam os agentes, seus agrupa-
mentos, suas formações sociais, seus componentes mentais, suas opções inte-
lectuais, suas decisões políticas, suas formas de produção econômica, seus
modos de institucionalização estatal. Organizados teoricamente em uma ex-
plicação compreensiva da sociedade, esses elementos servem de rede catego-
rial de referência para a análise e a crítica dessa mesma sociedade. A historio-
grafia, por conseguinte, exerce uma função social crítica que esteia o exame
do ser humano e de suas circunstâncias, e não apenas dessas.
O esclarecimento objetivado pelas Luzes setecentistas, pois, é uma tare-
fa constante, cuja meta última é a libertação da pessoa de quaisquer coerções,
de preconceitos tradicionais e de dominação ilegítima mediante educação, crí-
tica pública e debate livre que banissem a ignorância, a superstição e a intole-
rância. Para lá chegar, é indispensável o recurso ao uso maduro da razão como
reguladora de todas as relações privadas e públicas. Sem identificar-se neces-
sariamente com os projetos concretos de sua época, a proposta iluminista arti-
cular-se como mola propulsora da modernidade, em que crítica e utopia se
completam. Como escreveu Nicolai em 1806, a História porta o facho do Ilu-
minismo, pois sem a História o entendimento humano é cego, como afirmava
Christian Thomasius, um dos “iluministas precoces”, cuja obra foi uma das
fontes de formação de Kant e de sua geração.19 O espírito das Luzes informou
o interesse social e científico pela História, em particular no aspecto da crítica
da tradição e da sensibilidade individual e coletiva quanto à mudança, à edu-
cabilidade, ao aperfeiçoamento.
Independentemente das interpretações restritivas, deterministas ou fa-
talistas construídas ao longo do século XIX e fortemente politizadas durante o
século XX, a posição iluminista trouxe para a ciência histórica moderna qua-
tro inovações de monta: (a) a ideia de progresso – isto é, a humanidade, toma-
da enquanto coletivo-singular (nas duas acepções enunciadas acima) – como
referência de perfectibilidade constante do agente, de suas razões, de seus mo-
tivos, de seus objetivos; (b) os métodos rigorosos de controle da validade das
asserções, cujo fundamento são a pesquisa empírica e a intersubjetividade; (c)
a perspectividade do conhecimento histórico – vale dizer: qualquer conheci-
mento histórico é sempre construído (embora não inventado) a partir de certo
ponto de vista (habitualmente teórico) e carece de sustentação; do que decorre
a quarta inovação (d): a forma expositiva do conhecimento histórico deve ser
sistematicamente argumentativa, demonstrativa. A ciência histórica fornece,
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Estevão Chaves de Rezende Martins
Referências
CERRI, Luís Fernando. Ensino de História e Consciência Histórica: Implicações Didáticas
de uma Discussão Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
CERRI, Luís Fernando. Os jovens e a História: Brasil e América do Sul. Ponta Grossa:
Editora da UEPG, 2018.
CERRI, Luís Fernando. Um lugar na História para a Didática da História. Em: Histó-
ria & Ensino, v. 23, p. 11-30, 2017.
MARTINS, Estevão C. de Rezende. Cultura, história, cultura histórica. Em: ArtCultu-
ra (UFU), v. 25, p. 61-79, 2013.
MARTINS, Estevão C. de Rezende. História, historiografia e pesquisa em educação
histórica. Em: Educar em Revista (Impresso), v. 35, p. 17-33, 2019.
MARTINS, Estevão C. de Rezende. Processos históricos, aprendizagem e educação de
uma ‘segunda natureza humana’. Em: Educar em Revista (Impresso), v. 60, p. 73-91, 2016.
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Consciência e Educação Históricas
1
Professor titular emérito da Universidade de Brasília. PhD (Munique, Alemanha, 1976).
Pesquisador CNPq 1A (História). Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Teoria e História
da Historiografia (2009-2015). Vice-presidente da Comissão Internacional de História dos
Parlamentos e Instituições Representativas (desde 2011). Contato: [email protected]
2
Ver dentre outros Serge Gruzinski. La pensée métisse. Paris: Fayard, 1999. Ed. brasil. O pensamento
mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
3
Cf. Estevão de Rezende Martins. “Cultura, história, cultura histórica”, ArtCultura, Uberlândia,
v. 14, n. 25, p. 63-82, jul.-dez. 2012.
4
Ver RÜSEN. Jörn, ERNST, Wolfgang e GRÜTTER, Heinrich Theodor (orgs.). Geschichte sehen.
Beiträge zur Ästhetik historischer Museen. Pfaffenweiler: Centaurus, 1988.
5
A ideia de Europa. Lisboa: Gradiva, 2005. p. 65.
6
Klemens Wenzel von Metternich (1773-1859), diplomata e homem político austríaco, artífice
da política imperial habsburgo, é herdeiro da extraordinária habilidade política e diplomática
de Anton Kaunitz (1711-1794), chanceler de Maria Teresa, José II e Leopoldo II, de 1753 a
1793.
7
O primeiro Estado a introduzir o ensino obrigatório (a “escola obrigatória”, nesses termos,
aparece na segunda metade do século XIX) foi o ducado alemão do Palatinado-Zweibrücken,
em 1592, por decreto de seu titular, convertido ao calvinismo. Dos Estados de maior porte, a
Prússia foi um dos primeiros países a decretar tal obrigação por alvará real de 28 de setembro
de 1717. A norma prussiana de então previa um abono pecuniário por criança, em particular
quando fosse necessária ao trabalho agrícola.
61
Estevão Chaves de Rezende Martins
8
Der Streit des Philanthropismus und Humanismus in der Theorie des Erziehungsunterrrichts unserer
Zeit. Jena, 1808, p. 190.
9
O vocabulário alemão a que me refiro aqui utiliza duas expressões consagradas: Bildung e
Erziehung. A primeira será empregada na tradução “formação”, que encerra também
parcialmente os sentidos de autoeducação, de acervo adquirido (na acepção de “pessoa de boa
[ou má] formação”) e ainda de cultura em sentido amplo – sempre referida ao sujeito em si
mesmo. A segunda aparece sempre como “educação”, em termos clássicos, ou seja: o processo
de educar, ensinar, formar, tendo o homem como “objeto”. Não raros, os autores mesclam, no
entanto, os dois sentidos. Assim, o mesmo sujeito pode ser considerado como agente de seu
processo formativo e como seu próprio educador, como se outrem fosse.
10
Carta de 20 de julho de 1789.
11
W. von Humboldt: Ideen (ver nota 7), p. 107.
12
Cf. Herbert Marcuse. Onedimensional Man. Londres: Routledge, 2002 (ed. orig. 1964).
13
A república das letras, o mundo do conhecimento plural – em particular da segunda metade
do século XVIII –, tal como o descreve e analisa Daniel Roche (Les Républicains des lettres.
Paris: Fayard, 1988), exprime-se crescentemente ao longo do século XIX. As revoluções ditas
liberais (entre 1810 e 1848) e os movimentos reivindicatórios de resgate da condição operária
(notadamente o Manifesto Comunista de 1848) são suas expressões marcantes. A
constitucionalização dos regimes políticos é outra forma destacada de progresso da concepção
igualitária da cidadania, mesmo se lacunar, para além dos feitos da Revolução Francesa.
14
Uma análise sugestiva da incomensurabilidade da consciência histórica do e no presente
encontra-se em Zygmunt Bauman. Liquid Modernity. Cambridge: Polity, 2000 [ed. br. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001] e Liquid Times. Living in an Age of Incertainty. Cambridge: Polity, 2007.
15
José Bonifácio de Andrade e Silva. Projetos para o Brasil. Miriam Dolhnikoff (org.). São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
16
Chama-se comumente essa posição de modernização conservadora em termos políticos. No
início do século XIX, o passo para a independência é visto como modernizador. Que no Brasil
isso se tenha feito no mesmo quadro econômico da produção fundada no sistema escravista e
na continuidade política da lógica portuguesa de administrar (incluída a dinastia dos Braganças)
– malgrado resistências não negligenciáveis, em particular dos assim chamados ‘republicanos’
do Rio de Janeiro ou de Recife – configuraria a dimensão conservadora. Cf. Lúcia Maria B.
Pereira das Neves e Humberto F. Machado. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999 (esp. p. 84-108) e Renato Lopes Leite. Republicanos e libertários no Rio de Janeiro 1822. São
Paulo: Brasiliense, 1999.
17
Sobre a questão da antecipação de riscos políticos subsequentes à percepção no Brasil da
Revolução Francesa, especialmente do Terror, pode-se ver Estêvão de Rezende Martins: “La
révolution au Brésil: l’idée du nouveau et du définitif ” em X. Guerra (org.): Cahiers des Amériques
Latines: L’Amérique Latine face à la Révolution Française – l’héritage révolutionnaire: une modernité
de rupture. Paris: IHEAL, 1990. p. 81-89.
18
Cf. Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung? Berlim: Akademie-Ausgabe, vol. VIII (1912/
23), ed. fac-similar De Gruyter, 1968, p. 33-42 (VIII, 35.1-8). Cf. Prefácio à Crítica da Razão
Pura (edição de 1781), vol. IV, 9.33-35 [nota].
19
Cf. R. Koselleck. “Geschichte”, em Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politisch-
sozialen Sprache in Deutschland. Edit. O. Brunner et al., vol. 2, Stuttgart: Klett-Cotta, 1975. p.
593-717.
62
Do chão da sala de aula:
possibilidades para a história
das disciplinas no Ensino Superior
a partir de Fernand Braudel
Aryana Lima Costa1
63
Aryana Lima Costa
historiadores que foram tidos como dignos de ter suas lembranças transforma-
das em fontes para essa história: Eduardo d’Oliveira França e Alice Canabra-
va ressaltam o fascínio que Fernand Braudel despertava. Jean Gagé, por sua
vez, pouco é lembrado. Aos professores de Geografia pouca ênfase é dada,
uma vez que as entrevistas giram em torno do campo da História, que se con-
solidou como área acadêmica separada daquela com que nasceu nas Faculda-
des. Sobre os professores nacionais pouco é dito; as críticas aos professores
brasileiros atêm-se principalmente ao campo da produção historiográfica. Mui-
to embora alguns pesquisadores brasileiros já tenham contribuído para mati-
zar essa memória disciplinar que sobrevaloriza a presença estrangeira no pos-
terior desenvolvimento da historiografia brasileira, essa diferença qualitativa
perdurou por algum tempo em nossas análises.
Em relação à abordagem teórico-metodológica, como já sugerido pela
menção à história das disciplinas escolares na abertura do texto, pautei-me
pelas contribuições de André Chervel (1990). A quantidade de obras (livros,
revistas, boletins, registros de seminários e encontros, etc.) na literatura refe-
rente a uma didática da História no nível da educação básica, além de maior,
tem sido frequentemente publicizada e organizada em decorrência do cons-
tante interesse dos pesquisadores da área, ao contrário do que ocorre com o
material a respeito de uma metodologia do ensino superior de História.
É preciso ter em mente que realizar uma simples transposição das dis-
cussões realizadas pela “história das disciplinas escolares” para uma suposta
“história das disciplinas universitárias” ou “acadêmicas” seria inadequado.
Cada um dos níveis de ensino detém função e características próprias, e uma
investigação dessa natureza obrigatoriamente deve levar em consideração as
especificidades da configuração dos conhecimentos universitários. Entretanto
essa área de estudos abre uma seara interessante para compreender como a
constituição do próprio espaço acadêmico – como os horários de aula, as ava-
liações, a vulgata utilizada na bibliografia das disciplinas – interfere, seja retar-
dando, seja abrindo espaço, no surgimento (e supressão) de áreas de interesse
e na canonização de obras através de sua utilização em sala de aula, permitin-
do a sua perpetuação através das gerações – constituindo, assim, tradições.
Gostaria de defender por meio desse exemplo que a partir da história da
formação de profissionais de História é possível lançar um outro olhar sobre a
circulação e produção de História, acarretando inclusive em um exercício teó-
rico-metodológico para pensar novos caminhos no que concerne à historio-
grafia, à história das instituições superiores de educação e da área de referên-
cia enquanto disciplina acadêmica, expandindo uma história das ideias ou das
64
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
65
Aryana Lima Costa
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Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
posto de comando. Começa sua lição, que, na realidade, é uma viagem lon-
ga e difícil (...) (1955, p. 4).
Braudel narra a sua palestra da mesma forma como recomenda que seja
uma aula de História (Imaginai-vos.... O professor ocupa.... Começa sua lição...). A
sua narrativa começa, pois, na sala de aula, de onde mais adiante passa à casa
do professor, onde esse prepara suas lições. Braudel pratica com seu auditório
o mesmo que lhe recomenda, o que fará ainda repetidas vezes.
Essa viagem, a narrativa escolar, precisa ser antes de tudo simples. O
mote da simplicidade norteia o formato de sua aula de História, e para alcan-
çá-la, a primeira estratégia que recomenda é o foco nas grandes ideias que
precisam ser discernidas das ideias secundárias. É exatamente o que Braudel
faz, mais uma vez, com a sua própria fala: a simplicidade é aqui, sua primeira
grande ideia, que ocupa quase toda essa primeira parte da palestra. E como
ideias secundárias Braudel desfia suas estratégias. Começa pela repetição: “Não
receeis ter de repetir uma ideia importante dez vezes se assim for preciso (...).
O melhor a fazer no ensino secundário, sobretudo para o acomodar às pausas
indispensáveis, é repetir o mesmo tema, variando a forma (...)” (1955, p. 5). E
para exemplificar, o que faz? Usa repetidos raciocínios sobre o peso do mar
Egeu no desenvolvimento da civilização helênica. Como se não bastasse, usa
ainda o exemplo de Henri Pirenne, de quem diz que descrevia “dez, vinte
vezes” o fechamento do mar Mediterrâneo na Idade Média pelos árabes e não
cansava sua audiência (1955, p. 7).
Henri Pirenne é para Braudel um exemplo que sintetiza um só proble-
ma para o ensino e para a historiografia: a comunicação de um pensamento, o
encontro de sua forma ideal, para que seja entendido tanto nas escolas primárias
como pelos eruditos.7 Nessa exortação, a busca da forma ideal do pensamento
tem como objetivo “encantar o auditório, tanto o grande público como os círcu-
los dos eruditos” (1955, p. 7). Em coerência com o seu apelido, aqui já fica
evidente o quanto o príncipe charmant entende que o ensino de História tome a
forma como conteúdo do saber histórico – a narrativa histórica é o conteúdo a
ser ensinado a seus alunos não só pelos fatos que ela organiza, mas pelas estra-
tégias que ela adota ao organizá-los. Quanto mais “simples” e “encantadora”,
mais “bela” e mais eficaz ela se mostra em seu objetivo pedagógico.
A próxima estratégia que Braudel recomenda para atingir a simplicida-
de está na seleção de conteúdos: tornar a história real para os alunos, concre-
ta. Isso significa abdicar de termos muito abstratos (“Não direis a democracia,
mas o povo. Não direis o Brasil, mas, conforme o caso, os brasileiros, o gover-
no brasileiro”. 1955, p. 8) e fixar os fatos ao solo. O recurso à geografia é uma
constante na instrução de Braudel, e aqui ele se mostra alinhado com o que a
67
Aryana Lima Costa
Mais à frente, ele utiliza ainda outro exemplo em que o meio também é
sujeito: a campanha da Rússia em 1812, “lance atraente para se ministrar,
pelo cenário, com a planície russa, a neve, o frio e os personagens, o Impera-
dor, a Grande Armée” (1955, p. 14, grifo do autor).
Continuando a recomendação para fazer viver a história junto aos alu-
nos, Braudel trata da seleção dos sujeitos históricos que contam para sua expli-
cação. E novamente, metatextualmente, Braudel pratica aquilo que professa.
Talvez uma das passagens mais bonitas de seu texto, em que faz mais uma de
suas analogias (para quem se lembra dos pirilampos e da espuma das ondas...),
mais à frente Braudel diz a seu auditório que “da atividade histórica à atividade
didática passa-se como de um curso de água a outro curso” (1955, p. 18). Lem-
68
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
69
Aryana Lima Costa
sua própria forma, “como uma especulação lícita e valiosa do espírito” (1955,
p. 3). É um exercício intelectual, especialmente porque lembramos que para
Braudel é preciso deixar de lado o ideal de formação para a cidadania. A His-
tória está além da moral política e religiosa. Ela forma uma “certa maneira de
ser, toda intelectual. E é só” (1955, p. 4). Não surpreende, portanto, que seu
norte metodológico seja aquilo que cala aos espíritos. A Geografia serve para
a História como forma de fixar os acontecimentos a um cenário na mente dos
alunos; os grandes homens servem para criar empatia e melhorar a compreen-
são de decisões tomadas; a forma da narrativa serve para manter a atenção. Os
conteúdos servem à forma, pois é ela quem trabalha o intelecto. Pedagogia da
História para Braudel é narrativa histórica.
A terceira e última seção da palestra, a que poderia ser intitulada Pedago-
gia da História adaptada à Civilização Brasileira é a mais curta de todas. Brau-
del admira-se que não se tenha formado uma pedagogia brasileira no terreno da
História, nas minúcias e também no que diz respeito ao geral (1955, p. 20).
O plano geral a que se refere consiste no eurocentrismo carregado dos
programas de história brasileiros. A história geral deveria, isto sim, ser estuda-
da a partir das “frestas e janelas” que o “presente e o passado do Brasil” ofere-
cem (1955, p. 20), como no exemplo que dá em seguida: “Do espetáculo dessa
Idade Média moderna, povoada de automóveis, rasgada pelos trilhos e pelas
estradas, não é difícil deslizar para a Idade Média clássica, em que o homem
dilatou as clareiras das florestas e eliminou os pantanais... (...)” (1955, p. 20).
Aqui Braudel aproveita para fazer o que acredito ter sido um gesto de cortesia
à audiência local, especialmente aos historiadores paulistas, provavelmente
presentes em sua plateia. Para ressaltar a viabilidade dessa ênfase na história
local, enaltece o papel dos desbravadores brasileiros, o que acredito ser uma
referência aos bandeirantes, tema tão caro aos institutos de história e acade-
mias de letras paulistanos: “O homem nesse longo intervalo tornou-se mais
forte, o que é tudo, como pormenor de indiscutível importância” (p. 20). Enal-
tece o desbravamento local, o encontro do homem com a natureza, contras-
tando-os com a pequenez de uma Ática (“Os eupátridas da planície ática, di-
ria sem hesitação, são como os vossos fazendeiros (...)” (1955, p. 21).
Mas Braudel ainda não chegou à sua ideia principal, aquela que enten-
de realmente como uma ideia mais vasta e absorvente, que alteraria o eurocen-
trismo que diagnostica. Ele junta todas as histórias das três Europas que iden-
tifica (a velha, que conhecemos; a Europa moça, representada pelo mundo
anglo-saxão, e a Europa jovem, pela América Latina) para descentrar o eixo
narrativo da pedagogia da história brasileira em direção ao mar oceânico, ao
rio marítimo que liga todas elas: o Atlântico. “Por que não atribuir decidida-
70
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
mente esse lugar ao Mediterrâneo moderno que nos une e em que está o desti-
no da nossa tríplice e una civilização?” (1955, p. 21).
É com essa ideia que, marotamente, pede que se reserve em nossos pro-
gramas um lugar ao “mare nostrum, quero dizer, ao Atlântico” (1955, p. 21),
pois, usando o termo em latim, Braudel fazia uma dupla alusão a “seu” Medi-
terrâneo, sabidamente já em marcha à época.
De onde Braudel tira os seus conselhos? Naturalmente que seja da expe-
riência francesa9, mas me perguntava qual o sentido que seus conselhos adqui-
rem quando postos sob a perspectiva de educação em seu país.
A despeito de passar por uma reforma educacional enquanto professor
de liceu (em 1925), Braudel testemunhou a permanência de vários elementos
na tradição escolar, como sói ocorrer quando se trata do impacto que a legisla-
ção causa na organização escolar e nas práticas docentes, o que se refletiu na
conferência do Instituto de Educação. A começar pela finalidade da história
escolar: a formação do espírito. O pressuposto com que abre a sua fala, na
verdade dispensando o seu debate, parte de uma arraigada concepção do que
deve ser o ensino secundário francês: a transmissão de uma cultura desinte-
ressada (HERY, 1999, p. 28). O próprio exercício do intelecto tem como con-
sequência inevitável a formação moral dos alunos e, sendo esse o objetivo da
educação básica, é igualmente a tradição humanista que orienta os conteúdos
e a forma da história escolar na França.10 Assim é que, despida de interesses
pequenos, mundanos, ela deve ser desinteressada.
A conferência de Braudel possui duas grandes preocupações: a atuação
do professor e a narrativa da História, que se fundem, na verdade, em uma
coisa só: uma boa história contada pelo professor. Não há considerações sobre
outros elementos constitutivos de uma aula, como materiais didáticos, exercí-
cios ou avaliação, por exemplo. A conferência concentra-se em somente uma
atividade: a preleção.
O que Braudel aconselha em seu texto, no final das contas, é em linhas
gerais um cours dos liceus franceses nos moldes de um cours magistral, leçon
magistral ou cours ex-cathedra.11 Esse modelo de aula, dominante no século XIX,
já se encontrava em transição no período em que Braudel atuava como agrégé.
O cours dicté fora proibido, no lugar do qual esperava-se que fosse praticado o
cours parlé, com um pouco mais de liberdade para o professor:
Il peut être dicté malgré la réiteration de l’interdiction de cette pratique d’une façon
continue de 1890 à 1960; il peut être lu ou <parlé>; c’est-à-dire que la lecture laisse
place à plus de liberté et d’improvisation et le cours est <dit... à la vitesse normale de
la conversation>; <continu> et <suivi>, ou <discontinu> et prendre allors l’allure
d’une conversation, être entrecoupé de questions, de démonstrations, des lectures, où le
71
Aryana Lima Costa
professeur garde la main. Toutes ces formes ont cependant en commun de relever d’une
pratique pédagogique orale, caractérisée par la centralité de la parole du maître
(HERY, 2007, p. 31. Grifo meu).12
Essa transição, porém, não abalava os valores que sustentavam uma boa
aula, pois que se propunha mais a agregar diferentes formas de estimular o
alunado do que retirar a centralidade do papel do professor, o que, como se vê,
é uma das preocupações de Braudel.
A tradição desses cursos de se equilibrar entre uma forma oral e escrita,
já que inicialmente eram feitos para ser lidos, remete mesmo ao século XIX,
avançando no início do século XX para formas menos aprisionadas ao texto
(HERY, 2007, p. 30-31), o que não significou, porém, que a preleção do pro-
fessor deixasse de ser o elemento central ao qual se atribuía o sucesso da apren-
dizagem dos alunos. É dessa tradição que Braudel tira o mote principal de sua
fala, mais importante do que a seleção de conteúdos e muito mais do que
métodos mais ativos, como os exercícios em História, que não aparecem na
conferência.
As qualidades de uma boa aula, descritas pelos relatórios dos inspetores
de educação, frequentemente se traduziam em qualidades pessoais; para o caso
da História, as de um bom narrador, o que: a) reforça o foco no professor, em
detrimento do aluno, para o sucesso de uma aula e b) remete fortemente à aula
ideal descrita pelo prof. Braudel em sua conferência em São Paulo. A partir
dos relatórios desses inspetores e do que eles qualificam como uma boa aula,
Hery destaca que sobriété, clarté, précision, on retrouve là les critères qui, sous la
plume des inspecteurs, distinguent dans les classes les bonnes, voire excellentes, leçons
des autres. (...) Si la parole doit être aisée, la ‘virtuosité’ verbale fait craindre la superfi-
cialité13 (HERY, 2007, p. 33). Sobriedade, clareza, precisão: é quase como ou-
vir Braudel falar novamente sobre a simplicidade no vocabulário para os alu-
nos, sobre a História em formato de romance de aventura e um “pensamento
que busca a sua expressão, a encontra e sabe como comunicá-la” (BRAUDEL,
1955, p. 7).
Mais do que uma pedagogia, Braudel prega valores. São os valores que
garantem o sucesso de uma aula, valores que derivam das qualidades e da
personalidade do professor. Une bonne leçon est d’abord une composition, non une
‘conversation’. Les faits y son ordonnés, classés, la progression est méthodique, le chemin
est balisé (…)14 (HERY, 1999, p. 174). É por ser ele mesmo um exemplo disso
que Braudel dedica tanto tempo de sua palestra insistindo na sedução dos
alunos. Essa é a medida de seu próprio sucesso e daquilo que credita como
“êxito” no ensino de História. Braudel retrata plenamente os critérios que,
segundo Hery, definiam o corpo professoral francês: netteté de la composition,
72
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
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Aryana Lima Costa
74
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
fessores, origens sociais dos alunos, etc.), ela consegue abrigar e dar sentido a
orientações que, em outras esferas (na pesquisa e escrita da História), têm pro-
cedências divergentes. A sala de aula constrange a prática e a necessidade de
estabelecer uma relação com um público, que precisa aprender algo no fim
daquele processo, regula o espaço aberto para variações. Tendo em vista que é
preciso garantir o cumprimento dos objetivos estabelecidos, mantêm-se as prá-
ticas já comprovadas. E é aqui que começa o “conservadorismo” de Braudel.
A tradição humanista, romântica, chega a ele com os apêndices das tentativas
metódicas de tornar esse ensino mais atraente aos alunos e funcional aos obje-
tivos do Estado francês.
Aquilo que Braudel prega para o público brasileiro em 1936, portanto,
encontra-se exatamente dentro do que é discutido na França para o ensino
secundário (o que é um tanto óbvio, alguns podem afirmar). O que está em
questão é que, caso estivesse falando a um público de franceses, seus compa-
triotas poderiam não achar muita novidade na descrição e “propaganda” do
que havia de mais tradicional nos liceus franceses: o cours. Mais do que uma
proeminência na área, Braudel retira sua fala não mais do que de sua própria
experiência. O Braudel professor está acompanhando o fluxo dos debates so-
bre a docência na França. Sua fala espelha aquilo que há de mais corrente em
seu país. É nessa chave que é possível entender por que Braudel se acha um
“conservador”. Ele sabe que acabou de expor àquela plateia o básico do ensi-
no francês de História.
Possibilidades
Foi por entender que os saberes docentes são construídos ao longo de
uma trajetória profissional que a pergunta sobre que tipo de professor seria
Braudel foi possível, especialmente diante de tantas memórias enfatizando a
sua extraordinariedade. Várias são as questões que aparecem para esse tipo de
pergunta: Qual metodologia? Quais avaliações? Quais conteúdos? Para abor-
dá-las, sabemos, como várias pesquisas em ensino de História cujo recorte são
os saberes docentes no presente ensinam, que um professor é o conjunto de
sua experiência – como aluno e no formar-se professor. O Braudel que se apre-
sentava na memória perpetuada por seus alunos e alunas durante sua passa-
gem pela USP nos fornece uma visão congelada daquele momento, sem nuan-
ces. Não dizem muito sobre como foi formado, por onde passou ou mesmo o
que realmente fazia em sala de aula. Suas qualidades como professor eram
qualidades pessoais: simpatia, acessibilidade, domínio do conteúdo. Qualida-
des que por vezes inclusive eram confundidas com os dotes dos Annales.
75
Aryana Lima Costa
Referências
Anuário 1934-1935. FFCL-FFLCH/USP. Faculdade de Filosofia, Letras e ciências Hu-
manas. São Paulo: FFLCH/USP, 2009.
Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – USP, 1936.
76
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
1
Professora do Departamento de História da UERN, câmpus Mossoró e do ProfHistória/UERN.
Doutorado em História Social pelo PPGHIS/UFRJ.
2
Outros autores também já teceram considerações sobre essa palestra de F. Braudel (conferir
FREITAS, 2004, e LIMA, 2009). Na minha tese de doutorado, reforcei o argumento trabalhando
também com as apostilas que Fernand Braudel e Eurípedes Simões de Paula, à época seu
assistente na cadeira de História da Civilização, produziram para o curso. Por motivos de espaço,
não foi possível incorporar esses dados aqui. Conferir COSTA, 2018, cap. 4.
3
Mais tarde, entre 1957 e 1958, Jean Glénisson, autor do famoso manual de Introdução aos
Estudos Históricos, foi o primeiro professor da cadeira de Metodologia e Teoria da História
recém-inaugurada no curso de História, já separado do de Geografia.
77
Aryana Lima Costa
4
As demais conferências, como já dito anteriormente, listadas no Anuário de 1936 da FFCL
teriam sido: Jean Maugué, “O ensino da filosofia na escola secundária”; Pierre Monbeig: “O
ensino da geografia na escola secundária”; Gleb Wataghin: “O ensino das ciências físicas”;
Michel Berveiller: “As humanidades clássicas no ensino secundário”; Pierre Hourcade: “A
literatura francesa no ensino secundário”; Ernst Marcus: “A zoologia como elemento de ensino
rurais”; Felix Rawitscher: “A botânica no ensino secundário”; Pierre Arbousse-Bastide: “O
ensino da sociologia nas escolas secundárias”; Luigi Fantappiè: “As matemáticas na escola
secundárias”; Rebelo Gonçalves: “Rumos velhos e rumos novos no ensino secundário da
língua”. 1936, p. 95. O Anuário da FFCL lista somente 13 conferências.
5
Conferir Limongi, 1988.
6
O Anuário da FFCL também divide a palestra de Braudel em duas conferências. ANUÁRIO,
1936, p. 95.
7
“(...) um aspecto simplesmente do pensamento que busca sua expressão, a encontra e sabe
como comunicá-la: problema tão agudo para quem ensina os primeiros rudimentos da história
nas mais longínquas escolas primárias, como para o erudito, que ao escrever trabalhos de
fôlego prelecionou para duzentos ou trezentos historiadores dignos desse nome, em todo o
mundo...” (BRAUDEL, 1955, p. 7)
8
Alice Canabrava lembra: “O Braudel dizia que a História é um ramo da literatura, que em
início do seu desenvolvimento a História se desprendeu da literatura, o que deve levar o
historiador a escrever bem, é uma imposição do ofício” (1997, p. 161) e ainda: “Sempre segui
as recomendações do Prof. Braudel: deve-se abordar três pontos fundamentais ou no máximo
quatro em cada aula, reservar um espaço ao término da aula para um resumo final” (p. 162).
9
Nas décadas de 1920 e 1930, durante as quais Braudel foi professor de liceu na Argélia e
depois em Paris, a França vinha de uma reforma empreendida em 1902 e revista em 1925.
10
La reforme n’a pas modifié la nature de l’enseignement secondaire. Il reste um enseignement general et
desinteresse parce que tous conviennent qu’il doit former l’esprit, le rendre libre et l’éclairer, qu’il est une
discipline au sens où il soumet la raison à um exercise. Toute autre orientation le deprecie et donc le
dénature (HERY, 1999, p. 110). E ainda: Il s’affirme en priorité comme un enseignement de
connaissances qui concourt à l’acquisition de la culture générale et participe conjointement aux autres
matières scolaires à la formation intellectuelle des élèves (idem, p. 137). “A reforma não modificou a
natureza do ensino secundário. Ele permanece um ensino geral e desinteressado porque todos
concordam que ele deve formar o espírito, fazê-lo livre e esclarecê-lo, que ele é uma disciplina
no sentido em que ele submete a razão a um exercício. Toda outra orientação o deprecia e,
portanto, o desnaturaliza.” “Ele se afirma prioritariamente como um ensino de conhecimentos
que contribui para a aquisição da cultura geral e participa, juntamente com as outras matérias
escolares, na formação intelectual dos alunos.”
11
Conferir HERY, 2007.
12
“Ele pode ser ditado, apesar da reiteração da interdição desta prática de uma forma contínua,
de 1890 a 1960; ele pode ser lido ou ‘falado’; isso quer dizer que a leitura permite uma maior
liberdade e improvisação e o cours é ‘dito... na velocidade normal da conversação’; ‘contínuo’
e ‘seguido’, ou ‘descontínuo’ e assumir, então, a velocidade de uma conversação, ser entremeada
de perguntas, de demonstrações, de leituras, onde o professor está no controle. Todas essas
formas têm em comum, contudo, serem oriundas de uma prática pedagógica oral, caracterizada
pela centralidade da fala do professor.”
13
“Sobriedade, clareza, precisão, nós achamos aí os critérios que, pela pena dos inspetores,
distinguem nas aulas as boas lições, até mesmo as excelentes, das outras. (...) Se a fala deve ser
espontânea, a ‘virtuosidade’ oral faz temer a superficialidade.”
14
“Uma boa lição é antes de tudo uma dissertação, não uma ‘conversação’. Os fatos ali estão
ordenados, classificados, a progressão é metódica, o caminho é balizado.”
15
“Concisão da dissertação, ampla cultura, dom da oratória e personalidade brilhante –
complementares, uns aos outros (...).”
78
Do chão da sala de aula: possibilidades para a história das disciplinas
no Ensino Superior a partir de Fernand Braudel
16
História Antiga foi a que mais perdeu espaço: trabalhada no sixième apenas quando antes era
vista em três anos. A idade média até 1453 no cinquième; de 1453 a 1789 no quatrième e de 1789
a 1889 no troisième, encerrando o primeiro ciclo, em que predominava a história moderna e
contemporânea. O segundo ciclo, oportunidade para retomar os estudos anteriores e
aprofundá-lo, cobria um período que ia do século XV até o fim do XIX, mais a retomada de
história antiga para as seções de letras (HERY, 1999, p. 316).
17
“Descrever os fatos, compreender como eles se encadeiam, como eles se modificam, são
operações intelectuais que podemos pensar em transpor da pesquisa para a sala de aula.”
18
“É a razão pela qual ele (Seignobos) exige que se descreva, que se conte com riqueza de
detalhes e de evitar, a contrario, as fórmulas abstratas, as listas de nomes próprios ou de datas.”
19
“Tendo-os visto, ele se interessaria por eles e iria gostar de ouvir falar deles; ele iria, por vontade
própria, estudar suas instituições.”
20
“(...) o exercício ativo consistirá, para ele, em analisar gravuras, narrativas, descrições. Essa
análise vai obrigá-lo a se dar conta com precisão dos traços característicos do aspecto externo
dos homens ou das coisas e se representar os sentimentos internos” (SEIGNOBOS apud
DELACROIX; DOSSE; GARCIA, 2012, p. 114).
21
“A escrita não é só, portanto, um meio de expor agradavelmente as informações extraídas dos
velhos manuscritos; é um método de conhecimento. Quanto ao aspecto dramático, para Thierry
ele não é de modo algum acrescentado artificialmente. O drama é a verdade da história, no
sentido de que cada personagem, à imagem do herói de Walter Scott, se torna exemplar de
uma classe, de uma atitude, de uma situação que o ultrapassa e que participa do movimento da
história. O drama é a história narrada, pois a narração esclarece o sentido da história e põe sob
sua luz a grande intriga que a anima: a luta das raças e a afirmação progressiva do Terceiro
Estado” (DELACROIX, C.; DOSSE, F.; GARCIA, P., 2012. p. 42). Conferir os capítulos 1 e 2.
22
Conferir o capítulo 4 de minha tese: “De um curso d’água a outro: memória e disciplinarização
do saber histórico na formação dos primeiros professores no curso de História da USP”, 2018,
onde analiso as apostilas produzidas por Fernand Braudel, Jean Gagé e Eurípedes Simões de
Paula.
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O construtivismo
e o ensino de História
Eleta de Carvalho Freire1
Lúcia Falcão Barbosa2
Maria Thereza Didier de Moraes3
Primeiras palavras...
Nas últimas décadas, pesquisas apoiadas em diferentes referenciais têm
contribuído para a ampliação de conhecimentos sobre o ensino e a aprendiza-
gem histórica. Entre as possibilidades teóricas para a compreensão desses fe-
nômenos – ensino e aprendizagem –, o construtivismo tem se apresentado
como alternativa para o entendimento dos processos cognitivos envolvidos na
construção do conhecimento histórico pelo estudante, constituindo-se em apoio
teórico-metodológico ao trabalho do professor e professora de História.
O construtivismo apoia-se na ideia de que o indivíduo é uma constru-
ção própria que se processa no dia a dia e cuja produção se dá a partir das
interações entre suas disposições internas e o ambiente social. Disso resulta o
entendimento de que o conhecimento não é algo pronto nem está disponível
para ser acessado pelo estudante, como se fora uma reprodução da realidade.
Trata-se, ao contrário, de uma construção do ser humano.
Essa construção implica a existência de esquemas mentais que atuam
como instrumentos de recepção e reestruturação cognitiva de uma informa-
ção desconhecida, gerando um novo conhecimento e, em consequência, a for-
mação de esquemas mais complexos. De tal modo, o conhecimento constrói-se
no dia a dia em diferentes contextos, é dependente da representação inicial
que o indivíduo tem da nova informação e da atividade interna ou externa que
desenvolve sobre a mesma. Para Carretero (2005, p. 25), “esquema es una re-
presentación de una situación concreta o de un concepto que permite manejar
ambos internamente y enfrentarse a situaciones iguales o parecidas en la reali-
dad”. Os esquemas ou as representações podem ser muito simples ou comple-
xos, mais gerais ou especializados, e medeiam a atuação do indivíduo na rea-
lidade, ou seja, a ação do estudante sobre os conteúdos de aprendizagem dá-se
por meio de esquemas mentais.
A compreensão de que a construção de conhecimentos implica a pre-
sença e a reestruturação de esquemas cognitivos e que esses vão se tornando
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autor percebe que os jovens desse contexto social utilizam em suas explicações
históricas a mesma grande narrativa de nação encontrada em explicações de
sujeitos das classes média e alta. Nação, diga-se de passagem, da qual eles não
obtêm benefícios tangíveis. Nação essa que é narrada através de uma perspec-
tiva ontológica e essencialista ao invés de socialmente construída ou mesmo
propriamente histórica (RUIZ SILVA, 2011).
Segundo Ruiz Silva, a maneira como os significados de nação são cons-
truídos nas escolas em contexto de exclusão social promove nos estudantes
noções defensivas de nacionalidade e cidadania, que dificultam ou mesmo
impedem que os jovens estabeleçam relações propositivas ou vinculantes das
esferas pessoal, social e política em suas vidas cotidianas e em relação às suas
expectativas de futuro. São narrativas apresentadas como dadas, sem proble-
matização. A aprendizagem simplifica os acontecimentos históricos e reduz o
papel de seus atores a um esquema dicotômico: herói-vilão, opressor-oprimi-
do, bom-mau, vencedor-vencido. E esses são esquemas que contribuem para
naturalização até mesmo das relações de inclusão e exclusão no presente de
forma passiva (2011, p. 53).
Los estudiantes parecen enfrentarse a un conflicto que se encuentra a mitad
de camino entre lo moral y lo cognitivo, algo que ha sido, igualmente, tema-
tizado en estudios con otros actores educativos: ‘Este conflicto moral, a di-
ferencia de un conflicto cognitivo, no es producto de una profundización de
la comprensión histórica ni de la incorporación de otras perspectivas histo-
riográficas, sino de una visión fundamentalmente no comprensiva de la his-
toria, donde el pasado es valorado y juzgado de acuerdo a categorías (mora-
les) del presente. El problema es que este conflicto normativo-moralista,
aunque presentado falsamente como moral – es muy agudo: abre juicio so-
bre la historia, pero no tiene herramientas para atravesarla críticamente, y es
más, se apoya en ella y la fortalece (dotándola de flexibilidad) (RUIZ SIL-
VA, 2011, p. 152-153).
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nar uma história tão fluida como as fluidas identidades que parecem carac-
terizar este novo tempo? (CARRETERO; KRIEGER, 2004, p. 75).
Alerta ainda para não pensarmos que todos esses fragmentos de histórias
se equivalem. Não se enganem, diz: não há justiça possível. Essas histórias
são valorizadas e dadas a ver de formas diferentes, assimétricas e desiguais. O
conflito é permanente e, como não há neutralidade, sempre haverá exclusão
(CARRETERO, 2007). A História se dá no conflito. Assim, as novas vozes,
novas identidades, novas histórias aparecem no conflito e na disputa. Para
esse autor, a História perdeu “seu próprio destino histórico”, ao menos no que
tradicionalmente se esperava, portanto seu ensino está desafiado a abandonar
a dimensão da moral sustentada na máxima história magister vitae, a dimensão
patriótica e a suposta neutralidade de sua narrativa. Para Carretero, é preciso
mover alicerces e ouvir “outras histórias”.
Sendo assim, o que está em abalo é a própria concepção de história
linear, configurada simultaneamente junto à concepção humanista de pedago-
gia e a uma mirada pedagógica do humano. Se esse humano é fabricado pela
História e pelo Estado, agora a cena mudou e exige, ao menos, saber quais
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Eleta de Carvalho Freire • Lúcia Falcão Barbosa • Maria Thereza Didier de Moraes
Palavras (in)conclusivas
O aporte dos referenciais construtivistas presente nos debates apresen-
tados brevemente neste capítulo permite aos autores afirmarem que o esque-
ma mental que organiza e explica o passado também motiva a organização e
explicação do presente, bem como a orientação sobre suas ações. O ensino de
História escolar, baseado em relatos fundacionais, inquestionáveis, da nação,
reforça sentimentos morais que se interiorizam de forma passiva. E há impli-
cações para esse tipo de aprendizado da História: a naturalização das desi-
gualdades sociais ou mesmo a reprodução de um darwinismo social. A difi-
culdade para aceder a uma compreensão crítica afeta não apenas representa-
ções do passado, mas pode inabilitar os sujeitos para o exercício político em
direção à transformação social do presente (RUIZ SILVA, 2011, p. 171).
Por isso definem como principal objetivo da didática da História a com-
plexificação dos conceitos, enquanto recursos explicativos, para superar es-
quemas dicotômicos que contribuem para a reprodução simbólica de relações
de dominação. A pergunta que atravessa esses debates é: que implicações as
explicações do passado produzem no imaginário político de jovens sobre seu
próprio tempo e lugar? E se formar para o pleno exercício da cidadania tem
sido a pauta principal dos sistemas educativos de Estados latino-americanos,
ao menos em seus breves momentos de governos democráticos, educar a sub-
jetividade política dos estudantes numa perspectiva emancipatória torna-se
um grande desafio para o qual o saber histórico escolar tem muito a contribuir.
Referências
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CARRETERO; VOSS. Aprender y pensar la historia. Buenos Aires: Amorrortu, 2004.
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2007.
CARRETERO, M. Construir e ensinar as ciências sociais e a história. Trad. Beatris Affonso
Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
CARRETERO, M. Construtivismo y educación. 1. reimpr. México: Editorial Progresso,
2005.
CARRETERO, M. Documentos de identidad: la construción de la memoria histórica en
un mundo global. Buenos Aires: Paidós, 2007.
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O construtivismo e o ensino de História
1
Professora do Centro de Educação e do Mestrado Profissional em Ensino de História da
Universidade Federal de Pernambuco. Grupo de Pesquisa Educação, Currículo e Contempo-
raneidade (GPECC). E-mail: [email protected].
2
Professora do Departamento de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e do
Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de Pernambuco. Nú-
cleo de Estudos e Pesquisas: História, Educação e Culturas (NEPHECs). E-mail:
[email protected].
3
Professora do Centro de Educação e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Uni-
versidade Federal de Pernambuco. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre História da Educação
e Ensino de História em Pernambuco (NEPHEPE). E-mail: [email protected].
4
A mudança conceitual é um tema amplo dentro dos estudos cognitivos; uma parte muito
importante do campo da psicologia cognitiva (CARRETERO, M. Entrevista. Fuente: 12(ntes),
número 12, año 2, abril 2007). Disponível em: <http://www.mariocarretero.com/
entrevistas1.html>.
5
Para esse tema ver PIROLA BALESTRA, 2016. CARRETERO e BORRRELLI, 2010.
6
Em torno do projeto Ensino de História e construção da Identidade Nacional, dirigido por Mario
Carretero, autores de diversos países juntaram-se desenvolvendo trabalhos de pesquisa que ti-
veram seus resultados publicados em várias coletâneas.
7
A rede de pesquisadores que o acompanha contempla estudos em alguns países ibero-america-
nos como a Argentina, Espanha, Chile e México.
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Projeto Youth and History, buscando as ideias históricas dos jovens quanto ao
cenário histórico pós-unificação. Um dos pontos altos da pesquisa foi perce-
ber a prevalência do modelo capitalista no ideal de unificação alemã, provo-
cando o receio de que a memória e a história da Alemanha Oriental pudessem
ser renegadas/esquecidas (GERMINARI, 2011, p. 62). Observaram-se pro-
fessores de História com formações bem diferentes, sendo os professores oriun-
dos da parte oriental (RDA), orientados na lógica marxista-leninista, cujo fun-
damento era essencialmente voltado à pedagogia, com foco especial na parte
instrumental do ensino, na discussão de métodos de ensino, na psicologia da
aprendizagem e no desenvolvimento das classes sociais. A perspectiva da par-
te ocidental (RFA) privilegiou a formação histórica de seus professores, im-
pulsionando mudanças significativas no ensino de História após a unificação
(JUNG; STAHER, 1998, p. 135).
Angvik e Borries, amparados na Didática da História de Rüsen, tinham
múltiplos objetivos de análise sobre a qualidade, as características e os resulta-
dos práticos do ensino de História, desenhando e avaliando o conceito de cons-
ciência histórica dos jovens de 15 anos e de seus professores, tomando 25 países
europeus, além da Turquia, Israel e Palestina. A pesquisa de base intercultural
contou com 32.000 sujeitos escolares, e em cada país houve de 800 a 1.200 res-
pondentes de perguntas que abrangiam itens dos conteúdos históricos, aspectos
sobre as metodologias de ensino e suas perspectivas de cidadania e história.
Peter Seixas, professor da University of British Columbia (Canadá), é ou-
tro pesquisador a ser lembrado por suas pesquisas na década de 1990 – e sobre
as pesquisas atuais retornaremos no final –, quando estudou o conceito de signi-
ficância histórica e metacognição como impactantes na “importância de se conhe-
cer a maneira pela qual os alunos relacionam novos conhecimentos com os co-
nhecimentos que já possuem”, e ainda “as relações que se estabelecem no pen-
samento dos alunos e que dizem respeito aos sujeitos históricos, à empatia, aos
juízos morais e aos sentidos que eles conferem às ações de sua vida prática a
partir do conhecimento histórico adquirido” (SCHMIDT, 2015, p. 40).
Keith Barton (Indiana University Bloomington) esquadrinhou em 1996
como os alunos pensavam os padrões de mudanças. Esse estudo tanto revigo-
rou outros estudos do campo como servirá para outros examinarem as ideias
dos alunos quanto à multicausalidade. O pesquisador perguntou aos estudantes
por que as bruxas deixaram de ser queimadas no século XVIII, e as respostas
expressaram a tendência em pensar a mudança como deliberação racional das
pessoas e/ou de imputar a um fato singular a causa de grandes mudanças.
Barton e Adam McCully (Ulster University) estudaram em 2008 as ideias de
120 crianças dos 6 aos 12 anos de oito escolas, quatro dos Estados Unidos e
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em Teaching History for the Common Good uma inquietação sobre qual o ensino
de História seria capaz de formar o engajamento no sujeito para que ele se
torne um cidadão da democracia pluralista. Isabel Barca estudou a ideia de
mudança de jovens, concluindo que “suas atitudes indiciam a emergência de
uma orientação temporal consciente”, o que seria “um dos caminhos no sen-
tido de contribuir para estimular a construção (pelos jovens e pelos menos
jovens) de novas hipóteses de um futuro melhor para os seres humanos” (BAR-
CA, 2011, 69). Peter Seixas explora a ação histórica como conceito de segunda
ordem, entendendo que “a visão sobre o passado a partir do presente nos pre-
para para a ação” (2012, p. 537); portanto a compreensão da História tem um
“uso prático” se o sujeito se perceber como ser ativo que age com autonomia e
ao mesmo tempo dentro de limitações sociais (2012, p. 540). Mesmo Peter Lee
(2016) criticou a noção de competência que vem assolando as políticas educa-
cionais, tentando converter o ensino de História em “algo genérico”, fazendo
com que ele perca sua “força de luta”. Lembrando que para a História ser
“transformativa”, precisa expandir o aparato conceitual histórico do aluno, o
que o desenvolvimento das competências não pode fazer, pois se aparta das
normas e critérios próprios ao estudo do passado.
Algumas considerações
Tentamos demonstrar neste breve texto um pouco dos caminhos da His-
tory Education e sua concepção inicial de pensar o ensino de História pela lógi-
ca histórica, rompendo com entendimentos psicopedagógicos até então vigen-
tes. Através de diversos projetos supracitados se consolidou como uma área de
pesquisa que se expandiu e se expande para outros países, engendrando a in-
terlocução com outras perspectivas teóricas, como as relacionadas à Teoria e
Didática da História de Jörn Rüsen.
Não conseguimos dar o devido valor a todos os autores da escola ingle-
sa da History Education em um texto que se propõe abrangente, mas buscamos
relacionar uma sequência temporal dos principais momentos de sua consoli-
dação como base teórico-investigativa, associando-a à apresentação de concei-
tos desenvolvidos por esses pesquisadores.
A empatia histórica, eixo norteador do letramento histórico, remete à
compreensão contextualizada do Outro que viveu no passado, mas também
do Outro que vive no presente e predispõe a problematização e contextualiza-
ção do Eu inserido no mundo e na interação com os Outros. Por isso exerce
papel relevante na formação de cidadãos democráticos, capazes de reconhecer
e respeitar valores, atitudes, crenças e intenções de outras pessoas. O compro-
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Referências
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REIRA, Marieta de Moraes (org.). Memória e identidade nacional. Rio de Janeiro: FGV
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ANGVIK, M.; BORRIES, B. Youth and History: a comparative european survey on
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investigação nos Estados Unidos e na Irlanda do Norte. In: BARCA, I. (org.). Perspec-
tivas em educação histórica. Braga: CIED, Universidade do Minho, 2001. p. 55-68.
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1
Doutor em História pela Universidade Estadual de Maringá, professor do Departamento de
Métodos e Técnicas de Ensino da Universidade Federal de Pernambuco.
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná, com pós-doutorado pela
Universidade de São Paulo, professora da Universidade Estadual de Maringá e Coordenadora
Local do ProfHistória – UEM.
3
O Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica da Universidade Federal do Paraná
(LAPEDUH – UFPR), coordenado por Maria Auxiliadora Schmidt, pode ser considerado um
polo de investigação mediante um conjunto de trabalhos orientados e parcerias com, por
exemplo, Isabel Barca (Universidade do Minho em Portugal) e Marlene Cainelli (Universidade
Estadual de Londrina), resultando em pesquisas de ponta reconhecidas não apenas no território
nacional. Seria complicado neste texto abranger todo o direcionamento de pesquisa pautado
de uma forma ou outra na Educação Histórica sob pena de não fornecer a completude de
laboratórios, programas de pós-graduação e universidades e pesquisadores envolvidos.
4
A revista continua em atividade e é possível ter acesso a todas as suas publicações em: <https://
www.history.org.uk/publications/categories/teaching-history>. Acesso em: 29 maio 2020.
5
O projeto continua em execução e promove o evento anual Schools History Project Virtual
Conference, que pode ser acompanhado pelo endereço eletrônico na internet: <http://
www.schoolshistoryproject.co.uk>. Acesso em: 01 jun. 2020.
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As contribuições da History Education para a pesquisa e o ensino de História
6
Piaget identificou, em sua linha de desenvolvimento, três etapas: 1) sensório motor (de 0 a 2 anos);
2) esta etapa subdividida em duas: a) estágio de preparação para as operações lógico-concretas,
também chamado de pré-operacional (2 a 7 anos) e de b) operações lógico-concretas (de 7 até a
adolescência) e 3) lógica formal ou hipotético-dedutiva (adolescência até fase adulta). Essa
última implica a capacidade de abstração ao criar hipóteses, interpretar, comparar, deduzir,
descobrir probabilidades (BERNS, 2002 p. 24).
7
O Grupo Focal reúne de 10 a 15 sujeitos mediados pelo entrevistador. O entrevistador lança
uma questão e observa a interação entre os participantes, que podem manifestar consenso ou
dissenso. O Grupo Focal propicia um ambiente mais interativo e autêntico, pois os participantes
levam em consideração a opinião dos outros para formular a própria.
8
História Hipotética é uma metodologia de pesquisa muito utilizada pela History Education e
pela Didática da História, sendo que a primeira serve como dispositivo de evocação para
levantamento de ideias dos sujeitos escolares e a segunda para exemplificar conceitos, como a
história de Rüsen para perceber a tipologia das consciências históricas e sua relação com as
ações humanas. Ver: RÜSEN, J. El desarrollo de la competencia narrativa en el aprendizaje
histórico. Una hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Revista Propuesta Educativa,
Buenos Aires, ano 4, n. 7, p. 27-36, oct. 1992.
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Educar para as relações étnico-raciais
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ser executada, pois a mudança pretendida não se limitava a propor novos te-
mas para o ensino escolar. A rigor, incorporar novos conteúdos ao currículo
escolar era o meio de concretizar a adoção de princípios que, por sua vez,
conduziriam a um projeto de educação que pretendia subverter as tendências
da historiografia didática produzida pelas editoras. Portanto o que se procura-
va combater era o comprometimento mais ou menos explícito da historiogra-
fia escolar com a manutenção das relações de poder e naturalização das desi-
gualdades étnico-raciais, evidente na forma como a história dos afro-brasilei-
ros e a História da África vinham sendo abordadas.
Ao analisar as temáticas predominantes nos livros didáticos que traziam
capítulos específicos sobre a história africana publicados entre 1990 e 2005,
Anderson Ribeiro Oliva verificou que, na abordagem do período anterior ao
século VII, eram recorrentes as referências à origem da humanidade, a preocu-
pação em explicitar a localização do Egito naquele continente e as referências
à “anterioridade” das antigas “civilizações” africanas. Entretanto, na repre-
sentação do homo sapiens, os livros didáticos recorriam à imagem de homens e
mulheres de pele branca, o caráter eurocêntrico do conceito de civilização não
era problematizado, e poucos livros faziam referência à participação das po-
pulações negro-africanas na formação do Egito antigo. No recorte que se es-
tende do século VII ao XVIII, a escravidão africana e o tráfico de escravos
eram os principais assuntos, mas abordados numa perspectiva desatualizada;
persistia o uso de categorias eurocêntricas na descrição da sociedade africana,
tais como “reino”, “império” e “tribo”, desconsiderando as especificidades
das estruturas políticas, sociais e econômicas africanas. Nos capítulos ou tópi-
cos que tratam da história africana entre os séculos XIX e XX, Oliva verificou
serem breves e insuficientes as referências à resistência africana frente à ocupa-
ção colonial e aos movimentos de independência, ao passo que a abordagem
das temáticas contemporâneas tinha na difusão de estereótipos seu traço mais
característico, associando exclusivamente o apartheid, o subdesenvolvimento,
guerras, massacres, tragédias e doenças à imagem da África (OLIVA, 2007).
Trata-se de uma abordagem que, sem dúvida alguma, reforça os estereótipos
que servem de substrato para atitudes racistas e discriminatórias, fragiliza a
perspectiva de valorização de identidades étnico-raciais que não sejam euro-
cêntricas e inviabiliza a construção de valores comprometidos com o reconhe-
cimento e a valorização da diversidade.
A proposta de induzir as editoras a revisar a historiografia escolar, apro-
ximando-se de um projeto de educação mais atento às demandas dos movi-
mentos sociais por uma educação inclusiva, ganhou reforço em 2010 com a
aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, em
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Considerações finais
Num tempo em que se tornou lugar-comum acusar os professores de
História de doutrinação ideológica e fazer objeções ao princípio da liberdade
de cátedra, vale lembrar que os posicionamentos assumidos neste texto são
exigências das políticas educacionais ainda em vigor no país. Na medida em
que o ensino se constitui como o principal campo de atuação profissional dos
historiadores, espera-se que os docentes estejam atentos às demandas do cam-
po, definidas por meio de legislação específica, preocupação que em muitos
casos se limita à redação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação,
tão desvalorizados nas escolas quanto nos cursos de graduação.
A formação inicial dos professores de História, sem dúvida alguma, deve
manter-se vinculada ao conhecimento científico produzido nas universidades
e centros de pesquisa, mas também em correspondência com o mundo do tra-
balho, com as formas diversas de exercício da cidadania e com os movimentos
sociais, pois a legislação que regulamenta o ensino na Educação Básica assim
o exige (BRASIL, 2013, p. 23-24). Trata-se de um projeto de Estado e de socie-
dade, temas intensamente debatidos neste final da década de 2010, tão marca-
do pelas polarizações. Mas talvez esse seja justamente o tempo propício para
os profissionais de História derrubarem a Bastilha historiográfica que nos man-
tém presos aos antigos modelos e concepções que persistem distanciando a
pesquisa e o ensino, a universidade e a escola.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Definição de critérios para a avaliação de
livros didáticos – Português, Matemática, Estudos Sociais e Ciências: 1ª a 4ª série. Brasília:
MEC/UNESCO, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara Superior
de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia,
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Juliana Teixeira Souza
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PEREIRA, Marcia Guerra. História da África: uma disciplina em construção. Tese de
doutorado, Educação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.
1
É doutora em História Social pela UNICAMP, professora associada do Departamento de
História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenou o subprojeto História
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid-UFRN, 2013-2020). Entre
suas principais publicações estão A câmara e o governo da cidade (EDUFRN, 2018) e a participação
no Dicionário de ensino de História (FGV, 2019). E-mail: [email protected].
2
Foram localizados os programas de prova dos seguintes concursos: UNILAB (2013, 2016, 2016);
UNB (2009); UFBA (2010, 2010, 2010, 2011, 2019); UFFS (2010); UNILA (2011, 2014, 2016,
2019); UFAL (2010, 2014); UNIFAL (2010); UFG (2009, 2018); UFJF (2013); UFMS (2018);
UFOP (2013); UFSJ (2018); UNIFESP (2006, 2009); UFS (2019); UFV (2018); UFAM (2014);
UFMA (2014); UFOB (2015); UFOPA (2012); UNIPAMPA (2010); UFPA (2012, 2018); UFPR
(2018); UFRB (2008); UFRJ (2014, 2018); UFRN (2015, 2016); UFRGS (2010, 2019);
UNIFESSPA (2015, 2017); UFVJM (2012, 2014, 2017); UFF (2011, 2013, 2019); UFRPE (2017);
UFRRJ (2010). Nos programas sublinhados havia ao menos um ponto de prova sobre ensino.
3
Não foram encontradas referências explícitas aos temas pertinentes ao processo de produção
do conhecimento histórico nos programas dos seguintes concursos: UFFS (2010), UFAL (2010),
UFRRJ (2010), UNILA (2011), UFVJM (2012), UFOP (2013), UFRPE (2017), UFPR (2018).
4
Pesquisa realizada na página eletrônica do Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Disponível em: <http://
lattes.cnpq.br/web/dgp>. Acesso em: 20 abr. 2020.
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Notas de aulas com o patrimônio cultural:
exercícios de “teorização prática sobre
a prática de ensinar História”
Carmem Zeli de Vargas Gil1
Mônica Martins da Silva2
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“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
indica que já não entende essas duas dimensões da História como saberes se-
parados, mas como dois momentos na produção da aula: o primeiro seria o
estudo e a interpretação dos textos, e o segundo seria a elaboração do relato da
aula em si.
É fundamental anunciar que nosso propósito não foi realizar uma “in-
vestigação prática da prática de ensinar História”, tal como preconiza Ana
Zavala. Sua obra foi nossa inspiração para um exercício de reflexão sobre o
nosso fazer docente. Também não se trata de prescrever um modo de ensinar.
Ao contrário, a intenção é tornar visível o pesquisador que pesquisa a prática
dos professores, tomando a nossa própria prática docente como objeto de re-
flexão, tornando-nos visíveis na escrita, refletindo sobre nossas escolhas, nos-
sas intenções e nosso fazer docente. Em seus estudos, Ana Zavala aponta a
situação paradoxal dos pesquisadores que analisam práticas plenas de sujeitos
(professores, alunos...), mas as suas opções de pesquisa não possibilitam que
ele se veja como sujeito que investiga. Segundo ela,
queda entonces claro que se trata de una práctica (la de la investigación) que
toma como objeto de estudio a otra práctica (la de la enseñanza de la histo-
ria), teniendo por resultado (un artículo, un libro, una ponencia, es decir, un
texto) que teoriza su objeto en diversos modos, llegando en algunos casos a
asumir que teoriza también la teoría práctica que ha guiado la práctica de la
enseñanza (que es su objeto principal de estudio) (ZAVALA, 2015, p. 180).
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Notas de aulas com o patrimônio cultural: exercícios de
“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
Notas de aula 1
Na primeira aula, planejamos compreender o que sabiam os professo-
res-mestrandos acerca da temática da Educação Patrimonial, promovendo um
ambiente de escuta e de expressão das concepções acumuladas acerca do tema,
engajando-os em um livre exercício reflexivo. Por meio do uso da plataforma
on-line Mentimeter, que foi exibida em projetor multimídia e acessada pelo
celular conectado à internet, cada um respondeu a duas perguntas:
– Escreva três palavras que, para você, sintetizam o conceito de patrimônio.
– Na sua opinião, qual das alternativas reforça uma Educação Patrimonial
sem base democrática e dialógica? (As alternativas5 foram: 1. Alfabetização
cultural; 2. Informações sobre o patrimônio consagrado; 3. Processo de cons-
cientização das pessoas; 4. É uma metodologia com cinco etapas; 5. Assu-
me a premissa de que conhecer é preservar).
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
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Notas de aulas com o patrimônio cultural: exercícios de
“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
Notas de aula 2
Reconhecendo que no debate acumulado sobre Educação Patrimonial
no Brasil há uma grande influência do chamado Guia de Educação Patrimo-
nial6, o qual concebe o tripé conhecer-valorizar-preservar como eixo de uma
metodologia de trabalho com o patrimônio cultural, nosso maior desafio nas
aulas era problematizar as ideias que atribuem à Educação Patrimonial a com-
preensão de uma noção prévia de Patrimônio, a partir da qual se difundem
ações e práticas de valorização que promoveriam o reconhecimento e o desen-
volvimento de identidades. Ao contrário, procurávamos defender que ao ensi-
no de História compete refletir sobre a historicização das noções de Patrimô-
nio, compreendendo-as em seus contextos específicos de produção, também
identificando os sujeitos envolvidos, as suas intenções e as relações de poder,
operando com um documento específico: os bens culturais. Com esse objetivo
em foco, começamos a escolher as leituras, elegendo autores7 que pudessem
contribuir para esse exercício de crítica conceitual, mas também indicando a
leitura de sites de instituições e também de projetos já desenvolvidos que con-
tribuiriam, nessa proposta, para a formação de um acervo de projetos e de
ideias que percorreríamos paralelamente. Organizamos, assim, o plano de en-
sino em duas colunas: na primeira, indicamos os textos de referência, cujas
ideias seriam desenvolvidas e debatidas em sala. Na segunda coluna, nomeada
“Em diálogo”, sugerimos projetos, sites, leituras complementares, filmes, acer-
vos de museus, projetos educativos, entre outros materiais que guardavam rela-
ção com as respectivas aulas, mas também ampliavam a sua perspectiva, trazen-
do diferentes ideias e propostas educativas, oferecendo diferentes camadas refle-
xivas que poderiam ser acionadas no contexto da sala de aula ou nas atividades
que propusemos no decorrer da disciplina, também apresentando o potencial de
inspirar diferentes práticas pedagógicas dentro e fora da sala de aula.
A partir da hipótese de que na escola o patrimônio cultural era aborda-
do muito mais como uma herança e a Educação Patrimonial como uma meto-
dologia voltada ao trabalho de identificar, reconhecer e valorizar bens cultu-
rais, nosso primeiro movimento foi reescrever, junto aos professores-mestran-
dos, conceitos que compilamos de diferentes materiais que circulam no con-
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
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Notas de aulas com o patrimônio cultural: exercícios de
“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
Outra aluna, que elegeu o mesmo conceito para a sua (re) escrita, assim
o escreveu:
Educação Patrimonial é uma prática social dinâmica, coletiva e democráti-
ca que possibilita olhares outros sobre a cidade e suas manifestações cultu-
rais. O trabalho da Educação Patrimonial busca problematizar as diversas ca-
madas de tempo presentes em torno do Patrimônio, desnaturalizando narrativas he-
gemônicas para lançar luz aos sujeitos históricos invisibilizados. Seu objetivo é de-
senvolver ações educativas que criem condições para a produção de senti-
dos e sensibilidades por parte das crianças e adultos em relação a determina-
do bem a fim de construir, em termos didáticos, relações socioafetivas com o passado
histórico. [grifos nossos] (Acervo da disciplina)
Ainda que o conceito (re)escrito pelas alunas tenha sido o mesmo, ob-
serva-se que cada uma delas adotou uma forma diferente de conduzir a escri-
ta, também demonstrando distintas formas de apropriação da problematiza-
ção proposta. No entanto, em ambos os casos, é possível perceber que o exer-
cício de ressignificar o patrimônio a partir do diálogo com a “decolonialida-
de” explicita-se por meio de concepções críticas que reconhecem a diversidade
e a multiplicidade da cultura brasileira e reivindica o reconhecimento de gru-
pos subalternizados.
O trabalho com diferentes conceitos de Educação Patrimonial permi-
tiu-nos apresentar aos professores-mestrandos diversos autores com diferentes
concepções, demonstrando a polifonia do campo, assim como a própria di-
mensão histórica desses debates que foram se complexificando, sobretudo nas
últimas décadas do século XX. No entanto há que se destacar que havia, nesse
trabalho, uma intenção evidente: problematizar a perspectiva colonialista do
patrimônio cultural e da Educação Patrimonial, alinhando-nos ao pensamen-
to de Catherine Walsh (2018), cuja perspectiva epistemológica rompe com as
bases do pensamento eurocêntrico que estrutura, em grande medida, o campo
do Patrimônio. Dessa forma, procuramos visibilizar memórias de povos indí-
genas e afro-brasileiros, histórias das mulheres e as relações de gênero no cam-
po do Patrimônio, afirmando o nosso compromisso político em abordar dife-
rentes sujeitos do patrimônio em um contexto de memórias plurais.
Também procuramos apresentar e percorrer algumas iniciativas institu-
cionais e acadêmicas que têm procurado superar essa invisibilidade, entre elas o
Programa Santa Afro Catarina8, que, por meio de um conjunto de projetos, atua na
pesquisa, na produção e na difusão de materiais sobre a história dos povos afri-
canos e afrodescendentes em Santa Catarina, buscando ressignificar esse passa-
do e problematizar a invisibilidade desses povos na história e na memória.
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
Notas de aula 3
Considerando que os museus são espaços de recorrentes diálogos com o
ensino de História, planejamos realizar uma de nossas aulas no Museu Histó-
rico de Santa Catarina Palácio Cruz e Sousa, principal instituição museal de
Florianópolis. Pretendíamos refletir com o grupo sobre como esse museu cons-
trói suas narrativas sobre o passado por meio de suas exposições. Antes da
aula no museu, postamos, no site da disciplina, o seguinte desafio:
Durante a mediação, observe a disposição dos objetos, a temáticas das salas,
os sujeitos representados, o jogo de luz que coloca acento em alguns objetos
e em outros não, as camadas de tempo visíveis na arquitetura do palácio e
no que é possível observar de suas janelas. Pense sobre as presenças e ausên-
cias e escolha um objeto/cena/detalhe que sintetize uma aprendizagem sua
sobre estas presenças/ausências. Crie uma legenda para sua foto, contando
sobre seu exercício de pensamento com esse objeto. Após comente com os
colegas e poste na sua página do site Educação Museal. Lembre-se de con-
textualizar, explicando que a foto resultou de uma aula-vivência no Museu
Histórico de Santa Catarina.
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“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
Por meio das fotos publicadas no site, também identificamos que boa
parte dos(as) professores(as) percebeu o detalhe “Não toque, por favor”. Ha-
via uma sintonia entre o que queríamos abordar e o que o grupo queria saber.
Tomados pela imaginação e pela criatividade, o grupo percorreu as salas con-
versando sobre como podemos aprender com objetos, como fazer relações que
nos permitem elaborar o pensamento histórico. Uma aluna fotografou as jane-
las do palácio e postou o seguinte comentário no site junto à pintura Mulher
numa janela, de Caspar David Friedrich:
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“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
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Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
146
Notas de aulas com o patrimônio cultural: exercícios de
“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
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TOLENTINO, Átila Bezerra. O que não é educação patrimonial: cinco falácias sobre
seu conceito e sua prática. In: TOLENTINO, Átila Bezerra; OLIVEIRA. Emanuel.
Educação patrimonial: políticas, relações de poder e ações afirmativas. João Pessoa:
IPHAN-PB, Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016.
148
Notas de aulas com o patrimônio cultural: exercícios de
“teorização prática sobre a prática de ensinar História”
1
Professora do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação e do Programa
de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).
2
Professora do Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Ciências da Educação e
do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória) da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC).
3
Desde 2017, temos dialogado com Ana Zavala sobre as ideias que permeiam a sua obra, seja
em eventos, seja por e-mail. Para a escrita deste artigo, trocamos mensagens com a autora
sobre nossa proposta de escrita e pudemos ampliar a compreensão de sua trajetória na formação
de professores no Uruguai. A publicação dos trechos acima citados foi gentilmente autorizada
por ela, assim como pudemos contar com sua generosa leitura e com comentários em uma das
versões deste texto.
4
Em sua obra, a pesquisadora espanhola Pilar Maestro destaca a necessidade de que a
historiografia esteja presente nas aulas de História, visto que o desenvolvimento de competências
não se sustenta sem o conhecimento da disciplina, ou seja, o professor deve ensinar as diferentes
abordagens historiográficas se quiser que os estudantes compreendam a complexidade do
discurso histórico.
5
As alternativas foram elaboradas a partir da consulta do texto: TOLENTINO, Átila Bezerra. O
que não é educação patrimonial: cinco falácias sobre seu conceito e sua prática. In:
TOLENTINO, Átila Bezerra e OLIVEIRA. Emanuel. Educação Patrimonial: políticas, relações
de poder e ações afirmativas. João Pessoa: IPHAN-PB, Casa do Patrimônio da Paraíba, 2016.
6
O Guia de Educação Patrimonial, publicado em 1999 pelo IPHAN, em parceria com o Museu
Imperial, é uma das publicações mais conhecidas e utilizadas no campo da Educação
Patrimonial, a despeito de inúmeras críticas e problematizações sobre essa proposta já produzidas
em diferentes áreas. Para saber mais sobre o assunto, consultar CHAGAS (2006), DEMARCHI
(2018), SCIFONI (2019) e TOLENTINO (2016).
149
Carmem Zeli de Vargas Gil • Mônica Martins da Silva
7
Além dos já citados ao longo do texto, é importante indicar as dissertações desenvolvidas no
âmbito do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN. Entre
elas destacamos: AMARAL, João Paulo Pereira do. Da colonialidade do patrimônio ao patrimônio
decolonial. Dissertação (Mestrado) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural, Rio de Janeiro, 2015.
8
As atividades do Programa Santa Afro Catarina podem ser conhecidas por meio do seguinte site:
<http://santaafrocatarina.ufsc.br/santaafrocatarina/>.
9
Outro projeto que estudamos foi Territórios Negros de Porto Alegre10, um percurso realizado por
uma linha de ônibus especial da companhia Carris Porto-Alegrense, passando por lugares que
historicamente apresentam marcas de pertencimento social e cultural da população negra na
cidade de Porto Alegre. Durante quase dez anos, esse projeto concretizou-se percorrendo pontos
específicos da cidade, reconhecidos como territórios de moradias, trabalhos, lutas, sociabilidades
e religiosidades vinculadas à negritude. Para saber mais sobre o projeto: SANTOS, A. C. S.;
MEINERZ, C. B.; GIL, C. Z. V.; SILVA, M. J. A.; ANDRE, F. R. S.; DORNELES, M. S. (org.).
Territórios Negros e Porto Alegre: Múltiplos Escurecimentos em Educação e Patrimônio. 1. ed. Porto
Alegre: EST Edições, 2018. v. 1, p. 109-129. Alguns materiais produzidos podem ser consultados a
partir do seguinte link: <https://www.ufrgs.br/lhiste/extensao/territorios-negros/>.
11
Iniciativa idealizada pelo artista Rodrigo Rizo e por Marina Tavares e Arturo Valle Junior,
com patrocínio do município de Florianópolis e da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin
Cascaes; o painel em homenagem ao poeta Cruz e Sousa faz parte do projeto Street Art Tour,
que busca valorizar e incentivar a arte urbana em Florianópolis. Num primeiro momento, o
trabalho registrou e catalogou, em plataforma digital, mais de 100 murais na capital catarinense,
além de fazer outros quatro murais na cidade. Disponível em:: <https://www.nsctotal.com.br/
noticias/painel-em-florianopolis-homenageia-poeta-cruz-e-sousa-e-chama-atencao-para-seu-
legado>. Acesso em: 18 maio 2020.
150
Parte 2
Estratégias metodológicas
das pesquisas em ensino de História
151
152
Análise de Conteúdo e Análise de Discurso
na pesquisa em ensino de História
Flávia Eloisa Caimi1
Letícia Mistura2
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Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
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Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
155
Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
156
Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
157
Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
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Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
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Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
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Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
Nesse domínio figuraram diversos trabalhos, muitos dos quais não ex-
plicitam a metodologia utilizada, apenas a nomeiam como AC ou AD, ope-
rando-a sem o devido aprofundamento. Selecionamos, então, duas disserta-
ções que demonstram maior rigor na operacionalização metodológica e têm
objetos e campos de investigação bastante próximos: ambas tratam do ensino
de História e da Cultura Afro-Brasileira; ambas ocorrem em espaços escola-
res, mais especificamente em sala de aula; ambas trazem as vozes dos profes-
sores e/ou dos estudantes; ambas explicitam o uso de referenciais/metodolo-
gias pautados na AC ou na AD. Assim, configura-se como caso representativo
da Análise de Conteúdo a dissertação de Irlanda Maria Silva Ribeiro (2018),
intitulada Práticas pedagógicas: ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas
de Parnaíba-PI, e como caso representativo da Análise de Discurso, a disserta-
ção de Rosalia de Moraes Romão da Silva (2016), nomeada De ‘café com leite’ a
negra: africanidades, discurso e construção de abordagens identitárias positivas em au-
las de História. É importante ressaltar que os casos são representativos porque
atendem os critérios estabelecidos no estudo que propomos, mas não os toma-
mos como exemplares ou modelos a serem seguidos. As dissertações não se-
rão avaliadas ou julgadas aqui, pois isso já foi realizado quando se submete-
ram à banca examinadora por ocasião da defesa para a obtenção do título de
mestre.
161
Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
162
Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
vado nos trechos das entrevistas que estão apresentados na sequência” (p. 100);
“Em seguida estão os trechos das falas que mostram os objetivos pretendidos
pelos professores com o ensino de história e cultura afro-brasileira” (p. 103);
“Na sequência estão as falas que comprovam o que foi inferido sobre a aborda-
gem dos conteúdos pelos professores” (p. 109); “As falas a seguir confirmam
essas observações sobre as dificuldades encontradas” (p. 118).
Observa-se, assim, que a pesquisadora se serviu da Análise de Conteú-
do como uma técnica que lhe permitiu organizar, classificar e categorizar/
subcategorizar as informações disponibilizadas pelos professores nas entrevis-
tas. Assim procedendo, não se ocupou de outras possibilidades analíticas da
AC, como, por exemplo, considerar o contexto funcional e vivencial dos pro-
fessores; abordar as condições de produção de suas falas; inferir a respeito de
suas representações e estados de espírito; ou mesmo examinar variáveis, como
sexo, idade, tempo de atuação profissional, etc. Quanto aos procedimentos de
categorização, optou por um sistema misto, sendo as categorias definidas a
priori (sistema fechado) e as subcategorias criadas por indução no processo de
análise (sistema aberto).
163
Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
164
Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
Considerações finais
Neste texto, propomo-nos a introduzir brevemente os fundamentos teó-
rico-conceituais da Análise de Conteúdo e da Análise de Discurso como mé-
todos de análise em/para pesquisas em Ensino de História, além de explorar
como essas abordagens analíticas foram operadas em dois casos representati-
vos.
A assertiva por meio da qual nos posicionamos no início acerca da dife-
rença de natureza entre ambas as perspectivas metodológicas torna-se visível
por intermédio da exploração dos dois casos representativos: as dissertações
de Ribeiro (2018) e Silva (2016). A função da AC no trabalho de Ribeiro (2018)
manifesta-se justamente de acordo com os limites de emprego desse tipo de
análise nas pesquisas do ensino de História. A AC serve ao tratamento do
conteúdo das informações/dados linguísticos como uma técnica de organiza-
ção, manejo e descrição. Como técnica, a AC foi eficiente para os propósitos
da pesquisa, já que ofereceu um desenho que possibilitou a hierarquização
dos dados em unidades e categorias e permitiu a confirmação de hipóteses e a
elaboração de inferências pela pesquisadora.
A natureza de perspectiva teórico-epistemológica robusta da Análise de
Discurso também se evidencia, de acordo com nosso posicionamento inicial,
na dissertação de Silva (2016), uma vez que orienta o trabalho vertical e hori-
zontalmente, permitindo à autora encontrar e explorar marcas de discurso nos
165
Flávia Eloisa Caimi • Letícia Mistura
Referências
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166
Análise de Conteúdo e Análise de Discurso na pesquisa em ensino de História
1
Mestre em Educação (UPF), Doutora em Educação (UFRGS) e Pós-Doutora em Educação
(Flacso-Argentina). Professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEdu/Mestrado-Doutorado) da Universidade de Passo Fundo/RS. Coordenadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa em Educação (Gespe) e membro do Conselho Editorial da revista História
Hoje.
2
Mestre em Educação. Professora da Rede Pública Estadual de Passo Fundo/RS.
3
Neste texto, baseamo-nos nessa corrente de AD inaugurada por Michael Pêcheux na França e
que tem sua discussão e divulgação no Brasil preconizada, entre outros, por Eni Orlandi (2003).
É importante dizer, no entanto, que não existe apenas uma corrente de AD, embora todas se
agrupem sob as mesmas noções fundamentais: a não transparência e a centralidade da
linguagem, materializada em discurso, como produtora da sociedade.
4
Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
167
Uma pesquisa sobre ensino e aprendizagem
de História com métodos quantitativos
Luis Fernando Cerri1
Emerson Urizzi Cervi2
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Uma pesquisa sobre ensino e aprendizagem de História com métodos quantitativos
base ampla e a identificação de relações entre eles são uma contribuição fun-
damental para a compreensão do real em sua complexidade.
e) Por fim, em vários campos das Ciências Humanas e das atividades
educacionais, o conhecimento de dados quantitativos e o domínio das condi-
ções de sua produção são fundamentais para o debate social e político em
defesa, por exemplo, do próprio ensino da História. Basta ver que os costumei-
ros ataques aos professores, à sua autonomia e às condições de trabalho por
iniciativas economicistas e “à prova de professor” (GIROUX, 1997) para a
educação baseiam sua argumentação em extensos corpos de dados produzi-
dos por entidades como o FMI e o Banco Mundial, contra os quais não
temos os nossos próprios dados ou nossa análise crítica dos dados deles para
contra-argumentar nessa arena. E a política educacional decide-se, em grande
parte das vezes, nessa arena. Ao rechaçar os números e desqualificar o quanti-
tativo, é comum que os professores e suas entidades percam por “W.O.” o
confronto com os organismos sustentadores de políticas educacionais que ex-
cluem a perspectiva e a experiência dos docentes.
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Uma pesquisa sobre ensino e aprendizagem de História com métodos quantitativos
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Luis Fernando Cerri • Emerson Urizzi Cervi
Considerações finais
Pretendemos com este ensaio haver contribuído para a efetiva supera-
ção de renitentes polarizações entre as metodologias quantitativas e as quali-
tativas, que se verificam em várias estratégias discursivas, inclusive de negação
de que a dicotomia exista ou de desqualificação das especificidades dos méto-
dos quantitativos. Defendemos aqui a total ineficácia da oposição entre quanti
e quali. Não se analisam números. Eles servem para acessar de forma organi-
zada as características dos indivíduos. Não se descrevem qualidades sem uma
180
Uma pesquisa sobre ensino e aprendizagem de História com métodos quantitativos
Referências
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ro: Zahar, 1981.
1
Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente do
Departamento de História e dos mestrados acadêmico e profissional em História da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Bolsista do CNPq Processo 306190/2019-2. E-mail:
[email protected].
2
Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
Docente do Departamento de Ciência Política e dos mestrados em Ciência Política e em
Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected].
3
Os projetos mencionados neste texto receberam apoio financeiro, respectivamente: Projeto
Jovens e a História: CNPq e Fundação Araucária; Proyecto Zorzal: Programa de Apoyo al
Sector Educativo Del MERCOSUR (PASEM)/União Europeia. Projeto Residente: CNPq
(Edital Universal 2018).
4
<www.politicalcompass.org>.
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entrada furtiva em um pomar ou
mergulho em significados partilhados?
Helenice Aparecida Bastos Rocha1
Rafael Cintra2
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Aproximações etnográficas da escola: entrada furtiva em um pomar
ou mergulho em significados partilhados?
ele irá registrar, rever seus registros, comparar, ler, estudar para produzir sua
etnografia.
Um exemplo desse movimento do fazer etnográfico mostra-se na expli-
cação do sociólogo Bernard Lahire (1997) sobre a pesquisa realizada a partir
dos “fenômenos de dissonâncias e de consonâncias entre configurações fami-
liares e o universo escolar”. Para isso construiu seu campo entre a escola e a
casa desses alunos. Demonstrando que o campo e a escrita relativa a ele não
têm um espaço-tempo delimitado, ele afirma:
[…] Portanto estamos inclinados a pensar que a qualidade principal do
sociólogo não pode ser a de intérprete final, mas sim uma qualidade de arte-
são, preocupado com os detalhes e com o ciclo completo de sua produção,
introduzindo sua ciência nos momentos menos “brilhantes”, mas mais deter-
minantes da pesquisa: constituição da população a ser entrevistada, constru-
ção da ficha de entrevista, notas etnográficas sobre o contexto... Em vez de
refletir assim que acabar a pesquisa, o sociólogo deve fazê-lo a cada instante e,
particularmente, naqueles momentos banais, aparentemente anódinos, em que
tudo leva a crer que não há nada a se pensar (LAHIRE, 1997, p. 16).
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Aproximações etnográficas da escola: entrada furtiva em um pomar
ou mergulho em significados partilhados?
“adotar uma abordagem mais focalizada (ou seja, fazer menos do que uma
etnografia abrangente) para estudar aspectos particulares da vida cotidiana e
práticas culturais de um grupo social” (GREEN; BLOOME, 1997, p. 4). Tal
focalização permite que se considerem os aspectos específicos da cultura esco-
lar e da sala de aula e as práticas culturais de alunos e professores da região em
que se insere a escola, sem desconsiderar os pressupostos do fazer etnográfico.
Sem assumir necessariamente tais pressupostos, o uso de ferramentas
etnográficas, como a observação participante e o registro minucioso dessas
observações, além de entrevistas em profundidade, o que pode ser atribuído à
metodologia qualitativa, constaria do “uso de métodos e técnicas geralmente
associadas ao trabalho de campo. Esses métodos podem ou não ser guiados
por teorias culturais ou perguntas sobre a vida social dos membros do grupo”
(GREEN; BLOOME, 1997, p. 4).
Em nossa compreensão, essa terceira forma de aproximação, que, na
verdade, é a mais distante dos referenciais etnográficos e mais instrumental,
desconsidera um debate que é o da assunção da centralidade da cultura, inclu-
sive na educação escolar (HALL, 1997). A escola é um espaço de cultura,
mais ainda de culturas diversas. E, digamos mais, cada disciplina escolar na
realização da tarefa de inserção das novas gerações em um universo comparti-
lhado de significados através de práticas realizadas por professores e alunos na
aula realiza um papel nesse espaço de cultura. O que não se traduz apenas
pelos conteúdos de ordem cognitiva, mas pelas emoções e valores, comparti-
lhados ou não.
De acordo com sua problemática e objeto de pesquisa, o pesquisador
precisará considerar as culturas escolares que se constituíram (na instituição
escolar ou em uma escola, em especial) ao longo de décadas e séculos. E cada
escola passa a ser considerada como local de encontro de diferentes culturas:
geracionais, de classe, de trabalhadores, nas diferenças entre os turnos escola-
res e aí por diante...
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Pesquisa Participante
A primeira edição brasileira da obra “Pesquisa participante”, de Justa
Ezpeleta e Elsie Rockwell, data de 1986 e é referenciada em cinco teses que
encontramos. As autoras realizaram a primeira pesquisa latino-americana in-
teressada em compreender o cotidiano escolar como realidade não documen-
tada, porém histórica (EZPELETA; ROCKWELL, 2007). Em 1983, Ezpeleta
esteve no Brasil por ocasião de um seminário sobre pesquisa participante, pro-
movido pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais (Inep), o
que explica, em parte, a disseminação do referencial das autoras a partir da-
quele momento.
O capítulo introdutório do mencionado livro, “A Escola: relato de um
processo inacabado de construção”, foi republicado em dezembro de 2007
pela revista Currículo sem fronteiras. Em “La experiencia etnográfica: historia
y cultura en los procesos educativos”, (2009), não explorado nas pesquisas
encontradas, Rockwell recupera algumas noções e sugere problemas de pes-
quisa que poderiam ser atendidos pela pesquisa etnográfica, embora advirta
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ou mergulho em significados partilhados?
Embora seu objeto de pesquisa seja construído por teorias que enfati-
zam os sujeitos, a pesquisadora coloca-os em perspectiva, considerando a rea-
lidade externa que pode até não os governar, mas possivelmente os orienta.
Compreendemos que a “triangulação” dos dados, assim como a necessidade
de um diálogo ativo e não determinístico com a teoria na investigação etno-
gráfica sejam as principais contribuições dessa tendência para as teses que se
referem a ela. Essas características parecem atrair os pesquisadores, que se
apropriam delas de acordo com seus problemas de pesquisa. Aqui, o que está
em jogo é a especificidade da pesquisa educacional na relação da escola com a
sociedade, que cria e recria a instituição através de políticas específicas, bem
como a afirmação da existência de espaços no cotidiano escolar para suas rein-
venções e contradições.
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ou mergulho em significados partilhados?
Sendo assim, diante das problemáticas que rodeiam esse fenômeno, suge-
rimos que os pesquisadores em Educação e do ensino de História considerem a
incorporação de noções oriundas da Antropologia, que constituem os significa-
dos das práticas etnográficas. Acreditamos que a busca por essas noções e sua
incorporação às pesquisas, de acordo com suas próprias problemáticas, podem
conferir substância ao necessário diálogo entre campos de conhecimento.
Estranhar o familiar
Na discussão sobre a necessidade de tornar familiar o exótico e estra-
nhar o familiar, Gilberto Velho (1999, p. 127) registra que todos nós dispomos
de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais de nosso
cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Tais mapas são cons-
truídos ao longo de nossa inserção na(s) cultura(s), e ela se dá, em parte, na
escola. Nossas rotinas, hábitos e os estereótipos através dos quais enxergamos
a paisagem de nossa janela, tão rotineira, podem nos conduzir a uma interpre-
tação limitada sobre ela.
Maurice Tardif (2017) afirma que o professor é um profissional que cons-
titui seus saberes desde o início de sua escolarização como aluno e, depois,
professor. A escola é extremamente familiar para ele. O mapa com cenários e
situações sociais do cotidiano escolar, situando professores, alunos e demais
participantes nesse cotidiano, oferece elementos desde a problemática da pes-
quisa, questionários a serem respondidos, até a inserção no campo.
É o próprio Velho que nos oferece uma alternativa para essa tendência à
familiarização do que ocorre na escola, que pode nos cegar para descobertas.
Ele observa: “Os repertórios humanos são limitados, suas combinações são
suficientemente várias para criar surpresas e abrir abismos, por mais familiares
que indivíduos e situações possam parecer” (VELHO, 1999, p.129). Ou seja,
podemos criar, metodologicamente, distância e estranhamento com o que nos é
familiar, ampliando nossa compreensão sobre o que vemos em tais mapas.
Como pesquisadores do ensino de História, precisamos realizar um traba-
lho reflexivo de estranhar os saberes, memórias e sentimentos que constituímos
como professores para criar surpresas e abrir abismos diante da escola e de
seus sujeitos. Vejamos um exemplo em pesquisa do ensino de História:
Procuramos, em primeiro lugar, causar um estranhamento no familiar com
o intuito de tornar visíveis os comumente invisíveis padrões e práticas cultu-
rais do grupo em estudo, uma vez que estes não se constituem apenas como
pano de fundo cultural, mas como constituintes e constituidoras dos próprios
processos e eventos que ocorrem no interior da sala de aula (ANDRADE,
2006, p. 24).
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ou mergulho em significados partilhados?
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1
Helenice Aparecida Bastos Rocha é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), pesquisadora Procientista da UERJ/FAPERJ e PQ2 do CNPQ e a participação neste
capítulo está inserida no escopo do projeto: Narrativas nos livros didáticos de história: tradição
e rupturas (Prociência e CNPQ) e Usos do passado: história pública, didática e formação do
professor (CNPQ).
2
Rafael Monteiro de Oliveira Cintra é doutorando do PPGHS-UERJ, e a participação no presente
capítulo foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
3
Em “O ofício do etnólogo ou como ter anthropological blues”, Roberto da Matta (1978) registra
a evasividade de etnógrafos para definir a etnografia e seu ofício.
4
Gilberto Velho caracteriza a dupla noção de sociedade complexa e não complexa. Para uma
conceituação, v. VELHO, 1999, p. 15-19.
5
Lewis Henry Morgan publicou o primeiro tratado científico de etnografia em 1851. Bronislaw
Malinowsky e Frans Boas consagraram a ideia de que os antropólogos deveriam passar um
longo período na sociedade em estudo e interpretar seus dados. Para mais informações, v.
GOLDENBERG, 2004.
6
No livro “O antropólogo e sua magia,” trabalho de campo e texto etnográfico nas pesquisas
antropológicas sobre religiões afro-brasileiras, Vagner Gonçalves da Silva (2000) demonstra
como a etnografia nas sociedades complexas possui marcas daquela praticada pelos antigos
etnógrafos, mas se diferencia dela em outros aspectos.
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Helenice Aparecida Bastos Rocha • Rafael Cintra
7
Max Weber, assim como Wilhelm Dilthey, são precursores dos estudos qualitativos nas ciências
sociais no final do século XIX na busca de alternativas ao pensamento positivista, hegemônico
na organização das ciências humanas. Eles reivindicavam que os contextos dos problemas
sociais são fundamentais para a investigação. O primeiro elaborou uma teoria sobre a
compreensão dos significados que os homens atribuem às suas próprias atitudes, e o segundo
aproximou-se da hermenêutica, que se preocupa com a interpretação dos textos. Para mais
informações sobre o surgimento da metodologia qualitativa, v. GOLDENBERG, 2004.
8
A aproximação entre a Sociologia e a Antropologia teve a contribuição especial da chamada
Escola de Chicago, em que os pesquisadores dessas duas áreas estavam no mesmo departamento
desenvolvendo pesquisas sobre problemas sociais da cidade de Chicago. Isso propiciou trocas
em que a etnografia conferiu legitimidade a técnicas e métodos da pesquisa qualitativa
sociológica.
9
Tradução dos autores das citações de Green e Bloome. Para os originais, v. GREEN; BLOOME,
1997.
10
Não nos detivemos em dissertações, pois partimos do pressuposto de que a pesquisa de
abordagem etnográfica demanda uma certa permanência do pesquisador em campo. Como as
pesquisas de mestrado têm menor tempo de duração, consideramos haver maior dificuldade
de mobilização dessa opção e optamos por não as incluir no escopo da busca. A região Sudeste
justifica-se pela sua alta concentração de pesquisadores em ensino de História. Por esses motivos
consideramos estar respondendo de forma parcial e exploratória à pergunta que nos colocamos.
Como nosso objetivo principal é a apresentação das tendências e não das teses, nosso foco não
recai sobre elas. Por isso não utilizaremos exemplos de todas as teses, mas sim os exemplos
que consideramos pertinentes. As teses do estudo exploratório estão listadas nas referências.
11
Rockwell (2009) sustenta que a abordagem etnográfica é potente para as pesquisas sobre “saberes
docentes” em oposição à noção de “saberes pedagógicos” (compreendidos como prescritivos).
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ria oral nas aulas de História. Trata-se da terceira possibilidade citada no iní-
cio deste texto: trabalhar com entrevistas já produzidas, disponíveis em arqui-
vos e instituições congêneres.3 Em se tratando de depoimentos públicos, te-
mos a garantia de que seus autores e suas autoras não restringiram seu acesso
e que, portanto, estamos autorizados e autorizadas a trabalhar com eles em
nossas aulas.
Alguns cuidados precisam ser tomados, a meu ver. Em primeiro lugar,
avaliar se descrições pormenorizadas das atrocidades sofridas durante as tor-
turas cabem nas aulas de História; penso que, em respeito aos alunos e às
alunas, bem como às vítimas, devemos evitá-las. Em seguida, buscar relatos
que se contraponham às “histórias únicas” equivocadamente sedimentadas
sobre a resistência à ditadura, as quais muitas vezes apontam “subversivos” ou
“terroristas” como os alvos das violações cometidas pelo Estado. O volume II
do relatório da CNV contém análises que estimam em oito mil o número de
indígenas mortos pela ação do Estado brasileiro durante a ditadura e textos
dedicados a violações cometidas contra camponeses, militares e homossexu-
ais, entre outros (CNV, 2014). Talvez possamos encontrar narrativas de expe-
riência pessoal de representantes desses grupos para nossas aulas de História.
A proposta que trago aqui é trabalhar um conjunto de depoimentos pro-
duzido no âmbito da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, instalada
por resolução da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em
fevereiro de 2012. Em maio de 2013, a comissão promoveu o seminário “Verda-
de e infância roubada – crianças atingidas pela ditadura”, que resultou no livro
Infância roubada (SÃO PAULO, 2014). Durante uma semana, homens e mulhe-
res que eram crianças na época da ditadura relataram suas experiências no audi-
tório da Alesp em evento presidido pelo deputado estadual Adriano Diogo.
Trabalhar com depoimentos de pessoas que eram crianças durante a
ditadura pode aproximar nossos alunos e nossas alunas daquelas experiências
em razão de suas idades. E também pode funcionar como “quebra de expecta-
tiva” em relação à história única comumente difundida sobre que tipo de pes-
soa sofreu as graves violações de direitos humanos durante a ditadura. Os
irmãos André e Priscila Almeida Cunha Arantes, por exemplo, tinham respec-
tivamente três e dois anos de idade quando foram detidos com a mãe, perma-
necendo quatro meses presos em instalações da Polícia Militar e da Escola de
Aprendizes Marinheiros de Alagoas (ARANTES, 2014, p. 23).
Depois de assistir a alguns desses depoimentos pela internet, escolhi
trazer para este texto o de Eliana Paiva, filha de Rubens Paiva, prestado no dia
9 de maio de 2013 (PAIVA, 2013) e publicado com alterações no livro Infância
roubada (PAIVA, 2014).
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Comendo pelas beiradas: História Oral nas aulas de História
Eliana Paiva está sentada junto com outras pessoas que já prestaram
seu depoimento naquela tarde, numa mesa extensa, no palco do auditório da
Alesp, tendo a seu lado o presidente da sessão, deputado Adriano Diogo, que
não poucas vezes interrompe a depoente perguntando coisas que haviam sido
ditas momentos antes. Isso também acontece às vezes em entrevistas de histó-
ria oral, quando o entrevistador ou a entrevistadora não estão prestando muita
atenção ao que está sendo dito. Quando isso acontece, a pergunta pode soar
desrespeitosa, pois evidencia que o interlocutor não estava prestando atenção.
Isso são circunstâncias da entrevista que incidem sobre aquilo que está sendo
dito e fazem parte das condições de produção de um documento, as quais
precisam ser consideradas quando de sua análise.
Durante sua fala, Eliana Paiva interage com pessoas que estão na mesa e
na plateia, aspecto que também faz parte das condições de produção do depoi-
mento, mas que desapareceu do relato publicado em livro. É importante lem-
brar que aquilo que falamos depende de a quem falamos, quando, como, etc.
O depoimento de Eliana Paiva pareceu-me bastante interessante para
uso em aulas de História, porque, ao mesmo tempo em que ela narra aconte-
cimentos de janeiro de 1971 (quando seu pai, sua mãe e ela mesma foram
presos), mantendo sua audiência atenta querendo acompanhar o fluxo dos
acontecimentos, ela também oferece reflexões sobre como os acontecimen-
tos puderam ser percebidos por uma adolescente de 15 anos, que, em suas
palavras, sabia a “leitura” daquilo, mas talvez não soubesse “decifrar” aqui-
lo. Além disso, sua narrativa inclui de forma bastante acurada reações e sen-
sações físicas que teve naqueles dias, fazendo com que tenhamos a impres-
são de estar acompanhando um relato autêntico. E, o que pode ser muito
importante para trazer a discussão da memória para as aulas de História:
Eliana Paiva sublinha com frequência que algumas coisas ficaram esqueci-
das por muito tempo.
O fato de se tratar de um depoimento em sessão aberta ao público, no
contexto de uma comissão da verdade, não pode ser menosprezado. Por isso
penso que o trabalho com esse tipo de depoimento nas aulas de História deve
começar com a possibilidade de os e as estudantes assistirem ao relato gravado
em vídeo (PAIVA, 2013). Isso permite também se perguntar quais informações
são trazidas pela gravação: o cenário, a disposição e o comportamento das pes-
soas presentes, a entonação da voz, o ritmo da fala, os gestos e as expressões.
Como, neste texto, não temos essas possibilidades, apresento a seguir
alguns trechos, que foram transcritos da gravação disponível na internet (PAI-
VA, 2014).
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Pensamos: Oba! Que bela passagem. Não apenas permite que acompa-
nhemos os passos e as sensações da adolescente, mas o fato de ela se lembrar
do ar entrando nos pulmões naquele exato momento, juntamente com outras
pessoas que estavam dando seu depoimento, imprime a essa informação um
caráter autêntico. E vemos a força de narrativas de experiência pessoal, con-
cretas, únicas, que são capazes de nos pegar pela mão e ampliar nosso conhe-
cimento sobre o passado e o presente.
Eliana Paiva conseguiu telefonar para o tio da casa de um amigo, mas
esse mesmo tio, preocupado, telefonou à mãe para saber o que estava acontecen-
do e, quando ela voltou para casa, os militares que estavam em sua casa já sabiam
o que ela tinha feito. Uma parte do depoimento trata de como ela conseguiu
“conversar” com um deles, que estava prestes a machucá-la com um cabo elétri-
co. Esse relato também é interessante, pois prende a atenção dos e das ouvintes,
além de trazer um elemento a mais para a análise da entrevista, pois Eliana
Paiva refere-se ao sofá, no qual se sentou para conversar com o militar, o qual é
o mesmo que aparece em uma fotografia muito divulgada da família Paiva. Es-
tudar essa fotografia e sua difusão pode ser um ponto interessante no estudo.
213
Verena Alberti
No dia seguinte, Eliana Paiva e sua mãe, Eunice Paiva, foram levadas
ao DOI-CODI para depoimento. Mais uma vez, o relato prende a atenção dos
e das ouvintes e traz detalhes importantes para a compreensão da situação,
como o cheiro da prisão e o capuz:
Eu não me lembro mais muito o que aconteceu depois dessa conversa com
esse homem. Eu não me lembro mais. Isso já devia ser o quê?... Umas cinco
horas da tarde? A gente foi dormir, eu não me lembro se eu vi televisão, eu
não me lembro o que a gente comeu, eu não lembro mais nada; isso foi
realmente apagado, eu não consigo lembrar. Eu sei que eu dormi porque eu
me lembro da minha mãe me acordando e falando: “Acorda, se veste, que a
gente vai ter que dar depoimento”. No dia seguinte. E me lembro de esco-
lher uma roupa que me cobria o corpo, porque eu fiquei com medo, comecei
a ficar com medo. Eu me lembro que era uma túnica preta que vinha até o
meio do joelho e uma calça. Eu me lembro de ter jogado muitos meses de-
pois disso... Acho que eu joguei no mar, joguei num lugar muito longe, por-
que ficou com cheiro da prisão, por mais que eu lavasse.
Fomos colocadas num fusquinha, atrás; duas pessoas na frente. Em frente ao
Manequinho4 que tem no Maracanã – eu lembro porque, hoje, cada vez que
eu vejo a reforma do Maracanã, eu vejo ele lá –, pararam o fusca, nós fomos
encapuzadas. Era um capuz que vinha daqui até aqui embaixo, fedorento –
quer dizer, aquele capuz já devia ter sido usado para tudo – e fomos parar no
DOI-CODI. Eu e minha mãe fomos separadas, eu fui inteiramente revistada,
minha mãe deve ter sido também, e fui colocada numa espécie de corredor
polonês, sentada. Por que corredor polonês? Cada um que passava me dava
um coque na cabeça... Não é choque – na Globo sai choque, na minha entre-
vista. É coque. Ou me chamavam de comunista. Chegavam no meu ouvido e
me chamavam de comunista. E eu falei: “Bom, está acontecendo alguma coi-
sa”. E você não consegue entrar... Enquanto adolescente, você não consegue
entrar na leitura da história. Eu nunca entrei na leitura da história, na verdade.
Quer dizer, aquilo não faz parte do teu mundo. O teu mundo é... sei lá,
National Kid,5 naquela época, da televisão, tinha outras coisas. Não faz parte.
[...]
No meio da tarde, eu fui interrogada por um sujeito bastante grosseiro, um
sujeito moreno, grandão, bastante grosseiro. Conforme ele foi falando comi-
go, foi me agredindo, me agredindo, e eu fui respondendo, respondendo. Foi
perguntando dos amigos do meu pai, foi uma coisa que me assustou bastan-
te. Mas eu pensei: é público e notório – tem que pensar muito rápido... [...] E
eles tinham, na minha frente, uma espécie de uma planilha, uma espécie de
gráfico enorme, parecia uma página dessas A3, com gráficos com nomes de
pessoas. A sensação que eles estavam tentando organizar o que estava acon-
tecendo – o que, pelo menos, era saudável – quer dizer, menos maluco. Quer
dizer, em vez de partir pra porrada – desculpa os termos... E estavam orga-
nizando... Este senhor... Inclusive, é muito engraçado porque eu vi o progra-
ma da Globo... O programa da Globo, na hora que eu começo a falar que eu
entrei numa sala de interrogatório, eles botam uma sala de interrogatório
linda, com uma mesa belíssima, com arquivos... Não: era uma sala desse
tamanho, na verdade era debaixo de uma escada, devia ter uma escada em
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Comendo pelas beiradas: História Oral nas aulas de História
cima, com uma mesa de madeira rota e mais nada, e uma porta escura. Eu vi
que ele olhava praquilo e me perguntava: “Tal pessoa é amigo de seu pai?” Eu
falava: Bom, é público e notório. “É, é amigo do meu pai.” “Tal pessoa...?”
“É.” “Então teu pai era um grande comunista.” Eu me lembro exatamente
desse diálogo. “Teu pai é um grande comunista.” Eu virava para ele e falava
assim: “Olha, eu não sei se meu pai conhecia alguma coisa de Marx. Nem sei
se ele era um grande comunista...” Eu me lembro dessa frase até hoje, eu não
sei de onde eu tirei essa frase na hora: “Eu não sei se ele era um grande comu-
nista porque eu não sei se ele conhecia alguma coisa sobre Marx.” Papai não
lia, papai era um militante socialista, acho que nem Marx papai tinha lido na
vida. Papai era um grande político. Eu já falei isso pra você. Quer dizer, um
sujeito bastante político. Aí, foi indo, foi indo, até que, uma certa hora: “Mas
se o teu pai não era comunista, você é comunista”. Eu falei: “O quê?” “É,
você é comunista. Está aqui a prova”. Então ele tira de trás dele um trabalho
que eu escrevi para o Notre Dame de Sion para a professora Ilma sobre a
invasão da Tchecoslováquia, sobre a Primavera de Praga, que foi muito inte-
ressante. Na verdade, a Primavera de Praga era uma reação contra os comu-
nistas stalinistas! E eu relatava... Era um trabalho que eu adorei fazer. É um
trabalho que eu fiz junto com o Ryff, quer dizer, o Ryff me franqueou as por-
tas do recente Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, o qual ele diri-
gia e em que eu encontrei coisas fantásticas, quer dizer, o que você encontra
em arquivos. Quer dizer, fotografias lindas... Aí que eu fui entrando na histó-
ria... Tudo o que eu via em casa, de repente eu achei aquilo fantástico. Quer
dizer, como um povo tinha conseguido reagir e de uma maneira tranquila,
vamos dizer, em termos, a um regime soviético que era terrível. As discussões
lá em casa não eram essas, mas eu começava a pegar extratos dessa discussão
e tentar eu mesma entender o que era e o que não era. [...]
Na hora em que ele colocou esse trabalho na minha frente, aí eu tomei um
susto. Eu me lembro que eu dei um pulo da cadeira e falei: “Hum, e agora?
Agora eu fui pega.” E ele, com um sorriso – aquele sujeito, que era um bru-
tamontes –, com um sorriso que parecia que ele tinha comido um doce. Eu
olhei pra ele e falei assim: “Bom, esse trabalho é meu”. Depois eu tentei
lembrar onde é que eles tinham pego isso. Eu tinha uma gaveta dentro... Nós
tínhamos gavetas – eu e minha irmã dormíamos no mesmo quarto – com
trabalhos de escola. Eles reviraram a casa toda. A gente não percebeu isso,
eu não me lembrava disso – que eles tinham revirado a casa toda.
Bom, aí, por sorte ou por azar, entra nessa sala de interrogatório um outro
militar – não se sabia as patentes, não se sabia nomes, eles andavam com
placas de metal no peito, à paisana – vira-se para o monstro na minha frente
e fala: “Ô, cirurgião, nós temos um trabalho para você”. Aí encerra-se o
interrogatório. Imediatamente ele levanta, eu vou de novo para o corredor e,
nesse momento – nessas horas, sempre quando eu dou esses depoimentos,
eu começo a chorar, mas acho que agora já passou –, começam as torturas
na sala ao lado. Senhores e senhoras, pessoas que já passaram por isso, Alí-
pio e Adriano, para uma criança de 15 anos de idade ouvir “Pelo amor de
Deus, parem com isso!”, repetido em sequência, foi a coisa mais alucinante
que eu já ouvi na minha vida. Até outro dia me parecia que a coisa estava
enterrada. Ela fluiu... Por isso que eu digo: aos 15 anos você tem maneiras
215
Verena Alberti
de escapar da loucura humana. Quer dizer, aquilo ficou como filme na mi-
nha cabeça. Quando eu revelei, deixou de ser filme. Agora, voltou um pouco
a ser filme. Então você vê que eu não me emociono mais com isso. Mas a
primeira vez que contei isso, eu não parava de chorar – e aos urros, de choro.
Porque ouvir tortura vedada – inclusive eu estava vedada num corredor –,
20 de janeiro, verão no Rio de Janeiro, dentro do DOI-CODI, foi a coisa
mais enlouquecedora do mundo. Aí eu comecei a chorar, não parava de
chorar... Não, nesse momento, não, eu fiquei meio estática: agora eu sei
onde eu estou, agora eu acho que eu sei onde eu estou. Será que esse negócio
não vai parar nunca? Não parava, não parava, e a coisa piorava, piorava. Ou
seja, o tal do “cirurgião” tinha ido fazer a sua torturazinha cotidiana.
Nisso também tinham dois rapazes na minha frente. Toda vez que alguém
passava, chutava os meninos. Chutava, acho que devia ser naquele lugar,
porque doía muito, porque eles davam berros e uivos tremendos.
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Comendo pelas beiradas: História Oral nas aulas de História
cimento sobre a ditadura e a vida nos anos 1970 – basta ver que Eliana Paiva
teve de ir à casa de um amigo para telefonar para o tio em São Paulo, coisa que
hoje possivelmente seria muito diferente. A fonte permite que conheçamos
algumas coisas, mas não outras, e isso porque nosso conhecimento sobre o
passado e o presente é mediado por fontes e evidências, as quais não trazem
nunca resposta para tudo (mesmo porque não sabemos exatamente o que seria
“tudo” sem antes despertarmos nossa atenção para o que está faltando). Há,
portanto, elementos que permanecem sem explicação e, uma vez sendo identi-
ficados, podem ensejar novas pesquisas.
Sabemos que é sempre bom tomar entrevistas de história oral juntamen-
te com outros documentos na análise de acontecimentos do passado e do pre-
sente (ALBERTI; PEREIRA, 2008). O caso Rubens Paiva está bastante docu-
mentado, e um trabalho com o depoimento de Eliana Paiva pode ser ampliado
e enriquecido com outras fontes, bem como com a leitura do livro Feliz ano
velho, de autoria de seu irmão, Marcelo Rubens Paiva, cujo acidente em 1979
foi mencionado no final do depoimento. No caso desse exemplo, aliás, pode
ser até interessante comparar duas modalidades de narrativas de experiência
pessoal: a autobiografia Feliz ano velho e o depoimento de Eliana Paiva.
Trabalhar narrativas de experiência pessoal juntamente com outros do-
cumentos pode iluminar suas especificidades. Os alunos e as alunas podem
perguntar-se, por exemplo, quais informações trazidas pelas narrativas de ex-
periência pessoal poderiam também ser encontradas em livros didáticos e quais
não poderiam. E principalmente: o que aprendemos que só poderia ter sido
contado por essa pessoa? Finalmente: aquilo que aprendemos nos ajuda a co-
nhecer a história? Ou seja, até que ponto histórias de indivíduos contribuem
(ou não) para o conhecimento de histórias das sociedades?
O depoimento de Eliana Paiva estende-se ainda sobre um segundo e um
terceiro interrogatórios, a noite passada na prisão e sua libertação no dia se-
guinte, enquanto sua mãe permaneceria onze dias detida. No final, ela ainda
traz uma informação pessoal, que, como sugerido no parágrafo anterior, pode
ajudar-nos a conhecer a sociedade brasileira. Ela começa se referindo a uma
sugestão trazida por pessoas que a antecederam na mesa.
A Camila sugeriu, e o Paulo, qualquer coisa de museu. Quando eles começa-
ram a falar... Nunca me pareceu a ideia de um museu tão importante. Museu
do Holocausto. Eu, quando eu tive... Eu tive um estresse muito grande muitos
anos depois. Quando eu tive esse estresse, eu apaguei, e o que me vinha eram
lembranças de holocausto, que eu nunca vivi e que, depois, inclusive, eu fui
ver em filmes. Quer dizer, uma coisa de memória coletiva. Foi numa época em
que eu trabalhava muito, devia ter vinte e... Foi depois do acidente do meu
irmão que a coisa ficou meio pesada em casa, que eu tive um bruto de um
217
Verena Alberti
estresse. Chegaram a me dar remédio, eu fiquei meio que delirando uns dois
dias e passou. Mas o que vinha, nesses delírios, eram exatamente memórias
de judeus e de holocausto que eu não deveria ter porque não sou judia. Então
eu me lembrei disso com você falando. Que é o que eu vi no DOI-CODI. Eu vi
um campo de concentração ali dentro. Então eu sugiro que, desta belíssima
semana que vocês estão organizando, que saia a ideia – Adriano Diogo, eu te
dou essa ideia de mão beijada – da construção de um museu da ditadura, ou
um museu da repressão, ou um museu que conte histórias das pessoas...
Referências
ABHO – Associação Brasileira de História Oral. XIII Encontro Nacional de História
Oral. Porto Alegre, 1 a 4 de maio 2016. Anais eletrônicos. ISSN: 2316-5219. Disponível
em: <http://www.encontro2016.historiaoral.org.br/site/anaiscomplementares>. Aces-
so em: 14 maio 2020.
ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma história única. Palestra proferida em julho de
2009, na série de palestras TED. Disponível em: <https://www.ted.com/talks/
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1
Verena Alberti é professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) na área de ensino de História e professora de História na Escola Alemã Corcovado
no Rio de Janeiro. É doutora em teoria da literatura pela Universidade de Siegen, Alemanha, e
pós-doutora em ensino de História pela Universidade de East Anglia (Norwich, Reino Unido)
e pela Universidade de Londres. Endereço institucional: Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj); Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão João Lyra Filho; 12º andar, sala 12.019,
Bloco B, Maracanã, CEP 20550-900; Rio de Janeiro, RJ.
2
Um apanhado dessas iniciativas pode ser encontrado na página <http://www.dhnet.org.br/
verdade/index.htm>. Acesso em: 15 maio 2020, e também em HOLLANDA; ISRAEL, 2019,
e MÜLLER; FAGUNDES, 2014.
3
HORN, 2014, considera que não há necessidade de professores conduzirem entrevistas a não
ser que seja uma política da escola e que haja tempo para isso.
4
Eliana Paiva possivelmente está se referindo à estátua de Bellini, capitão da seleção brasileira
em 1958 e 1962. Novamente será preciso ponderar se o equívoco merecerá ou não atenção de
docentes e discentes nas aulas de História.
5
O professor ou a professora poderá avaliar se “gasta um tempo” explicando a série japonesa
dos anos 1960. O tempo “gasto” poderá ensejar comparações entre séries de hoje e de outrora
e um mundo de outras possibilidades. Temos tempo para elas? Perderemos o foco com isso?
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Parte 3
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consolidação e renovação
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(C. Ghasarian) eram tratadas como sujeitos históricos, agindo, sofrendo e sub-
metidas às ideias de bem e mal. Suas representações oscilavam entre aborda-
gens de luta de classes segundo as ideias marxianas e de piedade e dignade
humana, tributária da vulgata cristã. Estimulados pelos conceitos de identida-
de (C. Lévi-Strauss; S. Hall), constatamos a enorme assimetria entre a família
do nosso tempo presente, que pode se constituir como família monoparental
ou com diferentes arranjos, e a família do tempo presente narrado nos LD, que
era tratada como elemento natural, nuclear, formada por pares heterossexuais
que geram filhos.9
No que diz respeito à representação dos homossexuais e ao combate à
homofobia (T. Lionço), constatamos que os livros didáticos do ensino funda-
mental ampliaram a representação dos homossexuais em eventos como o na-
zismo e a contracultura. A inserção ocorria em termos de exercícios, imagens
e novos termos como “homossexual”, “homofobia”, “orientação sexual” e
“grupo gay”. A identidade (T. Silva) projetada sobre os sujeitos, contudo, osci-
lava entre “vítimas indefesas” (quando se tratava principalmente do nazismo),
indivíduos “determinados”, “questionadores” e “fortes” (quando o tema era a
contracultura) e novamente vítimas (em relação ao final da década dos anos
2000), sugerindo uma regressão em termos de sensibilidades e de valores.10
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escolar (A. Chervel), livro didático (K. Munakata), transposição didática (Y.
Chevallard).
As primeiras interrogações à literatura eram muito gerais, já que buscá-
vamos construir um perfil da área. E as respostas confirmavam, inclusive, as
hipóteses de colegas de que o livro didático era um instrumento permissivo,
que contava mentiras, que estava diretamente associado a um ensino tradicio-
nal, embora tenhamos sempre chamado a atenção de que esse adjetivo nunca
foi problematizado e definido. Eram sobretudo análises extremamente polari-
zadas sobre o livro didático, apontado como a fonte de todos os males: do
ensino tradicional, do erro, do preconceito, do estereótipo e da ideologia. Pou-
cas vezes, o LDH foi visto como um material que deveria ser utilizado “mes-
mo quando era ruim” para ensinar a crítica aos alunos, mas sempre ressalta-
das as dificuldades para uso, seja pela dificuldade das famílias em comprar ou
pelo fato de que a escolha pelo professor na escola pública não era respeitada
ou, ainda, a quantidade insuficiente deles para os alunos.
Era esse tipo de conclusão que estava chegando aos professores dos en-
sinos fundamental e médio. A experiência de sala de aula e do uso efetivo do
livro didático fazia-nos entender que as nuances entre esses dois pensamentos
deveriam ser examinadas e, principalmente, que o livro didático não era o
ponto de partida para entender as dificuldades de formação de professores e os
problemas constatados no “chão da escola”. Esse objeto cultural poderia ser
um grande catalisador de questões, mas que emergiam das relações de sujeitos
e experiências históricas na escola e em outros lugares. Por isso passamos a
incentivar nossos orientandos e também nos propusemos a discutir temas até
então naturalizados como ensino tradicional, livro didático, estudos sociais,
interdisciplinaridade, conteúdos da disciplina História e divulgação do conhe-
cimento histórico.15
As revisões da literatura geraram também exames sobre a experiência
brasileira com LDH de cunho retrospectivo, em que a expressão “historiogra-
fia didática” foi cada vez mais empregada em nossos trabalhos. Desses inte-
resses emergiram textos que empregavam livros didáticos como fontes de si
mesmos (em análises de conteúdo) e, principalmente, como fontes do ensino
de História em seus vários modos de realização.16 De Sergipe constatamos,
por exemplo, a apropriação de princípios escolanovistas, sobretudo a adequa-
ção da linguagem a um ideal aluno, a reprodução do ambiente familiar do
aluno e o uso de desenhos, como também a difusão de gêneros secularmente
conhecidos, a exemplo da corografia17, que nada de escolanovismo mantinha
em sua forma e conteúdo.18
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Considerações finais
O esforço do trabalho coletivo e cooperado é uma meta reguladora. Es-
tamos sempre nos aproximando e nos distanciando ao sabor das vicissitudes
em nossas vidas. Coletâneas como esta, contudo, ativam nossas memórias e
apuram nossas decisões: onde devemos investir nossas energias?
Hoje, consideramos que os pares de formação inicial em História foram
convencidos de que o livro didático de História é um objeto de pesquisa histó-
rica a ser tratado por historiadores. Os pesquisadores do ensino de História
conseguiram evitar que se repetisse com o LDH o que ocorreu com a história
da escola, a história do pensamento e das práticas escolares, competentemente
consolidados como “seus” nos programas de pós-graduação em Educação.
Batalhamos, como esperamos que este texto tenha demonstrado, contra
a nossa ultraespecialização em um único objeto de estudo – apesar de essa ser
a tendência incentivada pelos programas de pós-graduação e as principais agên-
cias de fomento federais e estaduais. Compreendemos, como já afirmado an-
teriormente, o livro didático como um catalisador de questões e, sempre que
podemos ou encontramos alunos dispostos a trabalhar conosco, tentamos res-
ponder a algumas das perguntas.
Outras batalhas, contudo, estão à nossa espera. Praticamente não há
dissertações do Mestrado Profissional em História sobre livros didáticos, tra-
zendo de volta um fantasma: a ideia de que o LDH é mediador ultrapassado.
Não há, no Brasil, uma revista especializada em livros didáticos de História, e
mesmo as duas únicas revistas de ensino de História só recentemente recebe-
ram conceitos medianos do Qualis Periódicos, o que desestimula – dentro das
regras em vigor – o envidar de esforços para refletir e fazer chegar ao público
pesquisas sobre o livro didático.
O debate transnacional no Brasil ainda é raro. E não nos referimos à
moda transnacional de inserção da pós-graduação brasileira, revivida ciclica-
238
Livros didáticos de História: consolidação e renovação de um objeto de pesquisa
1
Itamar Freitas de Oliveira é licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS-
1996), especialista em Organização de Arquivos pela Universidade de São Paulo (USP-1997),
mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (2000), doutor
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP-2006), doutor em
História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-2019) e fez estágio pós-doutoral
no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (PPGH/UnB-2014).
É professor do Departamento de Educação e do Mestrado Profissional em História (UFS).
Tem experiência nas áreas de Ensino de História, Teoria e Metodologia da História e foi
parecerista do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em sete edições e da primeira
versão da Base Nacional Curricular Comum (PNLD). Atua como gestor na educação superior
pública, com passagens pela direção do Centro de Educação Superior a Distância (CESAD/
UFS), presidência da Fundação de Apoio à Pesquisa de Sergipe (FAPESE). Atualmente, é
pró-reitor de Gestão de Pessoas na UFS. Endereço institucional: Cidade Universitária Prof.
“José Aloísio de Campos”, Av. Marechal Rondon, s/n, Jardim Rosa Elze. 49.100-000 / São
Cristóvão-SE.
2
Margarida Maria Dias de Oliveira é graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba
(1988), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1994) e doutorado em
História pela Universidade Federal de Pernambuco (2003). Tem experiência na área de História,
com ênfase em Teoria da História e Metodologia do Ensino de História, atuando principalmente
nos seguintes temas: ensino de História, livros didáticos de História, formação de professores,
historiografia, memória e patrimônio cultural (histórico). Atualmente é professora titular do
Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi
representante de História na Comissão Técnica do PNLD de julho de 2004 a janeiro de 2015.
É coordenadora da Coleção Ensino de História da EDUFRN. Endereço institucional:
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário Lagoa Nova, CEP 59078-
970, Natal/RN – Brasil.
3
Livros didáticos de História: imagens e representações. 2005. Projeto de pesquisa. Margarida
Maria Dias de Oliveira. UFRN.
POTIER, Leda Virginia Belarmino Campelo. História para “ver” e entender o passado: didática da
História, cinema e livro didático no espaço escolar. Orientador: Margarida Maria Dias de
Oliveira. 2014. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2014.
239
Itamar Freitas de Oliveira • Margarida Dias de Oliveira
4
SILVA, Davi Martins Pereira. História do Brasil nos Livros Didáticos: uma análise da proposta de
História Integrada. Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2005. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2005.
5
SANTOS, Analice Marinho. História da América nos livros didáticos de História Regional.
In: FREITAS, Itamar (coord.). História regional para a escolarização básica no Brasil: o texto didático
em questão (2006-2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009. p.163-194.
6
FREITAS, Itamar (coord.). História regional para a escolarização básica no Brasil: o texto didático
em questão (2006-2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009. p. 195-238.
7
SANTOS, Kleber Rodrigues. Representações sobre indígenas em textos escritos e imagéticos de livros
didáticos de história do Brasil (1920/2010). 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal de Sergipe, 2012. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior.
8
PEREIRA, Alzenira Oliveira. A Idade Média nos livros Didáticos de História da 2ª Fase do Ensino
Fundamental. 2000. 38 f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em História) – Centro
Universitário de João Pessoa, 2000.
9
FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de Oliveira. Família como sujeito da
historiografia didática sobre o contemporâneo e o tempo presente. Fronteiras: Revista de História,
Dourados, v. 18, n. 31, p. 322-338, jan./jun. 2016.
10
SILVA, Márcia Barbosa. Representações de homossexuais nos livros didáticos de história para os anos
finais do ensino fundamental, distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD (2005-
2011). 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Sergipe, 2013.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
11
FREITAS, Itamar (coord.). História regional para a escolarização básica no Brasil: o texto didático
em questão (2006-2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
12
GALLY, Christianne. As estratégias teextual-discursivas de construção de sentido nos livros
didáticos de História. In: FREITAS, Itamar (coord.). História regional para a escolarização básica
no Brasil: o texto didático em questão (2006-2009). São Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
Iniciação científica.
MOURA, Ana Maria Garcia. Ensino de história para as séries finais da escolarização básica no
Brasil: análise linguística. Orientador: Itamar Freitas. 2009. Iniciação Científica. (Graduando
em História) – Universidade Federal de Sergipe, 2009. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.
OLIVEIRA, Carla Karinne Santana. Ensino de história para as séries iniciais da escolarização básica
no Brasil: análise linguística. Orientador: Itamar Freitas. 2009. Iniciação Científica. (Graduando
em História) – Universidade Federal de Sergipe, 2009. Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.
13
OLIVEIRA, Carla Karinne Santana; MOURA, Ana Maria Garcia; AZEVEDO, Max Willes
de Almeida. Escrevendo a história regional para crianças. In: FREITAS, Itamar (coord.). História
regional para a escolarização básica no Brasil: o texto didático em questão (2006-2009). São
Cristóvão: Editora da UFS, 2009.
14
FREITAS, Itamar; OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Cultura histórica e livro didático
ideal: algumas contribuições de categorias rüsenianas para um ensino de história à brasileira.
Espaço Pedagógico, Passo Fundo, p. 23-234, jul./dez. 2014.
SOARES, Jandson Bernardo. Espaço escolar e livro didático de História no Brasil: a
institucionalização de um modelo a partir do Programa Nacional do Livro Didático (1994-
2014). Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2017. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior.
Orientamos os seguintes projetos de iniciação científica, todos voltados para a discussão dos
fundamentos teóricos sistematizados por Jörn Rüsen:
240
Livros didáticos de História: consolidação e renovação de um objeto de pesquisa
CONRADO, Amanda da Cunha. Os livros didáticos de História e as orientações para a vida prática.
Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2012, 2013 e 2014. Iniciação Científica.
(Graduando em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
SOARES, Jandson Bernardo. O ensino de História como orientação para vivência no tempo.
Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2011. Iniciação Científica. (Graduando em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
ALVES, Raiane de Alexandria. O livro didático... ideal? Aproximações teoria e prática a partir
de livros aprovados pelo PNLD nos anos 2004 a 2015. 2014. Orientador: Margarida Maria
Dias de Oliveira. Iniciação Científica. (Graduanda em História) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
15
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Livros didáticos de História: o estado atual da questão.
Boletim de Pesquisa Unipê, João Pessoa, v. 02, p. 152-163, 2000.
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de/ DIAS, Margarida Maria Santos. Livros didáticos de
História: o estado atual da questão – 2ª parte. Boletim de Pesquisa Unipê, João Pessoa, v. 03,
p. 113-125, 2001.
Planos de trabalhos de pesquisas de Iniciação científica:
SILVA, Mônica Fagundes de Sousa e. Ensino de história na educação básica: mídia, memória e
memorização. Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2007. Iniciação Científica.
(Graduando em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007.
ASSUNÇÃO, Victor Gabriel Campelo. Ensino de história na educação básica: mídia, memória e
memorização. Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2007. Iniciação Científica.
(Graduando em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007.
MOURA, Ana Maria do Nascimento. Ensino de história na educação básica: mídia, memória e me-
morização. Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2007. Iniciação Científica. (Graduan-
do em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007.
Professores de História e interdisciplinaridade: entre concepções e práticas construídas a partir dos livros
de Ciências Humanas adquiridos pelo PNLD 2016. MARTINHO LUIZ MEDEIROS DUARTE,
2018.
Livros didáticos de Ciências Humanas e suas Naturezas: entre concepções e práticas de produção de
livros interdisciplinares a partir do PNLD 2016. VIVIAN MIKAELLY DA SILVA PEREIRA,
2018.
Progressão do conhecimento histórico na segunda versão da BNCC – Segunda etapa. MATHEUS
OLIVEIRA DA SILVA, 2018.
Progressão do conhecimento histórico na segunda versão da BNCC – Segunda etapa. REBECA
NADINE DE ARAUJO PAIVA, 2019.
O papel do conhecimento histórico no Youtube (2005-2019). GLICIA KALIANE LUCAS
MACHADO DE SOUZA, 2019.
16
Exemplos de trabalhos desse tipo são:
LIMA, Caio Rodrigo Carvalho. Mestres-escola e a construção das ideias do Ensino de História no
Brasil: Sérgio Buarque de Holanda. Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2010.
Iniciação Científica (Graduando em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
DANTAS, Felipe Mykael Alves. A instituição da disciplina Cultura do RN: discursos e práticas.
Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2009. Iniciação Científica (Graduando em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
SILVA, Katiane Martins Barbosa da. A instituição da disciplina Cultura do RN: discursos e práticas.
Orientador: Margarida Maria Dias de Oliveira. 2008. Iniciação Científica (Graduando em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
17
ANDRADE, Leila Angélica Oliveira Moraes de. Para a formação do bom sergipano: um estudo
do livro didático Meu Sergipe, de Elias Montalvão (1916). Orientador: Itamar Freitas de
241
Itamar Freitas de Oliveira • Margarida Dias de Oliveira
242
Livros didáticos de História: consolidação e renovação de um objeto de pesquisa
243
Itamar Freitas de Oliveira • Margarida Dias de Oliveira
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; CAINELLE, Marlene Rosa (org.); OLIVEIRA, Almir
Félix Batista de (org.). Ensino de História: múltiplos ensinos em múltiplos espaços. 1. ed., v. 2.
Natal-RN: EDUFRN, 2008. 200p. (Coleção Ensino de História).
STAMATTO, M. I. S. (org.). Escolha e uso do livro didático. Pesquisa interinstitucional (Ensino
Fundamental – Brasil/2006). 1. ed., v. 3. Natal-RN: Editora da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (EDUFRN), 2008. (Coleção Ensino de História).
ANDRADE, João Maria Valença de; STAMATTO, M. I. S. (org.). História ensinada e a escrita
da História. 1. ed., v. 4. Natal-RN: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(EDUFRN), 2009. (Coleção Ensino de História).
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; OLIVEIRA, Almir Félix Batista de (org.). Livros didáticos
de história: escolhas e utilizações. 1. ed., v. 5. Natal/RN: EDUFRN, 2009. 100p. (Coleção
Ensino de História).
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Como se formam os professores de História: vivências e
experiências na iniciação a docência. 1 ed. v. 6. Natal: EDUFRN, 2009. 70 p. (Coleção Ensino
de História)
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; Costa, Aryana Lima (org.). Para que(m) se avalia? Livros
Didáticos de História e Avaliações (Brasil, Chile, Espanha, Japão, México e Portugal). 1. ed.
Natal: EDUFRN, 2014. v. 1, p. 164p. (Coleção Ensino de História).
37
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira (org.). O livro didático
de história: políticas educacionais, pesquisa e ensino. Natal: Editora da UFRN, 2007. [No
sumário veem-se, além das organizadoras, Itamar Freitas, Isaíde Bandeira, Iranilson Buriti,
Maria Telvira da Conceição, Grinaura de Medeiros Morais, Ana Gabriela Seal, André Victor
Cunha, Éden Lemos, Marta Lima, Juçara Luzia Leite, Sônia Nikitiuk, Arnaldo Pinto Júnior,
Ana Maria Mauad, Décio Gatti Júnior, Luís Fernando Cerri, Ângela Ferreira, Marlene Cainelli,
Sandra Ferreira, Flávia Caimi e Maria Augusta de Castilho].
38
OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; OLIVEIRA, Almir Félix Batista de (org.). Livros didáticos
de História: escolhas e utilizações. Natal: Editora da UFRN, 2009. [Além dos organizadores,
constam como autores nessa obra: Itamar Freitas de Oliveira, Maria Inês Sucupira Stamatto,
Marta Margarida de Andrade Lima, Isaíde Bandeira, André Victor Cavalcanti Seal da Cunha
e Ana Gabriela de Souza Seal].
244
Desafios e possibilidades de análise de teias
discursivas no currículo de História
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro1
Maria de Fátima Barbosa Pires2
245
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
246
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
247
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
248
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
249
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
250
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
251
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
252
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
253
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
254
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
Os grupos humanos criando cultura e suas relações com o meio e com outros
grupos, em diferentes tempos e em diferentes espaços, são o foco central. Esse
trabalho permitirá aos alunos a aquisição daquele instrumental mínimo de
compreensão e reflexão histórica sobre o mundo que os cerca, compatível com
seus níveis cognitivos (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 1988, p. 11).
255
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
256
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
Considerações finais
Este trabalho focalizou um documento curricular como parte de exer-
cícios teórico-metodológicos desenvolvidos em nosso grupo de pesquisas com
vistas a analisar a teia discursiva constituída em texto curricular para a disci-
plina escolar História no contexto do município do Rio de Janeiro (1985-
1988).
Assumir esse documento curricular como produção discursiva levou-
nos em direção às interlocuções teóricas com o trabalho de Albuquerque Jr.
(2007) em diálogo com Michel de Foucault (2000) e, a partir do desafio pro-
posto, buscar compreender a teia discursiva que constituiu as orientações pro-
postas para o ensino de uma História renovada e que articularam enunciados
sobre concepções pedagógicas e sobre a História a ser ensinada.
Um texto não se encerra na fase de sua produção escrita; ao contrário,
suas apropriações são abertas e ilimitadas. Nesse sentido, podemos concluir
que essa produção discursiva curricular expressa marcas de diversas tempora-
lidades: a temporalidade dos sujeitos no presente com suas visões de mundo e
compreensões sobre os documentos curriculares que estudam; e as compreen-
sões dos sujeitos, outrora, no passado, cujas significações desse passado eco-
am de modo disperso nos textos curriculares lidos, produzidos e ressignifica-
dos no presente. Assim, a análise documental ao longo deste trabalho exigiu
rigor metodológico para reconhecer que as nossas inteligibilidades produzidas
257
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
258
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
Referências
ABUD, K. O ensino de história como fator de coesão nacional: os programas de 1931.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 163-174, 1993.
ABUD, K. A guardiã das tradições: a História e seu código disciplinar. Educar em Revis-
ta (Impresso), v. 42, p. 163-172, 2011.
ALBUQUERQUE JR., D. M. Menocchio e Rivière: criminosos da palavra, poetas do
silêncio. In: ALBUQUERQUE JR., D. M. A arte de inventar o passado. Florianópolis:
EDUSC, 2007. p. 101-112.
BITTENCOURT, C. Propostas curriculares de História: continuidades e transforma-
ções. In: BARRETO, Elba S. de Sá (org.). Os currículos no ensino fundamental para as
escolas brasileiras. 1. ed. São Paulo: Autores Associados/Fundação Carlos Chagas, 1998.
v. 1, p. 127-161.
FERNÁNDEZ CUESTA, R. Clio en las aulas: la enseñanza de la Historia en España
entre reformas, ilusiones y ruinas. Madrid: Akal, 1998.
FONSECA, S. G. Caminhos da história ensinada. Campinas: Papirus, 1993.
FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradu-
ção Salma Tannus Muchail. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GABRIEL,C. T.; MONTEIRO,A.M.F.C. Currículo de História e narrativa: desafios
epistemológicos e apostas políticas. In: MONTEIRO, A. M. F. C.; GABRIEL, C. T.;
ARAUJO, C. M. de; COSTA, W. da (org.). Pesquisa em Ensino de História. Entre desafios
epistemológicos e apostas políticas. Rio de Janeiro: MAUAD X, 2014. p. 23-40.
259
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
260
Desafios e possibilidades da análise de teias discursivas no currículo de História
1
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/PUCRIO. Pro-
fessora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade de pesqui-
sa do CNPq. E-mail: [email protected].
2
Professora da rede municipal de Niterói (RJ). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ). Pesquisadora da Funda-
ção Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ – pelo
programa de bolsas “doutorado nota dez”. E-mail: [email protected].
3
“A História ensinada: saber escolar e saberes docentes em narrativas da história escolar” (2005-
2010); “Ensino de História e historiografia: narrativas, saberes e práticas” (2008-2011) com
apoio FAPERJ; “Tempo presente no ensino de história: historiografia, cultura e didática em
diferentes contextos curriculares” (2011-2016), com apoio CNPq; “Narrativas do Estado do
Rio de Janeiro nas aulas de História: um estudo a partir de diferentes vozes” (2014-2016), com
apoio FAPERJ. Essas pesquisas foram desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em
Ensino de História e Formação de Professores/GEHPROF, integrante do Laboratório de Estu-
dos e Pesquisas em Ensino de História-LEPEH.
4
Sobre a questão da continuidade no código disciplinar da História no Brasil, ver ABUD, K.
(2011).
5
Em algumas experiências realizadas, como por exemplo o ensino dos Estudos Sociais nos Co-
légios Vocacionais em São Paulo, ocorreu de forma diferenciada, constituindo uma área nú-
cleo e integrando conteúdos de disciplinas que se mantinham como campos autônomos. Ver
LEME et al., 1986, p. 3.
6
A pesquisa “Currículo, docência e formação de professores de história: entre tradições e inova-
ções 1985-2015” (2017 – Atual) é realizada com financiamento do CNPq por meio de bolsa de
produtividade de pesquisa e de iniciação científica aos estudantes de graduação Luiz Henrique
261
Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro • Maria de Fátima Barbosa Pires
262
Conhecimento escolar e currículo
de História: apostas teóricas
em tempos de negacionismos
Yara Cristina Alvim1
Diego Bruno Velasco2
263
Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
264
Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
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Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
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Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
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Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
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Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
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Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
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Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
271
Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
Considerações finais
Os desafios para quem pesquisa currículo e ensino de História são ilimi-
tados. Um rápido exercício de contextualização indica-nos que vivemos um
tempo de emergência e fortalecimento de discursos que afrontam a legitimida-
de do conhecimento e do professor, bem como a sua liberdade de atuação
profissional. A difusão de fake news e as deturpações sobre nosso passado his-
tórico, que teimam em negar as feridas históricas que custam cicatrizar, en-
grossam esses discursos.
Isso tudo basta para indicarmos que as querelas estão apenas em um
ponto inicial, posto que o enfrentamento a essas pautas de caráter negacionis-
272
Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
273
Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
274
Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
Referências
ALBERTI, V. O professor de História e o ensino de questões sensíveis e controversas. Palestra
proferida no IV Colóquio Nacional História Cultural e Sensibilidades, realizado no
Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres) da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) em Caicó (RN), de 17 a 21 de novembro de 2014.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. de. Fazer defeitos nas memórias: para que servem
o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, M. de A.; ROCHA, H.; REZNIK,
L; MONTEIRO, A. M. Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
275
Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
276
Conhecimento escolar e currículo de História: apostas teóricas em tempos de negacionismos
277
Yara Cristina Alvim • Diego Bruno Velasco
1
Professora da Faculdade de Educação da UFJF e Doutora em Educação pelo PPGE/UFRJ.
2
Professor do Setor Curricular de História do CAp UFRJ e Doutor em Educação pelo PPGE/
UFRJ.
3
Fragmento do texto, “A escola de sua cidade aplica a Lei 10.639/03, uma consequência da luta
negra?”, publicado no Portal Geledés em 23 de junho de 2020. O texto na íntegra pode ser acessado
pelo link: <https://www.geledes.org.br/a-escola-de-sua-cidade-aplica-a-lei-10-639-03-uma-
consequencia-da-luta-negra/>. Acesso em: 26 jun. 2020.
4
Trecho apresentado no texto da Lei 10.639/2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/ l10.639.htm>. Acesso em: 28 jun. 2020.
5
Cabe destacar que chamamos de negacionistas os discursos que procuram negar as dimensões
opressoras de períodos históricos como a Ditadura Civil-Militar e a Escravidão. Muito grupos,
de orientação política mais conservadora, tendem a negar, a suavizar os impactos desses
períodos e, até mesmo, a exaltar figuras relacionadas a tais contextos. Chamamos também
atenção para a importância de saber diferenciar negacionismo de revisionismo, visto que esse
último faz parte do processo de construção do conhecimento histórico, posto que marca a
revisitação a abordagens historiográficas sobre determinados temas, considerando que a História
se reescreve constantemente.
6
A Fundação Cultural Palmares foi criada pelo Governo Federal em 1988. Nas linhas que
definem sua missão, destaca-se o seu compromisso com a promoção de uma política cultural
igualitária e inclusiva, que contribua para a valorização da história e das manifestações culturais e
artísticas negras brasileiras como patrimônios. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/>.
Acesso em: 26 maio 2020.
7
Destacam-se os artigos “A Narrativa Mítica de Zumbi dos Palmares” e “Zumbi e a Consciência
Negra – existem de verdade?”. Ambas as publicações foram retiradas do site da Fundação por
determinação judicial da 9ª Vara Federal Cível da SJDF, publicada em 29/05/20, em
decorrência de ação popular registrada em 14/05/20. No corpo do texto judicial, uma das
apreciações que embasam a exclusão dos artigos afirma que “ambos os textos defendem
explicitamente a desconsideração da raça, cultura e consciência negras”. Disponível em:
<https://jornalggn.com.br/sites/default/files/2020/05/justica-manda-fundacao-palmares-
apagar-textos-em-repudio-a-zumbi-dos-palmares-decisao.pdf>. Acesso em: 26 maio 2020.
8
Os estudos pós-estruturais do currículo englobam abordagens teóricas diversificadas. A
introdução dos estudos curriculares de matriz pós-estrutural no Brasil ocorre no início deste
século a partir das obras e de traduções de Tomaz Tadeu Silva. Ver: COSTA, 2005.
9
A noção de poder tem recoberto o campo do currículo há, pelo menos, cinco décadas. Tributário
da vasta e plural tradição curricular de matriz crítica, o poder emerge como categoria teórica
central para pensar o conhecimento em sua dimensão de regulação e de emancipação. A
ampliação e a diversificação dos estudos curriculares em finais do século XX redimensionaram
a noção de poder no currículo, reafirmando sua articulação com a pauta política e teórica da
diferença. Ver: LOPES; MACEDO, 2005; 2011.
10
Ancorados na discussão pós-fundacional do discurso de Laclau e Mouffe, compartilhamos da
seguinte definição para conhecimentos escolares: “estabilidades provisórias de sentidos sobre
fenômenos sociais e naturais, cuja objetivação se faz em meio às disputas entre processos de
significação perpassados por diferentes fluxos de sentidos vindos de contextos discursivos,
horizontes teóricos e campos disciplinares distintos que se articulam em uma cadeia de
equivalência que fixa o sentido de escolar” (GABRIEL; MORAES, 2014, p. 31).
11
O Núcleo de Estudos de Currículo (NEC) vincula-se ao Programa de Pós-Graduação em
Educação e à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ter acesso
às teses de doutorado e às dissertações de mestrado, ver em: <https://ppge.educacao.ufrj.br/
ppge-teses.html> e <https://ppge.educacao.ufrj.br/ppge-dissertacoes.html>.
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O jogo como fonte e objeto de pesquisa:
possibilidades da pesquisa sobre
o uso de jogos no ensino de História
Marcello Paniz Giacomoni1
Lucas Victor Silva2
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Marcello Paniz Giacomoni • Lucas Victor Silva
assim é o jogo (ou ao menos o bom jogo): a narrativa está aberta à nossa agên-
cia e seu desfecho indeterminado, o que garante a tensão necessária para um
bom jogo.
Jogar na educação e jogar no ensino de História já não são (mais) ações
impensáveis em nossas salas de aula. Cada vez mais, professores ensaiam a
criação ou utilização de jogos3 ou mesmo gamificam suas práticas, já existin-
do variadas ações pedagógicas (de longa data, inclusive) que envolvem os jo-
gos no ensino de História e que, para além de uma defesa, cabe agora tomar
essas ações como objetos de pesquisas em amplos sentidos.4
Entre tantas possibilidades de pesquisar o lúdico no ensino de História,
o presente capítulo irá explorar quatro possíveis caminhos de pesquisa. Nosso
intento não é realizar um estudo do tipo de estado da arte, mas convidar novos
pesquisadores a trilhar o caminho da investigação sobre os jogos no ensino de
História através da discussão sobre os percursos e possibilidades abertas por
essas pesquisas que aqui apresentamos. As duas primeiras constituem investi-
gações em andamento, enquanto as duas seguintes estão concluídas. A pri-
meira explora uma proposta de avaliação da eficácia das aprendizagens histó-
ricas de estudantes com ou sem a utilização de jogos de tabuleiro construídos
especialmente para o ensino de História. O segundo caminho apresenta breve-
mente o processo de criação do jogo “As Viagens do Tambor” com seus desdo-
bramentos teóricos e práticos, dando origem a um projeto de pesquisa e exten-
são que pretende mapear mecânicas e dinâmicas existentes em jogos de tabulei-
ro, criando um banco de dados (e também uma comunidade de jogadores) que
possibilite a criação de jogos que associam processos históricos a mecânicas de
jogos, com especial ênfase no diálogo com a Educação para as Relações Étnico-
Raciais. O terceiro caminho destaca a investigação sobre a prática de um docen-
te que cria, planeja e utiliza jogos como recursos didáticos e estratégia de avali-
ação das aprendizagens em escola pública. O último caminho aqui discutido
esquadrinha as possibilidades dos usos educativos dos jogos digitais ou games
de simulação histórica e suas relações com a aprendizagem dos conteúdos histó-
ricos, partindo da investigação sobre jovens que jogam. Vencidas as considera-
ções iniciais, vamos às novas etapas do nosso jogo.
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sobre o uso de jogos no ensino de História
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a isso o fato de que, nas aulas subsequentes ao jogo e à avaliação, foram iden-
tificadas pelo menos quatro falas de estudantes em momentos variados das
aulas que faziam eco ao jogo. Aparentemente, o jogo auxiliou na criação de
um ponto de ancoragem de elementos que eram desenvolvidos nas aulas. Além
disso, a dinâmica de jogo mostrou-se muito mais fluida e aprofundada no gru-
po focal que envolveu sete alunos, sendo que todos os sete conseguiram com-
preender as mecânicas e participar efetivamente do jogo. Esses são resultados
preliminares que apontam uma maior apropriação conceitual dos estudantes
que manusearam o jogo, por um lado, e para o cuidado necessário na escolha
das mecânicas, por outro.
284
O jogo como fonte e objeto de pesquisa: possibilidades da pesquisa
sobre o uso de jogos no ensino de História
ra, o jogo objetiva produzir encontros, diálogos entre pessoas que acessam
uma temporalidade e uma territorialidade muitas vezes diversas das habituais.
Disposto na forma de um círculo com territórios que não se relacionam
à geografia e à temporalidade “reais” da cidade, o tabuleiro possibilita que os
alunos interajam em roda, evidenciando o valor da circularidade. Personagens
de variadas épocas percorrem espaços também de variadas épocas. Por exem-
plo, Príncipe Custódio, falecido no início do século XX, pode interagir com a
Professora Petronilha, uma das responsáveis pela redação das Diretrizes Cur-
riculares decorrentes da lei 10.639/2003. Podem também circular no Rubem
Berta, bairro da periferia de Porto Alegre, e passar pela Ilhota, área de presen-
ça da população negra, cuja urbanização da cidade suprimiu em meados do
século XX. Podem praticar a ancestral capoeira e também localizar o Sopapo
Poético. Encontros, por fim, que promovem aprendizagens, desfazendo me-
mórias cristalizadas sobre a cidade, ao mesmo tempo em que se abrem novas
histórias.
O processo de criação foi permeado por grandes debates, e o jogo, em
sua própria narrativa e mecânicas, é a evidência de intencionalidades pedagó-
gicas. Por exemplo, quais personagens colocar? Ou quais espaços da presença
da população negra? Também qual a narrativa? De pronto percebemos que
uma narrativa que envolvesse assassinato (como no jogo “Detetive”, que ser-
viu de inspiração), ou mesmo roubo, seria outra reificação da marca da violên-
cia na população negra. E o objetivo do jogo, para além de evidenciar presen-
ças, era sim positivar essas presenças.
Sendo um jogo que dialoga com a pauta teórica e política da Educação
para as Relações Étnico-Raciais (ERER), situamos tal debate em uma defesa
do ponto de vista teórico: entendemos que o processo narrativo é a operação
capital na formulação de uma experiência sobre o passado, oferecendo inteli-
gibilidade ao vivido ao articular a experiência no tempo de forma lógica, tor-
nando-a humana. Paul Ricouer (2010, p. 2) ensina-nos sobre a “intriga” de
uma narrativa que “‘toma juntamente’ e integra em uma história inteira e com-
pleta os acontecimentos múltiplos e dispersos e, assim, esquematiza a signifi-
cação inteligível vinculada à narrativa tomada como um todo”. Um processo
amplo, já tomado como uma operação por Michel de Certeau (2008), que cria
a História a partir de narrações que articulam coerentemente representações
históricas, figuras e argumentos retóricos e enunciados científicos, encadea-
dos por processos que mobilizam a imaginação histórica.
A esta reflexão associamos o jogar, entendendo que o jogo dá origem a
uma narrativa em potência (a partir da disposição de mecânicas) que se efetiva
no ato de emulação dos jogadores. Narrativa que, como apontamos anterior-
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Considerações finais
Defendemos que os jogos podem constituir um caminho potente na
educação e, especialmente, no ensino de História. Suas potências são muitas:
existem uma ou mais narrativas; no final de cada jogo, há sempre um feedback
dos resultados alcançados; a tensão está presente, seja de forma competitiva,
seja de forma cooperativa; objetivos e regras claras abrem a possibilidade da
ação, da tomada de decisões em meio a uma mecânica e a parceiros de jogo;
extrapolam-se os pedaços de papel ou os pixels que formam o jogo em um
“círculo mágico” repleto de imaginação constitutiva; por fim, claro, há a di-
versão, requisito básico para um bom jogo.
Todavia a proposta deste texto foi um convite à ampliação de uma defe-
sa para ações de pesquisa que identifiquem as aprendizagens de jogos, tanto
de tabuleiro como digitais, que mapeiem o funcionamento de jogos, que com-
preendam quais são as práticas lúdicas de professores e estudantes. Caminhos
que percorrem três dimensões do ato lúdico: o “jogo” (o material propriamen-
te dito, físico ou virtual), o “jogo jogado” (as propostas que situam o jogo na
interação com professores e estudantes) e o “jogado aprendido” (que pretende
compreender os efeitos de aprendizagem do jogar no ensino de História). Nes-
sas considerações finais, chamaremos a atenção para outros caminhos de pes-
quisa possíveis que não abordamos no curto espaço deste texto.
Podemos pensar na dimensão histórica e investigar os jogos como arte-
fatos culturais e/ou pedagógicos no país. Podemos propor uma história dos
jogos, brinquedos e brincadeiras nos termos propostos por Huizinga (2018) e
Walter Benjamin (2009), uma história da infância brincada em suas relações
com o mundo social, com a escola, com a família, com os mercados de bens
culturais, com as mídias. Ou ainda, no campo da Teoria e da História da Edu-
cação no Brasil, teríamos uma história das brincadeiras na escola, dos usos
pedagógicos dos materiais e das dinâmicas lúdicas, do reconhecimento da di-
mensão formativa pela experiência lúdica (BROUGERE, 2003) e da apropria-
ção do jogo pela filosofia da educação (FORTUNA, 2013; LUCKESI, 2002).
No campo da pesquisa em formação docente, se acreditarmos na perti-
nência do uso de jogos na aula de História, deve-se investigar que saberes o
292
O jogo como fonte e objeto de pesquisa: possibilidades da pesquisa
sobre o uso de jogos no ensino de História
professor deve dominar para usar e/ou para construir seus jogos com fins edu-
cativos. Que espaço tais saberes específicos devem ocupar na formação inicial
ou continuada entre tantos outros saberes plurais e diversificados já mapeados
(TARDIF, 2002)?
Se investigarmos as práticas docentes, outras questões se impõem, con-
forme indicou nosso diálogo com Vasconcelos Silva (2016). O que jogam os
docentes de História dentro e fora de suas salas de aula? Como planejam e
executam as atividades lúdicas utilizadas no ambiente escolar? E como ques-
tionamos, quais os critérios para a escolha das mecânicas, brinquedos, dinâ-
micas e estéticas usados nas turmas? Como avaliam a sua eficácia na promo-
ção das aprendizagens? Quais as especificidades da prática docente brincan-
te e quais as dobras nas interações e relações entre professores e estudantes e
os próprios aprendizes-brincantes entre si? Como se manifesta a (in)disciplina
em uma aula jogada? E, ainda, qual o perfil dos professores que jogam com
suas turmas?
Um pesquisador das aprendizagens, em outro caminho, vai se debruçar
sobre o lugar dos jogos, dos brinquedos, das brincadeiras e, sobretudo atual-
mente, dos games na vida dos estudantes. Jogando mesmo fora da escola –
apesar da desconfiança de pais e professores no que diz respeito à influência
dos jogos no comportamento infanto-juvenil –, o que e como aprendem com
games, cartas, tabuleiros, meeples, livros e sistemas de RPG? Como se apropriam
das narrativas sobre o passado que emergem nesses objetos ou telas? Uma
investigação desse tipo poderia contribuir para subsidiar novas práticas docen-
tes, novas apropriações escolares.
Enfim, ressaltamos que a criação e a prática docente lúdica deve consi-
derar o contexto escolar e as dificuldades e especificidades das turmas no que
diz respeito às aprendizagens dos conteúdos históricos, nível de conhecimen-
tos prévios e inconstâncias próprias do ambiente. Os jogos de tabuleiro, jo-
gos digitais ou RPGs (e outros tantos recursos lúdicos) não responderão ne-
cessariamente às necessidades das turmas se não considerarmos as diversi-
dades discentes. Nesse sentido, o docente deve considerar o planejamento es-
colar no sentido da diversificação de linguagens e procedimentos de ensino
para além do jogo (SILVA, 2016), recusando o entendimento dos artefatos
lúdicos como remédios infalíveis para quaisquer problemas nas aprendizagens.
Nada será capaz de substituí-lo como mestre e mediador nos jogos da aprendi-
zagem humana.
293
Marcello Paniz Giacomoni • Lucas Victor Silva
Referências
ARRUDA, Eucidio Pimenta. Jogos digitais e aprendizagens: o jogo Age of Empires III
desenvolve ideias e raciocínios históricos de jovens jogadores? Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2009.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.
BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Petrópolis: Vozes, 2017.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
FORTUNA, T. R. Brincar é aprender. In: GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA,
Nilton Mullet (org.). Jogos e Ensino de História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
GIACOMONI, M. P.; PEREIRA, Nilton Mullet. Jogos e ensino de história. Porto Ale-
gre: Evangraf, 2013.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Pers-
pectiva, 2018.
LUCKESI, C. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir da experiên-
cia interna. In: PORTO, Bernadete (org.). Educação e Ludicidade (Ensaios 02): Ludici-
dade: o que é isso?. Salvador: GEPEL/FACED/UFBA, 2002. p. 22-60. Disponível
em: <https://luckesi002.blogspot.com/>. Acesso em: abr. 2020.
PEREIRA, Nilton M.; FRAGA, Gabriel Torelly. O Jogo e o conceito: sobre o ato
criativo na aula de História. Opsis, v. 15, p. 88-100, 2015. Disponível em: <https://
www.revistas.ufg.br/Opsis/article/view/34727>. Acesso em: 10 nov. 2019.
RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa – 1: A intriga e a narrativa histórica. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2010.
SILVA, Cláudio Rodrigo Vasconcelos. Alea Jact Est: a prática docente do professor de
História que faz uso de roleplaying game na sala de aula. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2016.
SILVA, Cláudio Rodrigo Vasconcelos. Usos (e Abusos) do Role Playing Game no Ensino de
História: um estudo sobre as possibilidades de sistemas de RPG na sala de aula. 2013.
100f. Monografia (Graduação). Licenciatura Plena em História, UFRPE, Recife, 2013.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
1
Doutor em Educação. Professor do Colégio de Aplicação da UFRGS. E-mail:
[email protected] .
2
Doutor em História. Professor da UFRPE. E-mail: [email protected].
3
Compreendemos jogo como, segundo Huizinga (2002), atividade ou ocupação voluntária, exer-
cida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço (“círculo mágico”), segundo
regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mes-
mo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser dife-
rente da “vida quotidiana” e de embarcar no “faz de conta”. O jogo possui uma funcionalidade
294
O jogo como fonte e objeto de pesquisa: possibilidades da pesquisa
sobre o uso de jogos no ensino de História
semelhante à do discurso pedagógico, uma vez que as qualidades do jogador são testadas na
direção do que podemos chamar de compartilhamento do conhecimento e compromisso pela
vida.
4
Há um número crescente de teses, dissertações, monografias e artigos científicos sobre jogos no
ensino de História no campo do Ensino de História no Brasil. Aqui, para não fugir dos objetivos
deste texto, chamaremos a atenção apenas para a quantidade de pesquisas de professores da
Educação Básica egressos dos Mestrados Profissionais em Ensino de História: entre 2016 e
2019 ocorreram 17 defesas de dissertações sobre jogos de tabuleiro ou digitais.
5
Os jogos foram construídos em 2019 por Marcello Paniz Giacomoni (o Mithistória contou
também com a participação de Samuel Gomes de Oliveira e Eduarda Dortzbacher Schena),
relacionados diretamente com os objetivos de aprendizagem da passagem do Paleolítico para o
Neolítico e das diferenças entre narrativas míticas e narrativas históricas, respectivamente. A
descrição completa desses dois jogos, juntamente com materiais em pdf, encontra-se no link:
<https://sites.google.com/view/ludotecalhiste>.
6
Um desses cuidados são as considerações éticas. Em 2016, o Conselho Nacional de Saúde (que
normatiza os processos de ética em pesquisa) publicou sua Resolução nº 510 <http://
www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/22917581>, que pauta
os procedimentos éticos em pesquisas nas ciências sociais, abarcando o campo da Educação.
Resumidamente, todas as pesquisas que envolvam seres humanos devem ser submetidas ao
Conselho de Ética de cada instituição de pesquisa através da Plataforma Brasil. São avaliados
os riscos da pesquisa, as garantias de anonimato e as necessidades de consentimento dos
participantes. No caso de menores de idade, como em pesquisas efetuadas em escolas, são
necessários o consentimento dos responsáveis e o assentimento dos menores, ambos por escrito.
Esse cuidado rapidamente se transforma em uma dificuldade: a realização das pesquisas e a
consequente utilização dos dados demandam que os participantes e seus responsáveis aceitem
participar. Mais do que isso, demandou que adolescentes de 11 a 12 anos levassem documentos
para os responsáveis e retornassem com os mesmos assinados à escola. De 58 estudantes das
duas turmas de 6º ano de 2019, 55 retornaram com os documentos após um longo processo
semanal de retomada da importância do consentimento. Como o uso dos jogos fazia e faz parte
das aulas regulares do componente curricular de História, todos os alunos participaram das
atividades. Mas foram utilizados os dados e permitida a participação nos grupos focais apenas
daqueles estudantes em que houve consentimento e assentimento.
7
O jogo está integralmente disponibilizado no seguinte link: <https://www.ufrgs.br/lhiste/
category/acervo/jogos-acervo/>.
8
O Lhiste congrega atualmente pesquisadores da Faculdade de Educação, Colégio de Aplicação
e Departamento de História, atuando em diversas frentes: organização de eventos, criação de
materiais didáticos, criação de jogos, publicação de livros paradidáticos, formação de grupos
de pesquisa, disponibilização de planos de aula, entre outros. A página virtual do Lhiste pode
ser visitada a partir do seguinte link: <https://www.ufrgs.br/lhiste/>.
9
O levantamento das descobertas mais relevantes sobre a temática permitiu a Vasconcelos Silva
encontrar a lacuna que justificaria seu estudo pioneiro: “o nosso trabalho busca preencher esta
lacuna ao olhar para a prática docente do professor de História que utiliza o RPG na sala de
aula, sem perder a dimensão relacional entre os sujeitos da sala de aula e o jogo” (2016, p. 38).
295
A música como fonte e objeto de pesquisa
para o campo do ensino de História
Edilson Aparecido Chaves1
296
A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
Museu Nacional, cantos religiosos dos negros, vistos pelo autor como folclo-
re, e óperas como a Ave Maria da Primeira Missa no Brasil, gravação da Rádio
Ministério da Educação e Cultura. Dessa forma, é possível perceber que o
autor já se destacava não apenas por apontar caminhos para o trabalho com a
música nas aulas de História, como também mapeando os tipos de temas que
poderiam ser trabalhados em aulas.
Não se tratava de trabalhar a música nas aulas de História, como a con-
cebemos hoje, mas já destacava o valor do uso da música para explorar o cur-
rículo nacional do período.
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Edilson Aparecido Chaves
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A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
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Edilson Aparecido Chaves
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A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
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Edilson Aparecido Chaves
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A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
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Edilson Aparecido Chaves
Referências
ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de
História. Cadernos do CEDES (UNICAMP), Campinas/SP, v. 67, p. 309-317, 2005.
BERNARDO, Moacir. A vida bandida de Dioguinho. Botucatu: Gráfica e Editora Santa-
na, 2000.
CHAPMAN, Arthur. Desenvolvimento do pensamento histórico: abordagens conceituais e
estratégias didáticas. Curitiba: W. A. Editores, 2018.
CHAVES, Edilson Aparecido. A música caipira em aulas de História: questões e possibili-
dades. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, NPPD/PPGE-UFPR. Curitiba, 2006.
GUEDES, João Alfredo Libânio. Curso de Didática de História. 2. ed. Rio de Janeiro:
Pallas, 1975.
304
A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
Sugestões de leitura
Há bons livros para leitura e aperfeiçoamento sobre o uso da música em aula.
Minha primeira indicação é para conhecimento sobre a música brasileira. Trata-se do
livro: Brasil Século XX: ao pé da letra da canção popular. Curitiba: Nova Didática, 2002. O
livro, nas palavras dos autores Luciana Worms e Wellington Costa, é um apanhado de
episódios da História do Brasil. Sem dúvida, uma obra de referência.
Outra excelente fonte de pesquisa é o livro do pesquisador Paulo Cesar de Araújo: Eu
não sou cachorro, não: Música popular cafona e ditadura militar12. Nelson Motta, jornalista,
compositor, escritor e produtor musical, resume o que o livro representa na história da
música brasileira. “O livro Eu não sou cachorro, não tá colocando ordem e fazendo justi-
ça na música brasileira. Ele resgata e explica a importância desses artistas que eram
execrados pela crítica, mas adorados pelo povão, porque faziam música que falava da
vida e dos sentimentos dos brasileiros de uma forma que todos entendiam” (MOTTA,
2010).
Uma boa fonte para pesquisa sobre o personagem (Dioguinho) citado neste artigo é o
livro de João Garcia, intitulado Dioguinho: o matador de punhos de renda13. Trata-se de
um romance histórico de uma personagem verídica, Diogo da Rocha Figueira, o Dio-
guinho, um dos mais notáveis bandidos caipiras do interior de São Paulo, que viveu
em fins do século XIX no contexto da transição da Monarquia para a República e
revela parte das discussões políticas sobre o período.
Para quem busca trabalhar com temas sobre gênero e música, o livro Dossiê: As Galvão
– as soberanas 70 anos de estrada14, do autor Maikel Monteiro, pode ajudar bastante. Tra-
ta-se da única dupla feminina de música caipira a atingir setenta anos de carreira. Em
um universo dominado por duplas masculinas, as Galvão fizeram história por superar
o machismo predominante no meio artístico sertanejo.
Procedimentos de pesquisa
BUTLER, Simon. What´s that stuff you´re listening to, sir? Rock and pop music as
rich source for historical enquiry. Teaching History, 111, 2003.
Nesse artigo, o autor aponta formas metodológicas de explorar as letras em diferentes
níveis.
O artigo, em inglês, pode ser encontrado a partir do site: <http://eprints.glos.ac.uk/
7782/1/Butler%20%282003%29%20What%27s%20that%20stuff%20you%27re%20
listening%20to%20Sir.pdf>. Acesso em: 12 set. 2020.
305
Edilson Aparecido Chaves
Fontes
Rivers of Babylon. Compositores: Brent Dowe e Trevor McNaughton da banda The
Melodians. Intérprete: Boney M. São Paulo: RCA, 1978. 1 disco vinil.
Leilão. Compositores: Heckel Tavares e Joracy Camargo. Intérprete: Inezita Barroso.
São Paulo: Trama, 2003, CD: Hoje lembrando – (2’35 minutos).
Os crimes do Dioguinho. Compositores: Ado Benatti/Anacleto Rosas/Serrinha. Intér-
prete: Serrinha. São Paulo: Continental, 1950.
A Morte do Dioguinho. Compositores: Ado Benatti/Anacleto Rosas/Serrinha. Intérpre-
te: Serrinha. São Paulo: Continental, 1950.
FERREIRA, Breno. Cão. Graphic novel. São Paulo: Editora Mino, 2017.
Filmes
Dioguinho. Direção: Carlos Coimbra. Produção: Michel Lebedka, Konstantin
Tkaczenko. Brasil: BG Filmes Ltda; Sinofilmes Ltda, 1957.
A trajetória de Diogo da Rocha Figueira, famoso assassino do interior de São Paulo: suas cruel-
dades, o início de sua carreira criminal, as tocaias contra os coronéis, o caso amoroso
com uma amante, a perseguição do tenente França Pinto e a grande luta final.17
1
Professor de História do Instituto Federal do Paraná – Campus Curitiba – (IFPR). Núcleo de
Pesquisa em Publicações Didáticas (NPPD/UFPR). <https://orcid.org/0000-0002-4909-8059>.
E-mail: [email protected].
2
CHAVES, Edilson Aparecido. A música caipira em aulas de História: questões e possibilidades.
Curitiba, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná.
3
Segundo a enciclopédia livre, baseada na web e escrita de forma colaborativa, Wikipedia, na
música Rivers of Babylon, a Babilônia “assume, no contexto da canção, o sentido de opressão,
falta de liberdade, seja ela de cunho político, cultural ou espiritual, e como tal empregado nos
movimentos anti-racistas e anticoloniais, caso desta canção caribenha”.
Na cultura estadunidense, onde a canção causou grande impacto, esse Salmo possui uma tradição
de uso político, figurando no primeiro livro publicado naquele país, numa canção patriótica
de William Billings quando da Independência, passando por discurso do abolicionista Frederick
Douglass até ressurgir na canção de 1969 de The Melodians e então em muitas outras, em vários
estilos (gospel, disco, country, etc.).
O filme que revelou a canção foi ainda o primeiro longa-metragem realizado na Jamaica, e o
sucesso da obra projetou seu diretor, Perry Henzell. Por sua composição ainda na década de
1960, é considerada como “proto-reggae”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
Rivers_of_Babylon>. Acesso em: 03 abr. 2020.
306
A música como fonte e objeto de pesquisa para o campo do ensino de História
4
Inezita Barrosos é o nome artístico de Ignez Magdalena Aranha de Lima.
5
CHAVES, Edilson. O caipira revisitado: o universo da música caipira. Carta Capital, Carta na
Escola, 21 de maio de 2015. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/o-
caipira-revisitado/>. Acesso em: 31 mar. 2020.
6
Isabel de Aragão, rainha de Portugal. Conhecida como protetora dos pobres. Seu processo de
canonização foi realizado pelo Papa Urbano VIII em 1625. É reverenciada também nos Açores
com as Festas de Espírito Santo.
7
D’ÁVILA NETO, Maria Inácia; CAVAS, Claudio de São Thiago. Atravessando Fronteiras:
um estudo sobre mães-de-santo e a ‘África imaginada’ nos terreiros de candomblé do Rio de
Janeiro. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 2, p. 52 -70, ago./
dez. 2015.
8
CARVALHO, Selma Siqueira. Dioguinho: estudo de caso de um bandido paulista. Dissertação
de Mestrado, PUC-SP, 1988.
9
Em 2017 foi lançado uma Graphic novel, que mescla relatos populares com registros históricos,
chamada “Cão”, do autor Breno Ferreira, publicada pela Editora Mino.
10
CARVALHO, Nilce Camila de. Dioguinho nas narrativas policiais: um facínora de “corpo
fechado”. Disponível em: <http://www.cih.uem.br/anais/2017/trabalhos/3940.pdf>. Acesso
em: 01 abr. 2020.
11
ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro, não: música popular cafona e ditadura militar.
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307
Cinema e audiovisual no ensino de História:
questionamentos, abordagens
e possibilidades de investigação
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Cinema e audiovisual no ensino de História: questionamentos,
abordagens e possibilidades de investigação
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reflexões sobre o cinema como fonte de pesquisa histórica. Para Ferro, todos
os filmes relacionam-se com o conhecimento histórico, pois são produtos
culturais inseridos em uma sociedade e em uma época específicas, podendo
ser tomados como objetos de investigação no âmbito do que o historiador
francês chamou de uma “contra-análise da sociedade” (FERRO, 1976). Os
filmes passaram a ser entendidos, portanto, como uma rica fonte para anali-
sar temas e questões da época em que foram produzidos, pois trariam refleti-
das essas preocupações em seus enredos e na construção de suas histórias.
Obviamente, o cinema, como uma indústria cultural específica e po-
derosa, hegemônica à época, ganhou essa relevância no trabalho de Ferro.
Mas, aos poucos, o historiador francês também direcionou seu olhar para a
televisão, sendo que seus estudos não se atentaram somente ao fenômeno
cultural representado por essas mídias, mas também às técnicas específicas
que os constituem e às possibilidades de análise que se abrem ao serem des-
cortinadas (1992).
As produções cinematográficas e audiovisuais são, então, fontes histó-
ricas ricas e complexas. A partir delas é possível realizar variados estudos his-
tóricos, entre os quais enumeramos os seguintes:
1. Analisar como um filme ou produção audiovisual em determinada
época aborda e reflete questões pertinentes à realidade daquele período, como
disputas políticas, transformações culturais, conflitos sociais, eventos específi-
cos, entre outros.
2. Investigar como as obras que realizam recuos históricos, como os
chamados “filmes históricos” ou as “novelas de época”, por exemplo, recons-
troem cenários, personagens e sentimentos de outras épocas.
3. Analisar se essas obras dialogam com as possibilidades efetivas de
representar o passado de forma mais verossímil ou se cometem equívocos ou
arbitrariedades, como anacronismos, erros conceituais, construção de estereó-
tipos, entre outros.
Para realizar esses estudos, é preciso levar em conta que produções au-
diovisuais, em especial o cinema, são dotadas de técnicas e recursos específi-
cos, possuindo duas características essenciais: 1. são linguagens artísticas ba-
seadas na reprodução da realidade; 2. possuem capacidade de reconstruir a
realidade de modo inteiramente original.
Um filme, por exemplo, é formulado a partir de um caráter orgânico,
ou seja, é apresentado como um todo homogêneo que articula vários enqua-
dramentos e sequências, construindo temporalidade própria, colocada em
movimento a partir de artifícios específicos. Moscarielo (1985) defende que
no cinema o verossímil é preferível ao verdadeiro, pois o importante não
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abordagens e possibilidades de investigação
seria fazer ver as coisas, mas dar uma ideia de como elas ocorrem. É o que
ele chama de conotação sugestionante do enquadramento, definido como um con-
junto de procedimentos e técnicas que direcionam o significado da ação, que
só pode ser completado pelo espectador ao assimilar e interpretar esses si-
nais e mensagens.
Um conjunto vasto de procedimentos técnicos e artísticos qualifica as
mensagens transmitidas por uma obra: movimentos de câmera e enquadra-
mentos; montagem dos quadros filmados; criação de efeitos de espaço e tem-
po díspares; desparecimento gradual ou repentino de uma imagem, sua distor-
ção ou seu desfocamento; tomada panorâmica ou aproximada; ambiente ex-
terno ou interno; aproximação ou distanciamento de uma personagem; acele-
ração ou prolongamento de uma ação.
Sensações, sentimentos, deslocamentos temporais, ideias, sonhos, dese-
jos podem ser transmitidos por essas produções. Efeitos sonoros também são
criados em proveito da expressividade da linguagem. Vozes em off podem tra-
zer significados que amplificam a discursividade do que se propõe transmitir;
a fusão entre imagem e som pode gerar o significado preciso de uma cena;
ruídos ou sons repetitivos podem também compor uma cena, dando-lhe um
potencial de expressão e significância.
O trabalho com as cores, o cenário ou a paisagem onde a cena deve ser
filmada também compõem a organicidade da produção. A cenografia, natural
ou artificial, transforma o mundo em discurso, servindo-se do próprio mundo,
sem utilizar um substituto. Segundo Moscarielo:
[...] os códigos devem interactuar entre si para que produzam o sentido ori-
ginal que deveria constituir o objectivo de qualquer prática artística digna
deste nome. Portanto, a banda sonora deverá tornar “mais complexa” a banda
visual; a cor deverá conotar a imagem em sentido psicológico ou crítico; a
cenografia deverá transformar-se ela própria em “personagem” da narrati-
va. Em suma, os códigos deverão preocupar-se em ter na tela um resultado
funcional e não meramente belo (1985, p. 46-47).
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texto, pois tem o potencial de revelar como certas práticas efetivamente po-
dem ou não atingir os resultados esperados. Contudo as investigações sobre
aprendizagem histórica a partir de filmes e outras produções audiovisuais são
raras, sendo que os trabalhos mais relevantes que encontramos nesse sentido
foram publicados por pesquisas vinculadas ao INRP3 da França.
Poitier (1992) utiliza métodos da análise do discurso e conceitos de es-
tudos da linguagem e semiótica para refletir sobre a linguagem fílmica e suas
implicações no ensino de História e entende que filmes não devem ser tratados
como espelhos, que representam uma realidade “concreta” e sensível do pas-
sado, isso porque:
[...] a percepção direta do real, de um lado, e a percepção de sua representa-
ção imagética, de outro, são portadores de informações de natureza radical-
mente diferente, tanto quanto são diferentes os processos cognitivos coloca-
dos em jogo em um e no outro caso. [...] De fato, toda narração fílmica de
um conteúdo histórico também pode ser suspeita de manipulação, que pode
ser não somente considerado como simples instrumento de apresentação,
mas funciona em parte como ficção (POITIER, 1993, p. 105, tradução nossa).
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abordagens e possibilidades de investigação
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mento histórico na escola e vida dos indivíduos, na qual seja possível que os
sujeitos se orientem no tempo, constituindo racionalmente suas identidades e
o agir sociocultural e político que vivenciam.
Nessa discussão, é possível inferir que a produção de uma condição de
aprendizagem histórica específica a partir da linguagem fílmica, num espaço
e com sujeitos pré-definidos, e a análise dos fatores que se fazem presentes
nesse procedimento podem contribuir para o desenvolvimento do conheci-
mento a partir do exame de processos reais de aprendizagem histórica, ma-
nifestando-se em diferentes condições, e da análise de suas formas e resulta-
dos.
Os sujeitos em sociedade operam ideias históricas, e tais ideias funda-
mentam sua compreensão, sintetizando-as numa consciência histórica que
os leva a construir identidades e exercer sua práxis em relação às experiências
ou narrativas históricas, presentes na cultura histórica com a qual se relacio-
nam. Portanto estudar a cognição histórica na investigação da mobilização
do conhecimento histórico a partir dos filmes e outras obras audiovisuais
consiste em ir além de se preocupar com processos gerais de aprendizagem,
como desenvolvimento de competências cognitivas para análise fílmica ou
de processos de aquisição de conhecimento informativo por meio da lingua-
gem audiovisual.
Em nossa tese de doutorado (SOUZA, 2014), ao assistirem aos filmes
que tratavam do nazismo sob perspectivas divergentes, os jovens sujeitos da
pesquisa foram desafiados a elaborar reflexões a partir das quais tentaram ra-
cionalizar as experiências sensoriais provocadas pela grande carga de infor-
mações e sentidos transmitidos pelas obras cinematográficas. Diante desse
desafio revelaram raciocínios e argumentos que dizem muito sobre o potencial
da experiência fílmica como processo de aprendizagem histórica, mas tam-
bém revelaram suas limitações e alguns desafios.
O estudo iniciou com a preocupação em verificar que potenciais os fil-
mes poderiam trazer para a aprendizagem dos estudantes e direcionou-se no
sentido de compreender como essa questão tem sido abordada por estudiosos
em diversas publicações acadêmicas. Nesse contexto, a opção pelo referencial
teórico-metodológico da Educação Histórica trouxe subsídios para um traba-
lho que permitiu mobilizar a aprendizagem histórica dos jovens e compreen-
dê-la a partir de categorias de análise fundamentadas na epistemologia do co-
nhecimento histórico.
Tal percurso investigativo trouxe resultados que permitem refletir so-
bre a complexidade do pensamento histórico dos jovens, que é influenciado
por fatores diversos e que não se processa somente no sentido de um aumen-
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Cinema e audiovisual no ensino de História: questionamentos,
abordagens e possibilidades de investigação
Considerações
Entender a relação que o espectador estabelece com o que os filmes
transmitem é importante justamente porque a relação com a memória, os va-
lores e as ideias históricas que eles mobilizam é um desafio em aberto nas
investigações da área. Mas não se pode perder de vista que a linguagem em
questão interpõe questões que tornam mais complexa essa relação. Mais do
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Eder Cristiano de Souza
que ver essa experiência por meio das carências de compreensão dos jovens ou
então da alienação que os discursos ocultos na narrativa proporcionam, é impor-
tante observar os universos de significação produzidos e como se relacionam
com a aprendizagem dos sujeitos envolvidos.
Assim, a complexidade da experiência de assistir a filmes e outras pro-
duções audiovisuais que têm relação com a História situa-se no fato de que,
em se tratando de obras que abordam acontecimentos “reais” e/ou obras
que tomam uma ambientação realista como forma de construir suas histórias,
não é de se estranhar que espectadores se envolvam de forma plena nessas
narrativas.
A investigação sobre essa relação é altamente relevante para pensar a
forma como as pessoas se apropriam do passado para constituir seus referen-
ciais de identidade e ação no mundo; ao mesmo tempo ela contribui para
repensar os objetivos do ensino no sentido de promover uma complexifica-
ção dessa relação. Entretanto essa relação com a História não é simples e
rasa; há diversas camadas de análise, dependendo das formas com as quais
se acede ao conhecimento das interpretações sobre o passado. O caso dos
filmes e outras produções audiovisuais é exemplo dessa complexidade, e é
preciso avançar teórica e metodologicamente no sentido de apreender e com-
preender esses artefatos e sua apropriação para promover a aprendizagem
histórica.
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MOSCARIELO, Angelo. Como ver um filme. Traduzido por: JARDIM, Conceição;
NOGUEIRA, Eduardo. Lisboa: Editorial Presença, 1985.
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Eder Cristiano de Souza
1
Graduado e Mestre em História e Doutor em Educação. Professor do Curso e História da
UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-Americana em Foz do Iguaçu – PR,
Brasil. E-mail: [email protected]
2
Instituto Nacional do Cinema Educativo. O INCE foi organizado em 1936 por Gustavo
Capanema, então ministro da Educação, e sua missão era “produzir e divulgar filmes
educacionais”, assim como “ fazer dos filmes um instrumento educacional” (SOUZA DA
ROSA, 2006).
3
Institut National de Recherche Pédagogique.
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teriais (autores referenciados, licenças de uso, sites em que são postados e seus
objetivos sociais, políticos, culturais e educativos) e o seu formato (organiza-
ção dos sites em que são postados, protocolos de leitura e escrita que estabele-
cem, interações que promovem, alcance da participação dos usuários).
Vale destacar como essas três pesquisas nos mostram diferentes possibili-
dades de analisar a presença dos artefatos culturais digitais nas aulas de Histó-
ria: por meio da análise dos próprios materiais (livros didáticos impressos que
incorporam sites da internet ou dos próprios sites) ou da compreensão de como
os mesmos são usados, apropriados por professores e estudantes. A análise dos
artefatos em si envolve pesquisas documentais que geram dados quantitativos e
qualitativos sobre perspectivas historiográficas, autorias e protocolos de leitura e
escrita. O estudo dos usos desses artefatos acontece por meio de estudos de caso
do tipo etnográfico (ANDRÉ, 2001), que requer o cruzamento de saberes e fa-
zeres de professoras e estudantes coletados por meio de questionários, entrevis-
tas, observação de aulas e de cadernos escolares com a análise do contexto so-
cio-histórico e cultural. Em ambos os casos, os textos escritos, audiovisuais ou
imagéticos que circulam digitalmente são compreendidos como construções his-
tóricas que não veiculam uma verdade histórica absoluta e única, mas represen-
tações históricas datadas e vinculadas a diferentes grupos e práticas sociais, cujo
sentido não existe por si só, mas são constituídos em uma teia complexa de
relações (CHARTIER, 1999) que, em tempos de culturas digitais, envolvem au-
tores, editores, provedores de internet, poderes públicos, leitores, internautas.
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Aléxia Pádua Franco • Marcella Albaine Farias da Costa
sobre práticas pedagógicas que utilizam a lógica dos games para construir ex-
periências concretas de aprendizagem no âmbito dos estudos de História, a
qual resultou na composição do livro “Ensino de História e games: dimensões
práticas em sala de aula” (2017).
Baseada nos estudos das metodologias ativas, a autora discorre sobre
uma atividade desenvolvida em 2015 no 6º ano de uma instituição escolar,
situada em região próxima às comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo na
Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, portanto uma comunidade que possui
graves problemas de cunho social, tais como pobreza, violência e drogas, e
visa defender o reconhecimento desses espaços também como lócus de atuação
de professores compromissados com as transformações sociais. Em relação à
metodologia, a autora apresenta a elaboração de roteiros de jogos construídos
por “cabeças pensantes”, posicionadas enquanto estudantes da Educação Bá-
sica, evidenciando o quão enriquecedores são a escuta e o diálogo para a im-
plantação de novas metodologias em sala de aula.
O interessante é que, ao sugerir a construção de roteiros de jogos como
proposta pedagógica, usam-se caneta e papel, demonstrando que podemos
remeter ao universo dos games com recursos simples e que já fazem parte do
dia a dia da escola, sem precisar, necessariamente, trazer os jogos em si para a
sala de aula. Esse ponto ajuda-nos a avançar no sentido de pensar ações com o
uso da lógica do digital quando estamos inseridos em contextos em que não
temos a infraestrutura tecnológica à disposição.
Charleston José de Sousa Assis, em “Aquele que mais fala é o que mais
aprende: experiências de estudantes em mídias digitais no Colégio Universitá-
rio Geraldo Reis (Coluni-UFF)”, relatou sua experiência educativa em que
mobilizou seus alunos e alunas do Ensino Médio para construir um blog, uma
página do Facebook e um canal no YouTube, intitulados “Histude História”13.
Essa experiência visou proporcionar condições para que os estudantes crias-
sem conteúdos que refletissem sobre processos históricos e socializassem suas
aprendizagens. Para alimentar as mídias digitais criadas de forma colaborati-
va por estudantes do Ensino Médio e pelo professor, foram planejados, produ-
zidos e gravados debates, aulas, esquetes lúdicos relacionados a temáticas his-
tóricas. Segundo Charleston:
O “Histude História” pretendeu deslocar a palavra do docente para o estu-
dante, compreendendo que o professor, em parte, sabe mais porque a ele,
tradicionalmente, cabe o papel de ensinar – é ele quem fala. Ao colocar-se o
estudante no papel daquele que ensina [...] percebe-se a eficácia do método,
na medida em que o envolvimento com a disciplina e os bons resultados
cresceram durante o período em que atuaram como protagonistas de sua
própria aprendizagem14.
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Cultura digital e ensino de História: diferentes abordagens e metodologias
Considerações finais
Nosso texto abordou inúmeras possibilidades de interface entre a cultu-
ra digital e o ensino de História, valorizando diferentes abordagens e metodo-
logias possíveis a partir das contribuições de professores(as) e pesquisadores(as),
estando nós mesmas inseridas nesse duplo fazer. Sabemos que, no final dessa
caminhada, muitos pontos de interrogação permanecem. São eles que mobili-
zam novas pesquisas e convidam outros interlocutores a se debruçar sobre a
vastidão de possibilidades investigativas.
Queremos ressaltar que a exploração da cultura digital na formação his-
tórica escolar e não escolar tem sido uma preocupação nossa, tanto em pes-
quisas como nos processos de ensino e aprendizagem que desenvolvemos em
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Aléxia Pádua Franco • Marcella Albaine Farias da Costa
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Cultura digital e ensino de História: diferentes abordagens e metodologias
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795X.2014v32n2p581/30075>. Acesso em: 25 maio 2020.
MENEGUELLO, Cristina. Olimpíada Nacional em História do Brasil – uma aventura
intelectual?. Revista História Hoje, v. 5, n. 14, jan./jul. 2011. Disponível em: <http://
www.anpuh.org/revistahistoria/view?ID_REVISTA_HISTORIA=14>. Acesso em: 05
jun. 2020.
NUNES, Cristiane Tavares Fonseca de Moraes. História e Memória da Inclusão Digital
em Sergipe: o caso CDI (Comitê para Democratização da Informática – 1998-2011).
Aracaju: Editora da UFS, 2019. Disponível em: <http://www.livraria.ufs.br/produ-
to/historia-e-memoria-da-educacao-digital-em-sergipe-o-caso-cdi-comite-para-democra-
tizacao-da-informatica-1998-2011/>. Acesso em: 17 maio 2020.
344
Cultura digital e ensino de História: diferentes abordagens e metodologias
1
Doutora em Educação. Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Uberlândia.
2
Pós-doutoranda em Educação pela UFRGS.
3
Disponível em: <https://prezi.com/p/yyfkiablx-it/grd-10/>. Acesso em: 03 maio 2020.
4
Para inscrição no GRD, os participantes enviaram apenas o resumo do trabalho e tinham a
opção de enviar ou não texto completo para publicação nos Anais do evento. Os resumos não
estão mais disponíveis, já que o site do evento se encontra fora do ar. Os trechos dos resumos
citados neste capítulo fazem parte do acervo pessoal das propositoras do GRD que avaliaram
os trabalhos inscritos para aprová-los ou não.
5
Arquivo pessoal das coordenadoras do GRD, composto pelo resumo dos trabalhos.
6
Idem.
7
Idem.
8
Disponível em http://encuentro.gob.ar/acercade. Acesso em 30 mai. 2020.
9
Arquivo pessoal das coordenadoras do GRD, composto pelo resumo dos trabalhos.
10
Idem
11
Idem.
12
Disponível em: <https://prova.olimpiadadehistoria.com.br/prova/pre_onhb2020/fases/
fase_4/questao/q22>. Acesso em: 01 jun. 2020.
13
Disponível em: <http://histudehistoria.wixsite.com/home>. Acesso em: 30 maio 2020.
14
Arquivo pessoal das coordenadoras do GRD, composto pelo resumo dos trabalhos.
15
Arquivo pessoal das coordenadoras do GRD, composto pelo resumo dos trabalhos.
16
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/caminhosdaditaduraemportoalegre/>. Acesso em: 15
maio 2020.
17
Arquivo pessoal das coordenadoras do GRD, composto pelo resumo dos trabalhos.
18
Disponível em: <https://www.historiadeitumbiaraemtelas.org/>. Acesso em: 10 maio 2020.
345
Toda a História em cinco minutos!
História pública e ensino – considerações
sobre o passado ensinado no Youtube
Francisco Egberto de Melo1
Sônia Meneses2
Hoje estou fazendo um vídeo que foi muito, muito, muito pedido, mais um
vídeo de minha série 50 minutos em 5, onde eu resumo grandes assuntos da
História em no máximo cinco minutos, e hoje eu tô (sic) vendo que eu vou
sofrer bastante porque o assunto de hoje é Revolução Francesa (ALADIM,
29 de jun. de 2018).
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Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
347
Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
tiva, marcada por cortes para enxugar a fala da autora com a inserção recorrente
de algumas animações para ilustrar algumas de suas passagens.
O resultado é que, no acesso de 15 de abril de 2020, o vídeo já possuía
seis mil likes contra setecentos e cinquenta e oito deslikes.7 Os comentários
talvez incomodem alguns professores, como: “APRENDI MAIS AQUI DO
QUE NA ESCOLA”8 (caixa alta do autor), com a concordância de três mil e
duzentos likes, ou mesmo de uma pessoa que se identifica como professor ao
afirmar que indica o vídeo para os seus alunos. Pelos comentários, constata-
mos que vários estudantes assistiram ao vídeo, assim como um segundo pos-
tado no canal sobre o mesmo tema, que abordaremos mais na frente para falar
da problemática do tempo nessas produções, que é o “Cinquenta minutos em
cinco”. Aliás, uma rápida passada pelo canal demonstra o sucesso entre os
seguidores:
Eu tive prova de Revolução Francesa ontem, e sim eu vi seu vídeo de 50
minutos todinho! Valeu muito a pena, muito obrigadaaaaaa acho que
consegui um 8 na minha prova (detalhe, eu não sou de humanas, eu sou
100% exatas, portanto História não entra na minha cabeça, mas você expli-
ca de um modo tão simples de entender que eu consegui!!!).
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Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
349
Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
Dada a sua condição de produto, uma vez que precisa de uma audiência
disposta a interagir com eles, os vídeos efetivam dois aspectos que se inter-
relacionam de maneira inseparável: precisam ser, ao mesmo tempo, conteúdo
didático e entretenimento. Aqui talvez a principal distinção em relação ao que
comumente nós professores fazemos em sala. Se em sala temos uma “audiên-
cia cativa”, reunida a partir de uma estrutura disciplinar, de tempo e conteú-
do, que lhes apresenta poucas alternativas de burla, nela a ideia de conteúdo
como entretenimento raramente é cogitada; fora daquele espaço, essa dimen-
são será fundamental para que o canal se sobreponha a outros como referên-
cia. Visto sob essa perspectiva, embora os conteúdos se estruturem a partir das
linhas gerais daquelas efetivadas em sala, ganham versões das quais se retira
grande parte da complexidade do conhecimento histórico; muitas vezes inves-
tem em polemismos, variantes anedóticas do passado, além de narrativas ex-
tremamente perpassadas por graves anacronismos que acabam por dissipar a
distinção entre passado e presente.
Por outro lado, embora seja uma simplificação do conteúdo histórico não
deixam de ser um produto complexo, fruto daquilo que Castells denomina de
virtualidade real, que integra ao mesmo tempo “vários modos de comunicação
em uma rede interativa”. Segundo o autor, um hipertexto, uma espécie de meta-
linguagem que “integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audio-
visual” (CASTELLS, 2018, p. 414). Portanto, é preciso considerarmos que essas
mudanças na produção, apresentação e interação de conteúdos geram novos
desenvolvimentos cognitivos, que só se realizam nessa comunicação em rede.
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Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
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Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
vídeo gigantesco explicando tudo sobre a Revolução Francesa, caso você tenha
tempo, recomendo fortemente, mas a proposta do vídeo de hoje é resumir em
no máximo cinco minutos o que que foi a Revolução Francesa né [nesse mo-
mento mostra um roteiro escrito nas mãos], esse movimento que acabou
com o absolutismo na França e instalou a república, que aconteceu entre
1789 e 1799, então vamo (sic) lá, começando, valendo! [mostra o cronôme-
tro]14 (Grifos nossos).
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Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
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Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
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Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
Considerações finais
As aproximações discursivas entre o ensino de História nos espaços esco-
lares presenciais e os ambientes de ensino criados no ciberespaço podem fazer
parecer que existe uma “mão invisível” ou uma “visão de mundo” da qual os
estudantes e professores não podem escapar por fazer parte de uma certa “estru-
tura de pensamento” de época e lugar. Nesse sentido, mais importante do que
essa “visão global” do ensino de História, analisá-lo em suas práticas discursi-
vas favorece-nos entender as divergências e aproximações das unidades discursi-
vas que se formam nos espaços públicos e escolares de ensino de História.
Assim, as práticas discursivas da História ensinada e aprendida podem
subordinar umas às outras, entrar em coincidências ou distanciamentos ou se
defasar no tempo e nos espaços. São práticas discursivas presentes em livros
didáticos, em cada aula do professor, em cada vídeo postado no Youtube, em
cada currículo, programa anual ou plano de aula, que estabelecem relações
laterais entre elas e com a produção historiográfica, mas que lhes são distintas,
sem que se estabeleça uma relação de hierarquia. São relações que podem ser
percebidas desde que analisadas no âmbito das regularidades discursivas, ob-
servando os desvios, distanciamentos, aproximações, autonomias e articula-
ções, o que nos coloca uma questão fundamental para pensar no campo do
ensino de História no âmbito da história pública: que História é essa ensinada
pelos fazedores de História em vídeos do Youtube?
Dessa forma, podemos pensar o ensino de História e suas regularidades
discursivas no âmbito da história pública a partir de pelo menos três de suas
características:
1) É um campo inesgotável e que nunca se pode dar por fechado; não tem
por finalidade reconstruir o sistema de postulados ao que obedecem todos
os conhecimentos de uma época, mas recorrer a um campo indefinido de
relações; 2) Não é uma figura imóvel que aparece um dia e depois desapare-
ce bruscamente; é um conjunto de indefinidamente móvel de escansões, de
defasagens, de coincidências que se estabelecem e se desfazem; 3) Permite
captar o jogo de coerções e limitações que, em um momento dado, se im-
põem ao discurso (FOUCAULT, 2016, p. 231).
355
Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
356
Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
357
Francisco Egberto de Melo • Sônia Meneses
Referências
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DELLÍN, COLOMBIA, JULIO-DICIEMBRE 2011, p. 223-245. Historia y Sociedad.
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FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.
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tiva: desafios epistemológicos e apostas políticas. In: MONTEIRO, Ana Maria [et al.]
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UFPR, 2006. Especial, p. 131-150.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro do Passado: contribuição à semântica dos tempos his-
tóricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
MENESES, Sônia. Uma história ensinada para Homer Simpson: negacionismos e os
usos abusivos do passado. Revista História Hoje, v. 8, n. 15, p. 66-88, 2019.
MENESES, Sônia. Internet, História e Esquecimento: sobre pensar o passado escrito
no universo virtual. Fronteiras: Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.
21, p. 10-26, 2013.
RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abor-
dar la historia, 1994.
358
Toda a História em cinco minutos! História pública e ensino
– considerações sobre o passado ensinado no Youtube
1
Francisco Egberto de Melo. Doutor em Educação. Prof. Adjunto do Departamento de História
e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Regional do Cariri-URCA.
E-mail: [email protected].
2
Sônia Maria de Meneses Silva. Doutora em História. Profa. Adjunta do Departamento de
História e do Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Regional do Cariri-
URCA. E-mail: [email protected].
3
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=I8q0S_XGwdg>. Acesso em: 15 abr. 2020.
4
Disponível em: <https://no.descomplica.com.br/revolucao-francesa>. Acesso em: 15 abr.
2020.
5
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ceCcZooYDBo>. Acesso em: 15 abr.
2020.
6
Em novo acesso no dia 05 de abril de 2020, acrescentaram-se mais 17 mil acessos, ou seja,
quase mil acessos por dia.
7
No dia 05 de maio de 2020, acrescentaram-se dois mil likes contra nove deslikes.
8
No acesso do dia 05 de maio de 2020, os comentários do dia 15 de abril mantinham-se no topo
da lista.
9
Felipe Castanhari já participou de séries históricas para o Canal History e atualmente produz
uma sobre a História do Brasil para a gigante de streaming Netflix. “Em 2016, foi eleito pela
Forbes Brasil um dos 30 jovens mais promissores do país.[2][3] Em dezembro de 2019, entrou
no ranking do instituto QualiBest como um dos maiores influenciadores digitais do Brasil.”
10
Alguns desses jovens ficaram milionários nos últimos anos e tornaram-se “influenciadores”
produzindo vários tipos de conteúdos, não apenas educacionais.
11
“O pagamento no YouTube é feito em dólares, baseado na regra de CPM (custo por mil). A
cada 1000 views, o youtuber pode ganhar valores entre 0,25 e 4,50 dólares (no Brasil algo entre
1 e 19 reais). Então, seguindo essa lógica, para que um produtor de conteúdo receba uma
quantia relevante no YouTube, ele precisa produzir muitos vídeos por mês e garantir que cada
um deles vai ter uma alta quantidade de visualizações.” Fonte: <https://sambatech.com/
blog/insights/quanto-ganha-um-youtuber/>. Acesso em: 11 maio 2020.
12
Idem, Idem.
13
9 Cf. ORESKOVIC, Alexei. YouTube hits 4 billion daily video views in Reuters no end.: <http://
www.reuters.com/article/2012/01/23/us-google-youtube-idUSTRE80M0TS20120123>.
Acesso em: 21 mar. 2013.
14
ALADIM, Daniele. Revolução Francesa em 5 minutos. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=eg47cCMcQr0>. Acesso em: 10 maio 2020.
15
Cf. em: <https://g1.globo.com/goias/noticia/escola-tem-tiroteio-em-goiania.ghtml>. Acesso
em: 11 maio 2020.
359
Avaliação da aprendizagem como
objeto de pesquisa no ensino de História
Marcus Leonardo Bomfim Martins1
Juliana Alves de Andrade2
Para esse autor [Bourdieu], o Campo situa-se como o universo no qual estão
inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem e difun-
dem a arte, a literatura, a ciência. Trata-se de um espaço relativamente autô-
nomo, de um microcosmo dotado de regras próprias e, consequentemente,
de graus de autonomia. Mas acima de tudo trata-se de um espaço de jogo,
no qual se instaura uma luta concorrencial (MIRANDA, 2019, p. 92).
360
Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
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Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
362
Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
363
Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
Esse breve panorama aqui traçado sinaliza que os estudos sobre avalia-
ção têm se caracterizado por uma linguagem de denúncia, o que Luckesi (2008)
nomeia como Pedagogia do Exame. No entanto as ideias de avaliação, como
negociação (ESTEBAN, 2000) e avaliação democrática (MARTINS, 2019),
abrem pistas instigantes para pensar a avaliação não apenas como uma dimen-
são técnica e/ou política de uma prática pedagógica, mas também como pro-
cesso de subjetivação e objetivação de sujeitos e saberes. Esse movimento in-
terpela, simultaneamente, a epistemologia dos conhecimentos disciplinares e
a ontologia de uma avaliação de uma disciplina específica que, em nosso caso,
é a História.
364
Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
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Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
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Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
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Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
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Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
tidos outros para termos que nos são caros como avaliação, aprendizagem histó-
rica, ensino de História, de modo que a forma como significamos esses elemen-
tos produz efeitos sobre as pesquisas que produzimos, mas também interpela
possibilidades reais de percorrer currículos de História em cada sala de aula da
Educação Básica.
No contexto internacional, pesquisas sobre avaliação da aprendizagem
ganharam espaço nos estudos inscritos na educação histórica e/ou preocupa-
dos com a questão do letramento histórico situado na perspectiva da ciência
histórica. Em países como Canadá, Espanha e Inglaterra, na primeira década
do século XXI, pesquisadores preocupavam-se com o que estava sendo avalia-
do, como a progressão do conhecimento histórico nos sistemas de ensino, e
com a adequação do processo de avaliação desenvolvido no espaço escolar ao
modelo cognitivo de aprendizagem estabelecido pelo currículo oficial.
Nesse sentido, alguns pesquisadores empreenderam ações de investiga-
ção sobre os exercícios e práticas avaliativas realizadas no cotidiano escolar,
buscando entender como a avaliação pode contribuir para que os estudantes
aprendam a pensar historicamente. Para tal, Carrasco e Martinez (2015), utili-
zando como fonte aproximadamente 359 exercícios e 3.127 perguntas realiza-
das por professores da cidade de Murcia (Espanha), analisaram os tipos de exer-
cícios, os conteúdos avaliados, as habilidades cognitivas exigidas nas perguntas e a
presença de conceitos de História de primeira e segunda ordem7.
Com essa estrutura analítica os autores afirmam que a maioria das per-
guntas das avaliações de História “exige un conocimiento conceptual-factual,
con un dominio de lo memorístico y con una gran ausencia de procedimen-
tos”, proporcionando “un aprendizaje de la historia por parte del alumnado
de forma casi atemporal” (CARRASCO; MARTINEZ, 2015, p. 60). Esses
pesquisadores concluíram também que os exercícios obrigatórios de História
apresentam uma escassa presença de perguntas que exigem habilidades como
“análisis, síntesis, conceptualización, manejo de información, pensamiento
sistémico, pensamiento crítico, investigación y metacognición” (CARRASCO;
MARTINEZ, 2015, p. 56).
Nesse estudo, constatou-se que há um predomínio de questões curtas e
objetivas com exigência cognitiva relacionada à lembrança de fatos e que mo-
bilizam como conceitos de primeira ordem a cronologia e de segunda ordem a
relevância histórica. Para além desse panorama hegemônico, na sequência
quantitativa em relação ao formato das perguntas aparecem: perguntas para de-
senvolver um tema, perguntas com imagens, perguntas cronológicas, pergun-
tas para a construção de esquemas, perguntas para a produção de ensaios e
para comentários. No que diz respeito às exigências cognitivas, aparecem na se-
370
Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
Considerações finais
Refletir sobre a estrutura das propostas que compõem o conjunto de
práticas avaliativas do ensino de História tem sido, a despeito de lugares teóri-
cos distintos, a principal estratégia para compreender o que tem sido legitima-
do/validado como aprendizagem histórica, tanto no que diz respeito às confi-
gurações epistemológicas do conhecimento histórico escolar como em termos
de formas de com eles se relacionar.
Para além da denúncia da hegemonia da perspectiva de verificação/
mensuração no que se refere aos sentidos de avaliação empregados nas práti-
cas educacionais e da memorização de conteúdos atemporais no que concerne
à relação com o conhecimento histórico, apostamos que novas pesquisas na
interface aqui proposta podem contribuir para fazer avançar processos de sub-
jetivação com conhecimentos históricos (aprendizagens históricas) por meio
de práticas avaliativas mais democráticas.
371
Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
Referências
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372
Avaliação da aprendizagem como objeto de pesquisa no ensino de História
373
Marcus Leonardo Bomfim Martins • Juliana Alves de Andrade
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Revista História Hoje, v. 5, n. 9, p. 205-220, 2016.
1
Doutor em Educação (UFRJ). Professor Adjunto do Departamento de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGE/UFJF) e do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ProfHistória/UFRJ).
2
Doutora em História (UFPE). Professora Adjunta do Departamento de Educação da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de História da Universidade Federal de Pernambuco (ProfHistória/UFPE).
3
Associação Nacional de História (ANPUH), Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de
História (Perspectivas EH) e Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História
(ENPEH).
4
Em quatro simpósios nacionais da ANPUH foram apresentados apenas quatro trabalhos sobre
a temática da avaliação, sendo dois do próprio autor que efetivou a busca. Em três edições do
Perspectivas também foram identificados apenas quatro trabalhos sobre essa temática. Não
foram identificados trabalhos sobre avaliação nos eventos do ENPEH.
5
Disponível em: <https://profhistoria.ufrj.br/banco_tese>. Acesso em: 20 mar. 2020.
6
Disponível em: <https://www.even3.com.br/anais/congressonacionalprofhistoria/>. Acesso
em: 24 mar. 2020.
7
Conceitos forjados na perspectiva da Educação Histórica.
374
Ensino de História, adolescentes
privados de liberdade e os direitos
(nem sempre) humanos
Humberto da Silva Miranda1
375
Humberto da Silva Miranda
cela para chegar na sala de aula? Nossas pesquisas têm sinalizado que o ensi-
no de História oferecido na educação regular das unidades de internação deve
ser problematizado a partir de suas peculiaridades, partindo do princípio éti-
co-político de que, para as pessoas diferentes, os saberes históricos devem ser
diferentes. O que me leva a perceber esse princípio como um dos desafios para
os/as pesquisadores/as que atuam no campo do ensino de História.
Trabalho com essa questão social desde o início da minha trajetória aca-
dêmica, o que se intensificou com a minha implementação com ProfHistória
em Pernambuco4 no ano de 2016. Desde então, tenho me dedicado a estudar a
relação entre o ensino de História e as comunidades socioeducativas no Brasil.
Este trabalho pretende contribuir para o debate da socioeducação e sua rela-
ção com o saber histórico escolar, problema/questão ainda pouco explorada
(ou ainda não explorado) no campo de pesquisa.
Assim como esse direito à educação regular pode ser vivido em uma
escola localizada em um bairro popular urbano, dentro de uma fazenda ou em
uma usina de cana-de-acúçar, assim como em um comunidade quilombola ou
numa reserva indígena, ela também pode ser possível dentro de uma unidade
de internação ou em um espaço anexo. Penso que, para cada espaço, há dife-
rentes gestores/as, professores/as e estudantes, e, assim, tal como trajetórias
educativas e educacionais diversas que, por assumirem suas particularidades,
desdobram-se em diferentes formas de ensinar e aprender. Pretendo abordar
com isso os desafios metodológicos e éticos para a produção de pesquisas,
focando em pesquisas nas comunidades socioeducativas com ênfase na parti-
cipação dos e das adolescentes.
Nesse sentido, proponho sistematizar minhas reflexões em duas partes.
Inicialmente, procuro conexões entre a historiografia das infâncias e as produ-
zidas em unidades de socioeducação, buscando com isso debater a(s) maneira(s)
como as instituições de internação utilizaram/mobilizaram o “passado” no
processo de formação dos adolescentes nas unidades de internação. O foco do
estudo toma como centro projetos políticos do estado de São Paulo, haja vista
que o estado possui um programa pedagógico reconhecido no Sistema de Ga-
rantia de Direitos, mas que enfrenta desafios estruturais e estruturantes para
sua implementação.
Em seguida, pretendo apresentar fontes e possibilidades de pesquisa com
foco na dimensão ética de trabalhos com adolescentes em situação de priva-
ção de liberdade. Por fim, debato possíveis caminhos metodológicos e de abor-
dagens para a produção de pesquisas no campo do ensino de História. Nesse
sentido, convido as leitoras e os leitores a se debruçar sobre esse universo com-
plexo e ao mesmo tempo desafiador que chamamos de socioeducação.
376
Ensino de História, adolescentes privados de liberdade e os direitos (nem sempre) humanos
377
Humberto da Silva Miranda
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da história que vivem e são sujeitos de história, uma vez que a condição
infantil é construída socio-historicamente (BRITES; NUNES, 2013, p. 99).
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Trazendo o destaque de que “66 jovens abrigados são espancados por agentes
na Casa Nogueira da Fundação Casa”, a seção on-line do jornal de maior cir-
culação do Brasil publica cinco fotografias que retratam adolescentes do sexo
masculino marcados fisicamente por práticas de tortura. As fotografias emba-
çadas trazem as suturas feitas na cabeça de outro menino, além de hematomas
nas costas, na cabeça e no braço de adolescentes abrigados (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2019).
As fotografias reproduzem a distância entre os dispositivos legais e as
práticas sociais, cabendo ao pesquisador do campo do ensino de História per-
ceber que, no plano microfísico do poder, os “direitos” nem sempre são “hu-
manos”. Dessa forma, é preciso fissurar os documentos e as práticas pedadó-
gicas que reproduzem censuras, medo e tortura, (re)repensando como o saber
histórico escolar pode contribuir com a comunidade socioeducatica para que
essa perceba as relações a partir do respeito, da dignidade dos meninos e meni-
nas em situação de cumprimento de medida socioeducativa.
Os estudos descortinam problemas sociais que devem ser analisados a
partir dos entrecruzamentos das fontes, possibilitando ao pesquisador diferen-
tes deslocamentos para análise. Para além da lei, do código e das normas, os
“direitos”, quando se materializam ou são praticados mais adiante do papel,
podem assumir outras formas, finalidades, sentidos e configurações, como si-
naliza o estudo em foco.
Tendo em vista as matérias de jornais analisadas, outro fato a ser colo-
cado em tela é a questão de que a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente não representou o fim das práticas menoristas da punição e da
censura. Esse problema me faz dialogar com José J. Gondra, uma vez que suas
reflexões sobre a passagem do poder disciplinar para o biopoder, “ou o poder
sobre a vida”, não significa o fim da disciplina, pois o “jogo ou as formas de
exercício de poder adquirem outro desenho com a entrada em relação da regu-
lação da população ou do biopoder”, produzindo um “novo jogo de poder”
(GONDRA, 2009, p. 185)
É nesse universo complexo que a socioeducação é praticada e com ela
o ensino de História. Para além do sensível, os meninos e meninas que vi-
venciam a institucionalização precisam ser considerados sujeitos de direitos –
principalmente pelo pesquisador e pesquisadora –, para que as funções sociais
do saber histórico escolar de humanizar as pessoas sejam praticadas, vividas.
Mas, diante disso, quais os desafios para o pesquisador do ensino de História
tornar meninos e meninas institucionalizados sujeitos de pesquisas, parceiros
na produção do conhecimento?
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Física” e que, “em São Paulo, dos 7 mil internos, apenas 307 realizaram o
Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – no último ano” (G1, 2019) .
A partir da análise desse discurso, percebo as difculadades de superar os
limites impostos pelo próprio sistema socioeducativo para alcançar a aprova-
ção no vestibular. A própria afirmação “eu não acreditava” é marcada por
desafios que iniciam na própria automotivação. Mas, na luta para ingressar
em um curso superior, o “querer passar” foi mais forte do que o “não acredi-
tar”. E assim o excepcional acontece. Ele passou.
A matéria traz dados sobre o número de adolescentes internos e, desses,
quantos realizam o ENEM. O número pouco expressivo de candidatos faz-me
perceber como o direito humano à educação regular se apresenta em forma de
problema social sério, cuja responsabilidade recai sobre as atribuições dos ges-
tores públicos e dos profissionais da educação. O direito (nem sempre) huma-
no encontra-se nas dificuldades do garoto de Limeira em ingressar na Facul-
dade e na ausência considerável de meninos e meninas que não se candida-
tam. O excepcional pode tornar-se um direito para todos os socioeducandos.
Não quero afirmar que o ingresso no Ensino Superior é sinônimo de
sucesso ou de projeto ideal de vida, contudo não possibilitar que os estudantes
tomem suas decisões ou não facilitar o ingresso dos socioeducandos nas Fa-
culdades ou Universidades representa uma afronta ao processo de desenvolvi-
mento intelectual e educacional dos adolescentes. E que, mesmo privados de
liberdade, eles tenham a liberdade de escolher seus próprios projetos de vida.
Como dizia Jorge Amado em “Capitães de Areia”: a “liberdade é como o
sol”, “é o bem maior do mundo” (AMADO, 2009, p. 197).
Mas qual o papel do ensino de História na garantia de que os adolescen-
tes passem a acreditar que podem efetivar seus sonhos? Penso que o ensino de
História possui o dever de humanizar meninos e meninas, de modo que, a
partir dos diferentes conteúdos, possam descobrir e defender os valores, o po-
sionamento político diante da vida e se perceber como sujeitos da História.
Como mobilizamos o passado nas aulas de História que são produzidas
na Fundação Casa ou nas diversas comunidades socioeducativas espalhadas
pelo país? Esta pergunta não tem uma resposta fechada, mas pode ser acom-
panhada pela crítica à reprodução da moral e do civismo ainda hoje presente
no cotidiano das unidades de internação. Desse modo, é possível pensar um
ensino de História para os adolescentes em situação de liberdade que tenha o
objetivo de libertar e não de aprisionar.
Pensando nisso, não pretendo produzir considerações finais, mas abrir
janelas para a produção de pesquisas no campo do ensino de História. Ao
abri-las, podemos encontrar desafios éticos e horizontes de possibilidades que
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Ensino de História, adolescentes privados de liberdade e os direitos (nem sempre) humanos
Referências
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Humberto da Silva Miranda
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www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=superintend%C3%AAncia-
pedag%C3%B3gica&d=17>. Acesso em: 20 mar. 2015.
SILVA, Marcos (org.). História: que ensino é esse?. Campinas: Papirus, 2013.
1
Professor Adjunto na Universidade Federal Rural de Pernambuco, atuando na Licenciatura
em História e no Programa de Pós-Graduação em História e Coordenador do Instituto Menino
Miguel.
2
O levantamento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – aponta que em muitas unidades
socieducativas há presença de meninos e meninas que não receberam penalidades não corres-
pondentes ao ato infracional ou que, mesmo cumprindo a medida, continuavam privados de
liberdade.
3
Ver os direitos fundamentais e a “doutrina da situação integral”.
4
O ProfHistória nasce da parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e, desde a sua implantação, tem propor-
cionado a produção de pesquisa de relevante interesse social para o campo do ensino de Histó-
ria.
388
Ensino de História, adolescentes privados de liberdade e os direitos (nem sempre) humanos
5
Para adensar o debate ver: AREND, Silvia Maria Fávero; MOURA, Esmeralda Blanco. Um
norte em comum: infância no sul do Brasil na produção historiográfica brasileira. In: CAR-
DOSO, José Carlo da Silva et al. (orgs.). História da crianças no Brasil Meridional. São Leopoldo:
Unisinos, 2016.
6
Sobre o Código de Menores ver: MORELLI, Ailton José. A criança, o menor e a lei: uma discus-
são em torno do atendimento infantil e da noção de inimputabilidade. 183 f. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista. As-
sis, 1996.
7
PARADA, Maurício. Educando corpos e criando a Nação: cerimônias cívicas e práticas discipli-
nares no Estado Novo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2009. MIRANDA, Humberto da Silva. Nos
tempos das Febems: memórias de infâncias perdidas (Pernambuco/1964-1985). 348 f. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambu-
co. Recife, 2014.
8
Sobre a estrutura e o funcionamento da Funabem-Febem ver: MIRANDA, Humberto da Sil-
va. Nos tempos das Febems: memórias de infâncias perdidas (Pernambuco/1964-1985). 348 f.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 2014.
9
No ano de 2006, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda
publicou a resolução que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase,
que atualmente fundamenta o “conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envol-
vem a execução de medidas socioeducativas. Aplicadas aos adolescentes em conflito com a
lei”, o Sinase torna-se lei no governo da presidenta Dilma Russeff em 2012.
10
Sobre o Projeto Escola sem Partido ver: PENNA, Fernando; QUEIROZ, Felipe; FRIGOTTO,
Gaudêncio. Educação democrática: antítodo ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: UERJ, LPP,
2018.
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Educação para as relações étnico-raciais:
o caso da temática indígena
e o ensino de História
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o caso da temática indígena e o ensino de História
qual uma certa memória sobre a nossa formação é reiterada pelos percursos de
formação na Educação Básica e na Educação Superior. O pressuposto segun-
do o qual a nação é formada pela contribuição desigual de brancos, indígenas
e Negros se vê reproduzido em percursos curriculares da formação de historia-
dores. A perspectiva quadripartite, o espaço reservado à trajetória europeia, os
agentes e processos privilegiados nos projetos de curso são expressões da resis-
tência a perspectivas antirracistas.
Um indício eloquente, nesse sentido, é o fato de que as disciplinas rela-
tivas à História da África, à História dos povos indígenas ou voltadas para o
trato com a cultura afro-brasileira só emergem nos currículos a partir de mea-
dos da primeira década do século. Ainda hoje, no alvorecer da terceira década
do novo milênio, grande parte dos cursos de Licenciatura está estruturada em
torno de uma abordagem sequencial linear que tem a trajetória europeia como
eixo. As trajetórias da América e do Brasil são inseridas na narrativa europeia
(CAIMI, 2013). África e os povos indígenas, quando são objeto de uma disci-
plina voltada para esse fim, ocupam discussões estanques, sem relação com a
sequência cronológica operada pela matriz curricular, a qual frequentemente
dá sentido ao percurso de formação inicial (COELHO; COELHO, 2018).
Ademais, a inclusão de temas abarcados pelo que se tem chamado de
Nova História Indígena não esgota o estudo, a discussão e a reflexão sobre o
que demanda uma educação antirracista. Nesse sentido, o modo pelo qual os
cursos de formação de professores de História lidam com a formação docente
deve ser investigado. Sem a competência necessária para identificar o racismo
e suas manifestações e sem a bagagem exigida para promover processos de
ensino e aprendizagem que subvertam os vícios presentes na cultura –, funda-
mentalmente racista e excludente (DA MATTA, 1987; LESSA, 2008) –, a in-
serção de temáticas indígenas corre o risco de virar letra morta.
Por isso a pesquisa sobre a formação de professores de História tem um
amplo espectro de questões sobre as quais se debruçar. A perspectiva que ori-
enta o percurso curricular; a importância dada aos saberes docentes e, nela, às
reflexões sobre a escola e sobre o que importa para uma educação antirracista;
os temas relacionados à história indígena e, sobretudo, à crítica à memória e à
historiografia, tal como ela se consolidou entre nós (eurocêntrica, excludente
e descolada das questões do ensino), e as formas de encaminhá-la e de, por
meio dela, promover a aprendizagem da História são algumas das possibilida-
des de pesquisa.
Raciocínio análogo pode ser estendido a outra dimensão da pesquisa
que o campo do ensino de História tem conduzido relativamente aos materiais
didáticos. Os livros didáticos são, indiscutivelmente, o recurso mais utilizado
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o caso da temática indígena e o ensino de História
Na peleja
A temática indígena no ensino de História envolve uma dimensão polí-
tica que não pode ser esquecida e que buscamos enfatizar aqui. Pesquisando e
ensinando, os que nela se envolvem participam de uma luta que tem oposito-
res bem conhecidos. Um dos mais ferrenhos é a memória que se constituiu
sobre a nossa formação, base a partir da qual foi construída uma narrativa
histórica que justifica e dá sentido ao racismo, ao mesmo tempo em que tenta
amenizar sua crueldade, injustiça e incompatibilidade com a vida democráti-
ca. A temática, então, implica um compromisso com a mudança, com a espe-
rança, com a utopia de que é possível construir uma sociedade mais justa,
mais igualitária, baseada na empatia, no respeito, na diferença e na diversida-
de. Pois sigamos na luta!
Referências
BATISTA, Aline C.; SILVA JÚNIOR, Paulo M.; CANEN, Ana. Em busca de um
diálogo entre Plano Nacional de Educação (PNE), formação de professores e multi/
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BICALHO, Poliene S. dos S. As assembleias indígenas – o advento do movimento
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BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP nº 03/2004, aprovado em
10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
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o caso da temática indígena e o ensino de História
YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Educação e Sociedade, Campinas, v. 28,
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que/servem/as/escolas.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2020.
1
Mauro Cezar Coelho. Doutor em História pela USP. Professor da Faculdade de História da
UFPA e do Programa de Pós-Graduação PPHIST/UFPA.
2
Wilma de Nazaré Baía Coelho. Doutora em Educação pela UFRN. Professora da Faculdade
de História da UFPA e dos programas de Pós-Graduação PGGCEM; PPEB e PGEDA/UFPA.
3
A atuação dos movimentos sociais indígenas e negros nos anos 1970 foi particularmente im-
portante para a ampliação das discussões sobre cidadania, direitos e para a construção de uma
crítica à memória e a seus desdobramentos. Entre os diversos documentos que fazem eco às
demandas da sociedade civil, destacamos o parecer de Petronilha Gonçalves, então conselhei-
ra do Conselho Nacional de Educação, sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação das
Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2004).
4
Consideramos a categoria em seu significado social. Menos do que à cor ou aos caracteres
fenotípicos, referimo-nos aos significados sociais atribuídos aos percebidos como brancos
(PIZZA, 2000).
5
Segundo pesquisa, a maior parte dos artigos científicos do campo do ensino de História foi
publicada em revistas de outras áreas que não a História. Do total de artigos publicados no
período estudado, apenas 33,54% veio a público em revistas que se reconhecem como de histó-
ria (COELHO; BICHARA, 2019).
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o “negro-vida”, “[...] algo que não se deixa imobilizar, [...] do qual [...] não se
pode dar versão definitiva [...]” (RAMOS, 1995, p. 215).
Nosso enfoque argumentativo explicita que a nomeada temática Histó-
ria e Cultura dos Povos Africanos e Afro-brasileiros é forjada pelo Movimento
Negro como ação afirmativa de combate ao racismo no campo dos currículos,
associada a um projeto de humanidade alternativo ao hegemônico na atuali-
dade. Reconhecemos que o ensino de História apresenta distintos projetos de
humanidade em suas narrativas e práticas. O marco legal que se instaura com
a Lei 10.639/034, responsável pela criação do artigo 26A da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, está amparado num projeto de humanidade
que questiona não apenas o racismo, mas o ideário civilizador e colonial que o
estrutura e permanece operando até os dias atuais. O quilombismo, funda-
mentado por Abdias Nascimento (2019), inspirado na experiência do Qui-
lombo de Palmares, trata exemplarmente de um outro projeto de humanidade
possível.
Inspiramo-nos na leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana (DCNERER), publicadas em 2004 pelo Ministério
da Educação, prescrição válida até o momento atual. Tais normas associam as
dimensões relacional e cognitiva da proposição dos estudos que abordem ques-
tões até então pouco compartilhadas em ambientes acadêmicos e escolares.
Justamente porque a emergência desses temas, a partir da Lei 10.639/03, é
uma ação afirmativa no campo do currículo, cujo grande objetivo político e
pedagógico é contribuir para a erradicação do racismo no Brasil. Salientamos
o que Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, redatora das DCNERER, docente
universitária indicada pelo Movimento Negro ao Conselho Nacional de Edu-
cação, repete incansavelmente:
O objetivo do movimento negro era propor a Educação das Relações Étni-
co-Raciais como projeto de sociedade e não como temática de estudos. Re-
lações são ações, não são temáticas. Enquanto tratarmos apenas como uma
temática, as coisas vão continuar como estão. O meio para alcançar esse
projeto de sociedade é o estudo de história e cultura africana e afro-brasilei-
ra, mas esse não é o fim; o fim é a ação antirracista no cotidiano institucio-
nal (Conferência da aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da UFRGS, Porto Alegre, 14.08.2017).
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citados e em muitos outros para adquirir alforrias, lutar pela liberdade, denun-
ciar as práticas de racismo no cotidiano através de uma imprensa feita por e
para negros, além de promover o acesso à cidadania através de suas institui-
ções.
Segundo José Antônio dos Santos (2016), a trajetória do Movimento
Negro na cidade e no estado pode ser dividida em quatro momentos de mobi-
lização e resistência:
O primeiro foi o período que vai de 1892 a 1930, quando os primeiros jor-
nais negros foram fundados, se consolidaram, circularam em boa parte do
estado e desapareceram. O segundo foi de 1933 a 1971, que foram os anos
de fundação da Frente Negra Pelotense e do Grupo Palmares; entre uma e
outra organização houve um momento em que o Estado Novo (1937-1945)
pareceu reconhecer a importância dos negros na história do país[...]O ter-
ceiro período de mobilizações negras no estado foi de 1971 a 2001, é o espa-
ço-tempo em que o dia 20 de Novembro passou a ser uma demanda nacio-
nal do Movimento Negro Unificado e tornou-se o Dia Nacional da Cons-
ciência Negra.[...] Finalmente, de 2001 aos dias atuais, tivemos a emergên-
cia das questões e organizações representativas dos remanescentes de qui-
lombos, também houve uma série de iniciativas que se voltaram para as po-
líticas de ações afirmativas nos empregos públicos e universidades, para a
implementação da Lei 10.639/03 e para a fundação de dezenas de organiza-
ções não governamentais que passaram a atuar em diversas questões sociais
e culturais (SANTOS, 2016, p. 11).
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no campo da pesquisa em ensino de História
ção Básica, que inclui debate sobre valores, posturas, atitudes. A quebra de
desconfianças nos relacionamentos inter-raciais está na base dessa transposi-
ção. Em que momento da graduação o licenciando negro (cotista ou não) vive
essa experiência relacional diferenciada sobre quebra de desconfianças? Como
ele a vive nos espaços de estágio? Na relação com seus colegas?
O presente texto compõe uma publicação que se deseja propositiva, per-
mitindo-nos sugerir algumas atitudes pertinentes, obviamente sem a intenção
de fornecer receitas infalíveis, porém com o objetivo de compartilhar escolhas
possíveis. Selecionamos três sugestões: a primeira observa a necessidade de
conexão com as pessoas negras em movimento, ressaltando o protagonismo
das mesmas na qualidade de referências a serem honradas e citadas; a segunda
reitera a necessidade de positivação das narrativas acerca das histórias e cultu-
ras africanas e afro-brasileiras; a terceira destaca a necessidade de escurecer
nossas referências bibliográficas, assim como dar nome, sobrenome e cor aos
nossos aprendizados com estudantes e colegas negros (técnicos ou docentes)
em espaços universitários. Vejamos a seguir.
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Ainda:
O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclu-
sive a realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano leti-
vo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus
descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção
econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspo-
ra, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento,
de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (en-
tre outros: rainha Nzinga, Toussaint-Louverture, Martin Luther King, Mal-
colm X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ, Amíl-
car Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Trao-
ré, Christiane Taubira).
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O tema do negro e a vida do negro: dilemas da Educação das relações étnico-raciais
no campo da pesquisa em ensino de História
Leitura imprescindível
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março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Ra-
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417
Maurício da Silva Dorneles • Carla Beatriz Meinerz
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1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
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MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
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DADES AFRICANAS: Disponível em: <https://www.casadasafricas.org.br>. Aces-
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CULTNE – O ACERVO DIGITAL DE CULTURA NEGRA: Disponível em: <http://
www.cultne.com.br/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA: Disponível em: <https://
www.geledes.org.br/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
IPEAFRO – INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS:
Disponível em: <https://ipeafro.org.br/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
MUSEU AFROBRASIL: Disponível em: <http://www.museuafrobrasil.org.br/>.
INSTITUTO DOS PRETOS NOVOS – MUSEU MEMORIAL: Disponível em:
<http://pretosnovos.com.br/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
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O tema do negro e a vida do negro: dilemas da Educação das relações étnico-raciais
no campo da pesquisa em ensino de História
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revista_deds_2017>. Acesso em: 16 ago. 2019.
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ÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, PROFERI-
DA POR PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA, POR OCASIÃO DO
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Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da te-
mática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003.
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Maurício da Silva Dorneles • Carla Beatriz Meinerz
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O tema do negro e a vida do negro: dilemas da Educação das relações étnico-raciais
no campo da pesquisa em ensino de História
1
Maurício da Silva Dorneles. Mestrando em Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEdu/
UFRGS). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
E-mail: [email protected]
2
Carla Beatriz Meinerz. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Ensino e
Currículo e do PPGEdu/UFRGS. E-mail: [email protected]
3
Curso desenvolvido através do Laboratório de Ensino de História e Educação (LHISTE) da
UFRGS, institucionalizado como Programa de Extensão, originando-se de uma demanda trazida
de fora da universidade pelos sujeitos e grupos envolvidos com o Projeto da Prefeitura Municipal
intitulado Territórios Negros, um percurso de ônibus que percorria pontos específicos da cidade,
passando por regiões historicamente reconhecidas como territórios de moradias, trabalhos, lutas,
sociabilidades e religiosidades vinculadas à negritude. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/
lhiste/extensao/territorios-negros/>. Acesso em: 20 mar. 2020.
4
Inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana”.
5
Maria Elaine Rodrigues Espíndola, mulher negra e ativista social. A mestra atua na liderança
da MOCAMBO e possui reconhecimento como Griô (refere-se à condecoração, por política
pública ou não, relativa aos saberes da oralidade dos descendentes de africanos no Brasil) pelo
Projeto Museu Percurso do Negro/Centro de Referência Afro-brasileira/Programa
MONUMENTA (2009) e pela Câmara Municipal de Porto Alegre (2010). Professora aposentada,
é filha de Mariazinha, fundadora da Ala Verde Que Te Quero Rosa da Escola de Samba Praiana.
Milita em diferentes espaços políticos e culturais porto-alegrenses, tais como: Orçamento
Participativo, Associação de Remanescentes de Quilombos, Programa Quilombolas em Rede,
Conselho local de saúde, Piquete O Mocambo dentro do Acampamento Farroupilha de Porto
Alegre. Atua nas atividades de extensão e ensino da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como Mestra Griô, destacadamente na disciplina Encontro de Saberes, Porto Alegre.
6
O jogo está disponível em: <https://www.ufrgs.br/lhiste/category/acervo/jogos-acervo/>.
Acesso em: 20 mar. 2020.
7
Referência à experiência inspirada em Jean Rouch, cunhada como antropologia compartilhada,
instauradora de mudanças radicais na relação entre pesquisador e pesquisados. Ver mais no
verbete: ESTRELA DA COSTA, Ana Carolina. 2016. “Jean Rouch”. In: Enciclopédia de
Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia.
Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/autor/jean-rouch>. Acesso em: 20 mar. 2020.
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É raro, mas acontece muito:
aproximações entre ensino de História
e questões em gênero e sexualidade
Fernando Seffner1
É que tava bom, mas era meio ruim, só que agora piorou!2
Este artigo tem três propósitos: apresenta as questões em gênero e
sexualidade como temas estruturantes na cultura escolar e no ensino de Histó-
ria; analisa conceitos e recursos de método que auxiliam na tarefa de pesqui-
sar e planejar aulas de História, operando com os marcadores gênero e sexua-
lidade; sugere fontes e estratégias que atendem quem deseja mergulhar de modo
mais decidido nessas proposições pedagógicas. Por caminhos bastante tortuo-
sos, os campos do ensino de História e dos estudos em gênero, sexualidade e
educação vêm se tornando centrais nos debates políticos e pedagógicos con-
temporâneos. A História ensinada encontra-se sob ataque, e os estudos em
gênero e sexualidade também. Esses dois campos passam por refinamento aca-
dêmico, alargamento dos interesses de pesquisa e enraizamento na vida em
sociedade. Aproximaram-se nos últimos anos, o que justifica em parte suas
presenças neste livro, em sintonia com marcas importantes do Brasil das últi-
mas décadas. Há vários anos, as duas maiores manifestações de rua, de caráter
anual no país, são a Parada do Orgulho LGBT, de São Paulo, e a Marcha para
Jesus, de São Paulo. Tais eventos acontecem praticamente no mesmo local,
pouca distância temporal entre eles, e rivalizam na quantidade de pessoas que
agregam. Na programação televisiva brasileira, as novelas ocupam espaço pri-
vilegiado, e os temas em gênero e sexualidade passaram a ter presença garan-
tida em algumas, ao passo que em outras se privilegia o relato bíblico de gran-
des temas. Campanhas violentas, algumas redundando em aprovação de legis-
lações restritivas, buscam retirar os temas em gênero e sexualidade de políticas
públicas, de manuais escolares, de guias curriculares e das salas de aula. Em
contrapartida, as ocupações das escolas públicas nos anos de 2015 e 2016
mostraram largamente que, uma vez interrompidas as atividades regulares,
houve uma busca dos jovens ocupantes por oficinas que discutissem os temas
em gênero e sexualidade, conforme destacado em Seffner (2017).
O país experimentou nos últimos anos, promovidos por autoridades
públicas, episódios de censura explícita a livros e filmes que tratam de ques-
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e questões em gênero e sexualidade
que a regra geral é aquela de “cada um por si”, e as mulheres foram sempre as
vítimas mais numerosas. O Titanic é a exceção que confirma a regra, a indicar
uma hierarquia não apenas de fuga, mas do poder de lidar com uma catástro-
fe. Importa também operar com uma definição de sexualidade: “[...] ‘sexuali-
dade’ como uma descrição geral para a série de crenças, comportamentos, re-
lações e identidades socialmente construídas e historicamente modeladas que
se relacionam com o que Michel Foucault denominou ‘o corpo e seus praze-
res’” (WEEKS, 1999, p. 43). Insistimos na atitude simultaneamente científica
e política das abordagens em gênero e sexualidade no ensino de História: as
conexões que articulam sexo e gênero não são mecânicas ou unidirecionais,
mas construídas a cada momento histórico e conjuntura política. No momen-
to atual, e estabelecendo conexões entre o ensino de História, a educação em
gênero e sexualidade e a educação em e para os Direitos Humanos, a meta
política e ética é a equidade de gênero, enfrentando as desigualdades de gêne-
ro e de orientação sexual, que implicam precariedade e violência de gênero.
Entretanto articular a narrativa oficial histórica, tensionando apenas para as
relações em gênero e sexualidade, pode derivar em certo essencialismo, a imagi-
nar que podem existir, de modo singular, homens e mulheres, homossexuais,
bissexuais, lésbicas, travestis e transexuais. A preocupação em situar homens e
mulheres também nas estruturas de raça e classe indica que o campo de varia-
ção se amplia: mulher branca, mulher negra, homem branco pobre, homem
negro classe média, etc. Podemos agregar a orientação sexual também: ho-
mem branco gay de classe alta, mulher negra heterossexual de classe média,
homem negro heterossexual pobre, etc. A cada acréscimo há diferenciais nas
relações de poder, em interações complexas entre marcadores que não podem
ser tomados como resultado da simples soma ou subtração de atributos. É
possível perceber a instabilidade das identidades sempre em relação com ou-
tras, sempre inacabadas, sempre posição de sujeito fruto de interpelações do
contexto histórico. Pensar em uma aula de História com narrativa que con-
temple tantas vozes, situações e marcadores é um desafio enorme. O conceito
que ajuda nessa tarefa é a interseccionalidade, definida no âmbito do feminis-
mo negro: [...] abordagem que afirma que os sistemas de raça, classe social,
gênero, sexualidade, etnia, nação e idade são características mutuamente cons-
trutivas de organização social que moldam as experiências das mulheres ne-
gras e, por sua vez, são formadas por elas (COLLINS, 2019, p. 460).
Embora os confrontos que oportuniza, o conceito de interseccionalida-
de representa um desafio vigoroso para pensar a pesquisa na conexão entre
ensino de História e questões em gênero e sexualidade e também para pensar o
planejamento de aulas de História. Classe, gênero, orientação sexual, perten-
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e questões em gênero e sexualidade
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ver. A narrativa histórica permite conhecer momentos em que tal tipo de dis-
curso foi aplicado com consequências brutais, sendo o período nazista e o
episódio do holocausto dois exemplos presentes nos livros didáticos. Os mar-
cadores de gênero e sexualidade sempre estiveram atuantes nesses momentos,
e hoje em dia eles devem ser pensados na conexão com raça, classe, religião,
nacionalidade, descendência, etnia, etc. É triste reconhecer, mas os discursos
de ódio são componentes essenciais da estratégia política de grupos e movi-
mentos sociais que atuam no cenário contemporâneo; para sua compreensão,
vale a leitura da obra organizada por Solano (2018), com alguns artigos dedi-
cados ao território escolar e acadêmico. O uso intensivo de mídias sociais e a
velocidade com que se replicam informações contribuem para criar situações
de linchamento moral de indivíduos ou grupos em questão de horas, e esse é
um tema que guarda relação com o celular na sala de aula.
Finalizamos comentando os títulos e subtítulos deste artigo. Abrimos
afirmando que as conexões entre o ensino de História e as questões em gênero
e sexualidade eram acontecimentos ao mesmo tempo raros, mas ocorriam a
todo momento. Parece paradoxal, mas é isso mesmo. De modo explícito, pou-
cas vezes se aborda a narrativa histórica em recorte de gênero e sexualidade.
Poucas vezes se generifica a narrativa, para lembrar o termo que temos utiliza-
do. Todavia isso não significa que esses marcadores não estejam lá a produzir
efeitos, mesmo quando não problematizados na narrativa. Seguimos afirman-
do que estava tudo bom, embora meio ruim, mas agora piorou, frase escrita
por algum aluno ou aluna na parede de uma escola. Novamente parece para-
doxal, mas é isso mesmo. O bom para uns é ruim para outros nessas discus-
sões. Há interesses que agem para manter as desigualdades em gênero e se-
xualidade, e há pressões para modificar o equilíbrio de poder. Difícil definir
quando está bom ou ruim, pois isso depende de nomear para quem está bom,
para quem pode ficar ruim, para quem melhorou ou para quem piorou. De-
fendemos uma narrativa histórica com lugar de fala (RIBEIRO, 2017), que
indique quem está falando, de onde está falando, que interesses está defenden-
do e por quê. Ninguém será proibido de falar e argumentar, mas terá que situar
de que lugar fala. Com isso estimulamos alunos e alunas das minorias em
gênero e sexualidade a narrar suas próprias histórias, o que lembra um pensa-
mento de Eduardo Galeano, que nos instiga: “até que os leões tenham seus
próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorifícando o ca-
çador” (GALEANO, 2002, p. 63). Ainda lembramos em um subtítulo que a
cultura escolar não é uma máquina que funciona de modo unidirecional: é
campo de luta a produzir situações de reiteração ou de transgressão das nor-
mas de modo contingente. Encerramos recomendando algo como “cautela e
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É raro, mas acontece muito: aproximações entre ensino de História
e questões em gênero e sexualidade
caldo de galinha” para quem vai se dispor à produção de aulas em que o ensi-
no de História dialogue de perto com as questões em gênero e sexualidade:
nem avance tão ligeiro que denote ansiedade, tampouco se ponha a andar tão
vagarosamente que manifeste estar com medo. Ponha-se em movimento, lem-
brando que todo processo de conhecimento envolve, necessariamente, deslo-
car-se de local e de ponto de vista!
Referências
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2020.
436
É raro, mas acontece muito: aproximações entre ensino de História
e questões em gênero e sexualidade
1
Doutor em Educação, professor na Faculdade de Educação da UFRGS, área de ensino de
História. Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGEDU e no Mestrado
Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA UFRGS.
2
Frase rabiscada em corredor externo de uma escola pública de Porto Alegre. A expressão “é
raro, mas acontece muito”, presente no título do artigo, foi escutada em uma aula de História,
dita por uma aluna.
3
O caso de maior repercussão, inclusive internacional, ocorreu na Bienal do Livro de 2019 no
Rio de Janeiro, envolvendo uma história em quadrinhos com personagens da Marvel
Entertainment, em publicação da Editora Salvat. Análise do caso em: <https://
www.nexojornal.com.br/expresso/2019/09/06/O-que-h%C3%A1-de-ilegal-na-censura-de-
Crivella-na-Bienal-do-Rio>.
4
A divulgação oficial da campanha para o Brasil do maior site mundial pode ser vista em:
<https://pt.pornhub.com/stayhome>.
5
LGBTQIA+ é a sigla mais corrente para designar um conjunto de identidades de gênero e
sexualidade que inclui lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, sujeitos que se reconhecem
como queer, pessoas intersex, assexuais e outras identidades nesse campo, indicadas pelo sinal +.
6
No geral das publicações oficiais, essa sigla mais antiga permanece em uso, designando lésbicas,
gays, bissexuais e travestis e transexuais.
437
O ensino de História e os usos do passado:
a ditadura civil-militar em sala de aula
Alessandra Gasparotto1
Caroline Silveira Bauer2
438
O ensino de História e os usos do passado: a ditadura civil-militar em sala de aula
439
Alessandra Gasparotto • Caroline Silveira Bauer
espaço dessa disputa narrativa. Por isso devemos explicitar diferentes usos do
passado que atravessam as aulas sobre a ditadura, o que faremos no próximo
tópico, propondo ainda algumas estratégias de intervenção nesse debate. Po-
rém, primeiramente, faremos algumas breves considerações sobre as formas
como a ditadura se relacionou com certos passados e como a ditadura foi ins-
trumentalizada na democracia, a fim de exemplificar como se dão esses usos
no espaço público.
Ainda que prevaleçam as menções sobre “usos do passado” em relação
à ditadura a partir de uma instrumentalização política desse passado desde o
presente, é preciso que lembremos que a própria ditadura “utilizou” determi-
nados passados, com diferentes finalidades, ao longo de suas mais de duas
décadas de duração. Citemos apenas um exemplo, talvez o mais explícito do
período ditatorial. Nas comemorações do sesquicentenário da Independência
do Brasil – que, por si só, se trata de um uso do passado –, certos personagens
da história brasileira foram recuperados como heróis nacionais, como D. Pe-
dro I e Tiradentes (CORDEIRO, 2015). Nessa conjuntura de celebração, re-
forçou-se o mito da “democracia racial” brasileira, assim como versões ro-
mantizadas a respeito dos povos originários. Essas representações sobre o pas-
sado foram elaboradas para, ao mesmo tempo, forjar e reforçar o nacionalis-
mo ufanista da ditadura, a unidade nacional em torno do “ser brasileiro”,
contrapondo-se aos discursos supostamente “subversivos” dos movimentos
indígena e negro, que buscavam denunciar as políticas racistas do Estado, en-
tre outras tantas justificativas.
Por isso falamos em usos, mas também em “abusos” (TODOROV, 2000;
HUYSSEN, 2004) em relação ao passado, de forma análoga às formas abusi-
vas, enganadoras, irresponsáveis ou negligentes da História identificadas por
Antoon de Baets (2013), utilizadas com o intuito de ludibriar.
Ainda que possamos identificar uma maior visibilidade nos debates
públicos sobre a ditadura civil-militar nos últimos anos, em função dos traba-
lhos da Comissão Nacional da Verdade e da ascensão política de grupos mili-
tares ou militarizados, a criação e a circulação de versões apologéticas e/ou
negacionistas sobre a ditadura ocorreram ainda durante o regime ditatorial. A
ditadura contribuiu, através da censura, da divulgação de informações falsas e
das manifestações laudatórias de integrantes de seus governos, para forjar cer-
tas representações sobre o período, que ainda possuem, nos dias de hoje, mui-
ta aceitação e estabilidade não somente em “comunidades de memórias” mais
restritas, como entre os militares e seus apoiadores, mas em grandes setores da
sociedade.
440
O ensino de História e os usos do passado: a ditadura civil-militar em sala de aula
441
Alessandra Gasparotto • Caroline Silveira Bauer
das práticas docentes, o que se pode configurar como um desafio para os pro-
fessores e as professoras. Não somente pelas dificuldades em lidar com um
passado sensível, mas também porque as novas gerações estão distantes cro-
nologicamente da ditadura, o que pode ocasionar nos/as alunos/as um dis-
tanciamento subjetivo, ainda mais porque muitos/as deles/as podem viver em
situações de violação aos direitos humanos, não compreendendo as especifici-
dades do período ditatorial.
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circulam na web não deixarão de existir e cada vez mais proliferarão. Nesse
sentido, é importante que os professores desenvolvam em seus alunos habili-
dades para o uso da internet, adotando uma postura de “curadores” (ARAÚ-
JO, 2017) ou “mediadores” de espaços em que conteúdos de melhor qualidade
possam ser consumidos. Sem a pretensão de advogar por um monopólio do
passado por parte da História, assim como o privilégio da condução dos deba-
tes públicos, pode-se adotar a postura recomendada por Mateus Pereira de
pensar a crítica histórica como uma função mediadora e qualificadora entre as
diversas memórias e representações do passado presentes nas batalhas para
conferir sentido ao passado, contribuindo “ao oferecer opções éticas melhores
e mais justas a partir da sua função crítica” (PEREIRA, 2015, p. 895).
Por fim, encerramos este texto enfatizando que, a despeito de qualquer
dificuldade, a abordagem de temáticas vinculadas a nosso passado ditatorial
na escola é imprescindível, não apenas pelo lugar que o tema ocupa na Histó-
ria do Brasil contemporâneo, mas porque o seu ensino e aprendizagem estão
vinculados a um certo dever de memória que remete à necessidade de lembrar – e
aprender com – as experiências traumáticas que caracterizaram o período, para
que não se repitam. Além disso, o ensino desse e de tantos outros passados
sensíveis permite conhecer e questionar os modos de viver e os valores de deter-
minados grupos e sociedades em uma perspectiva histórica. Eles se constituem
em ferramentas importantes para provocar nossas certezas e visões de mundo e
abrir janelas para o exercício da empatia e da alteridade. Que assim seja.
448
O ensino de História e os usos do passado: a ditadura civil-militar em sala de aula
Referências
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2001.
HUYSSEN, Andreas. Resistencia a la Memoria: los usos y abusos del olvido público.
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449
Alessandra Gasparotto • Caroline Silveira Bauer
1
Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas. Doutora em
História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
2
Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora
em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Universitat de Barcelona.
Pesquisadora do Cnpq. E-mail: [email protected].
3
Ministro promete mudar livros didáticos por “visão mais ampla” da ditadura. El País, 3 de abril
de 2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/04/politica/
1554334968_202816.html>.
4
No que se refere à área de História, a BNCC do Ensino Fundamental prevê para o 9º ano a
unidade temática “Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946”
e lista como “objetos do conhecimento” questões como “Os anos 1960: revolução cultural?”,
“A ditadura civil-militar e os processos de resistência”, “As questões indígena e negra e a
ditadura” e “O processo de redemocratização”. Entre as habilidades relativas à essa unidade, a
450
O ensino de História e os usos do passado: a ditadura civil-militar em sala de aula
BNCC prevê que o/a estudante possa “(EF09HI19) Identificar e compreender o processo que
resultou na ditadura civil-militar no Brasil e discutir a emergência de questões relacionadas à
memória e à justiça sobre os casos de violação dos direitos humanos. (EF09HI20) Discutir os
processos de resistência e as propostas de reorganização da sociedade brasileira durante a
ditadura civil-militar. (EF09HI21) Identificar e relacionar as demandas indígenas e quilombolas
como forma de contestação ao modelo desenvolvimentista da ditadura. (EF09HI22) Discutir o
papel da mobilização da sociedade brasileira do final do período ditatorial até a Constituição
de 1988”. BRASIL, BNCC, p. 430-431. No que se refere à área de Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas na etapa do Ensino Médio, não há uma indicação específica relacionada ao tema da
ditadura civil-militar no Brasil. Apenas estão contemplados, de forma genérica, conceitos como
autoritarismo, ditadura e democracia. Uma das habilidades prevê “(EM13CHS602) Identificar
e caracterizar a presença do paternalismo, do autoritarismo e do populismo na política, na
sociedade e nas culturas brasileira e latino-americana, em períodos ditatoriais e democráticos,
relacionando-os com as formas de organização e de articulação das sociedades em defesa da
autonomia, da liberdade, do diálogo e da promoção da democracia, da cidadania e dos direitos
humanos na sociedade atual”, por exemplo. BRASIL, BNCC, p. 579. Disponível em: <http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>.
5
Sobre os “guias politicamente incorretos”, cf. MALERBA (2014). Sobre o Brasil Paralelo, cf. a
vídeo-aula de Fernando Nicolazzi, disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=R71LxS5FhD8>. Sobre a relação entre historiadores e jornalistas, cf. OGASSAWARA
e BORGES (2019).
6
Ver, por exemplo: Zanotto (2019), Rosa (2020) e Carneiro (2018).
451
Notas sobre uma filosofia
do ensino de História:
um samba sobre o infinito
Caroline Pacievitch1
Nilton Mullet Pereira2
452
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
tífico, uma novidade (ZAVALA, 2005). Mas há sempre um pensar que não
separa razão, paixão e ação.
Uma filosofia do ensino de História existe para refutar a ideia de que
em uma aula se realizam transposições didáticas ou que se didatizam conteú-
dos de uma ciência de referência para torná-los simplificados e serem ofereci-
dos em uma bandeja às novas gerações ou a qualquer pessoa5. Ensaiamos uma
filosofia para pensar no que acontece em uma sala de aula e, a partir daí, insi-
nuar os contornos de uma área de pesquisa que chamamos ensino de História.
Nesse sentido, refutamos a existência de uma transposição didática ou de sim-
plificação ou didatização. Tampouco acreditamos que haja mediação ou qual-
quer outra ideia que queira dizer sobre a existência específica de um saber
histórico escolar.
Assim, apresentamos nossa primeira decisão filosófica: não há um sa-
ber histórico escolar que possa ser comparado, hierarquizado, ou seja lá o que
for, em relação a um saber não escolar, como um saber acadêmico, ou da expe-
riência ou da vida cotidiana dos alunos. A suposição de um saber histórico
escolar implica criar uma série interminável de distinções que hierarquizam os
modos como cada lugar de enunciação dos conceitos históricos são ditos ao
mundo.
Nossa segunda decisão filosófica é a crença de que a História como
disciplina acadêmica cria conceitos e que o ensino de História, como campo
de pesquisa, também cria conceitos.
Nossa terceira decisão filosófica é que não há uma separação necessária
entre a prática de ensinar História e a produção de conceitos sobre essa práti-
ca. Como consequência, não vamos adjetivar o professor como reflexivo, pes-
quisador, prático-reflexivo ou intelectual nem enquadrar a pesquisa em ensino
de História como pesquisa-ação, pesquisa prática, investigação participativa
ou o que o valha.
Compreendemos que uma filosofia do ensino de História volta-se ao
filosofar, à criação de conceitos para recortar o Caos e produzir sentidos. A
criação conceitual no ensino de História, seja feita por professores da Educa-
ção Básica ou por pesquisadoras vinculadas ao Ensino Superior, dada a sua
relação com a vida da aula de História, terá dificuldades em ver estabelecidos
um conjunto estável de objetos de estudo, conceitos e metodologias de pesqui-
sa, embora sejam importantes os ensaios que pretendem compilar o que temos
feito (PLÁ; PAGÈS, 2014).
Criamos, neste texto, três conceitos para situar momentaneamente o
que pensamos sobre a aula de História e a pesquisa sobre o ensino de História.
Pensamos nisso como um samba sobre o infinito – não um samba que se dedi-
453
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
ca a pensar sobre o infinito, mas uma dança que desliza sobre o tempo. Ou
seja, nossos conceitos não querem aprisionar definitivamente a aula de Histó-
ria; ao contrário, querem libertá-la e oferecer-lhe ritmos variados, cadências
imprevistas, para conseguirmos falar sobre o que, no fundo, é inefável. Os três
conceitos são o Aular, o Sonhar e o Alegrar.
Com eles vamos criar contornos singulares sobre os encontros possíveis
do Aular; sobre os agenciamentos e os afetos alegres envolvidos na relação
com o tempo, sobre se, afinal de contas, se produzem conceitos no que chama-
mos de ensino de História. A criação conceitual é o que singulariza, digamos,
o lugar de fala de um campo de investigação ou de uma ciência. O cinema
produz conceitos; a física produz conceitos; a história cria conceitos… E to-
dos esses campos de criação conceitual revelam sua potência criativa exata-
mente aí: no fantástico mundo da tensão entre mundos possíveis, linguagem e
existências.
Um samba sobre o infinito diz respeito a uma filosofia do ensino de
História. Mas não pensamos que a filosofia seja mera contemplação – pois
filosofia é guerra –, nem mesmo um lugar exclusivo do pensamento – porque
se pensa a partir de diversos lugares – e muito menos queremos nos fazer en-
tender por todos os leitores ou interlocutores – o que a filosofia busca não é
um modo de dizer universal e muito menos um bom senso ou um consenso.
Filosofar é criar conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 1992), isto é, recortar o
Caos e criar problemas para pensar.6 Filosofar é problematizar. Portanto um
conceito não representa; ele problematiza e expressa. Se temos questões e pro-
blemas vitais, criamos conceitos para pensar e oferecer respostas. Criar concei-
tos consiste em viver, simplesmente construir condições para continuar a vi-
ver, dar conta dos acontecimentos que nos acontecem.
Um conceito não é uma representação de uma realidade exterior a ele
mesmo. Ele é imanente. Ele é expressivo. Ele é um corpo. E, sendo um corpo, tal
como pensavam os estoicos e sua física, ele vive de encontros com outros con-
ceitos, com existências, com definições; sua vitalidade está no fato de oferecer
resistências e padecer, mas também de agir e de cortar, produzindo efeitos de
compreensão e de sentido no Caos. Sua singularidade e diferenciação fazem
com que se associe a outros conceitos, sendo sempre motivo de expansão. Um
conceito é também uma multiplicidade (DELEUZE, 2012). Tudo se passa como
se fosse um complexo de componentes que se tensionam, se debatem e se asso-
ciam. Logo o conceito não é uma representação fixa de uma realidade exterior,
mas uma força que problematiza toda a realidade, criando modos de enfrenta-
mento dos problemas. Ainda que tenha historicidade, o conceito não se deixa
capturar apenas pelo lugar definido numa história; ele ultrapassa os limites tem-
454
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
porais, como imanência, sobrevoa o tempo e produz sentidos para todas as dire-
ções. E é nesse sentido que, junto ao Aular e ao Sonhar, misturamos o Alegrar
como puro acontecimento que cria encontros alegres e expansivos.
Uma filosofia do ensino de História não se confunde com uma episte-
mologia, nem mesmo com uma reflexão sobre uma prática. Ela existe para
produzir problemas para o campo e, a partir daí, criar conceitos. Supor uma
filosofia do ensino de História é querer mostrar ao mundo que o Aular e o
pensamento dele gerado não são uma prática que precisa de decifração nem
uma teoria que olha para a sala de aula como um lugar de fazeres por onde
nunca o pensamento pode transitar.
Pensamos também no ensino de História, uma vez visto e tomado como
uma filosofia, como campo de pensamento, de problemas e de conceitos. Logo
o Sonhar se torna a dimensão temporal que permite tanto ao pensamento como
à própria aula de História recuarem em relação às temporalidades da História
moderna, aos marcadores temporais que, a partir da linguagem, regulam o
modo como representamos o tempo. O Sonhar joga o ensino e a aula de Histó-
ria (logo também o campo de pesquisa) no brutal recuo do tempo em relação a
tudo o que significa estabilidade e forma. O Sonhar consiste no tempo puro de
Bergson, no Fora de Foucault, no Caos de Nietzsche: ele é a revelação miste-
riosa do acontecimento.
Aular, Sonhar, Alegrar são acontecimentos puros que tramam e insinuam
individualidades em uma aula de História. Logo não temos apenas explica-
ções, definições conceituais, datas, informações, relações de hierarquia ou de
igualdade; temos uma entrega a uma insistência em produzir historicidades,
mas também sonhos e alegrias. Essa aula acontecimental é como um cristal do
tempo7 onde, em torno das individualidades atuais, circundam forças e singu-
laridades virtuais, numa relação contínua que nunca deixa estabilizar o atual e
nem permite uma esquiva do virtual.
O aular é correlato dos encontros; o sonhar é correlato do tempo em si; e
o alegrar é correlato da criação.
Mas de onde vêm esses acontecimentos, uma vez que eles não são cau-
sas de nada nem são corpos físicos e extensos?
Para os estoicos, tudo o que habita o presente do tempo são corpos. Os
corpos são ditos por substantivos: o professor (um ser genérico, figura de ra-
zão), o aluno (idem), a mesa (corpo físico) são todos corpos. Nenhum corpo é
predicado de outro corpo. A sala (espaço determinado onde ocorre a aula),
por exemplo, sendo corpo, não é qualidade que se diz de outro corpo, pois
recebe atributos e predicados quando se encontra com outros corpos, uma vez
que todo corpo é ação e paixão.
455
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
Os corpos têm uma essência, mas essa não é uma transcendência. Ela é
constitutiva do próprio corpo, de tal forma que não há transcendência, senão
imanência: não se diz a essência distante do corpo. A essência de um corpo
não é um modelo que transcende sua existência histórica, mas é uma imanên-
cia que a constitui. A essência de um corpo é sua potência de expansão. Um
corpo existe para expandir-se. E ele se expande na relação, nos agenciamentos
com outros corpos. Tudo se passa como se a aparição de um corpo no presen-
te do tempo se desse sempre quando um encontro com outros corpos se dá.
Ou seja, os encontros marcam os corpos como devires. É sempre um vir a ser
que faz a história do corpo e o faz produzir efeitos incorporais que complicam
o tempo, cortando o presente em passado e futuro continuamente, voluptuo-
samente, com novos agenciamentos e novos encontros – misturas, criação de
individualidades ainda inexistentes.
Ora, nada há de moral nos encontros, pois eles são a própria existência
dos corpos, quando as potências de cada corpo agem e padecem, expandindo
a vida, porque o mundo acontece nesse contínuo devir das relações, das mistu-
ras dos corpos.
Os estoicos também consideram que existe apenas uma substância, a
natureza, o fogo primordial, que impulsiona a vida; os corpos que conhece-
mos são graus de tensão dessa força primordial, porque essa força não para
nunca de se diferenciar, criando diferentes estados de tensão. Ao se diferen-
ciar, ao ir da profundidade da força à sua superfície, ela se constitui com outra
natureza – não física, não atual, incorporal, multiplicando efeitos puros.8 Logo,
a pergunta correta a se fazer não é “o que é um corpo?”, mas “qual a função
desse corpo?” e, mais ainda, “o que pode, afinal, um corpo?”. Perguntar dessa
maneira indica supor que o corpo em si não tem significação; o sentido não
está no corpo que, como dissemos, é pura potência de expansão. O corpo em
si mesmo não tem qualquer moralidade ou sentido. São as misturas com ou-
tros corpos nos devires do mundo que produzem sentidos, fazendo aparecer a
potência de agir de um corpo. Nesse sentido, os encontros entre os corpos
(sala, professor, aluno, revolução haitiana) produzem efeitos em sua superfí-
cie, e esses efeitos não são outros corpos, senão incorporais.
Logo, se construímos a proposição “A revolução é libertação”, estamos
produzindo, no campo da linguagem, uma verdade sobre o corpo revolução,
que pode ser verificada de algum modo através das fontes empíricas de que
dispomos; uma revolução é libertação ou deixa de ser sempre no presente do
tempo, como se tivesse aí uma história mensurável e verificável. Assim, estamos
instituindo algo, normatizando, definindo, uma vez que estamos atribuindo um
predicado a um sujeito (um corpo); mas, se dissermos “a revolução libertan-
456
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
Uma aula de História tem sido o lugar por excelência de todas as crono-
logias, a ponto de confundirmos o discurso histórico com essa temporalização
cronológica, como se o tempo pudesse e assim fosse reduzido ao presente, ao
atual e sobretudo a uma forma de temporalizar decorrente de um modo de
vida específico que se tornou universal através da colonização dos corpos e
dos sentidos, o eurocentrismo.
Desse modo, um lugar (que não é deste tempo presente das coisas exis-
tentes) de criação abre-se e se mostra como uma onda imprevisível em seu
movimento intrínseco, a sugerir caminhos, possibilidades e sobretudo a acei-
tar as múltiplas formas através das quais o tempo é experienciado: aí temos
não apenas temporalidades, experiências e modos de vida silenciados, como
os Yanomami, os Iorubás, os Guarani, mas temos também, no encontro com
457
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
458
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
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Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
Os afetos alegres, ativos, tomam o lugar das paixões, e assim nos aproxi-
mamos da terceira geração de conhecimento, chamada de “ciência intuitiva”,
que já não se contenta com o entendimento das causas, mas alcança as essên-
cias: nossa própria essência (isto é, nossa potência de agir) e a essência das
coisas, que é o próprio Deus. Em Spinoza, Deus/Natureza é pura potência, é
a substância primeira, que não se confunde com o Deus transcendente da tra-
dição cristã.
Spinoza chama de Deus o que os estoicos chamavam de fogo seminal
ou de forças criadoras. Essas forças não são transcendentes aos corpos, mas
imanentes. Ou seja, cada corpo tem em si potências criadoras – que são a sua
própria essência. Não há ideias transcendentes que impulsionam para a ação
criadora, como resume Bréhier (2012, p. 11): “[...] a causa é, verdadeiramente,
a essência do ser, não de um modelo ideal que o ser se esforçaria em imitar,
mas a causa produtora que age nele, que vive nele e o faz viver [...]”. Deleuze
e Guattari (1992) tratam Spinoza como “rei dos filósofos” justamente por ter
recusado a transcendência. Assim, quando nos referirmos neste texto ao Deus
de Spinoza ou à energia vital dos estoicos, estamos tratando das potências dos
corpos para ação e para expansão. As causas das ações dos corpos não estão
em ideias transcendentais, mas em sua própria potência, imanente às potên-
cias “divinas”, “primordiais” ou “da Natureza”. Os corpos, assim, são modos
de expressão da potência divina, sendo cada corpo uma tensão dessa força.
Pela ciência intuitiva exercitamos nossa potência de compreender, que
ultrapassa os limites da razão, pois não necessita da mediação dos atributos,
isto é, da forma como o intelecto percebe as essências. Para Spinoza, essa
forma de conhecimento é a que traz a maior satisfação possível, identificando-a
como um “amor intelectual de Deus” e conduzindo à beatitude, à felicidade, à
potência de agir e à liberdade. Isso em função do fato de o indivíduo se condu-
zir com suas próprias forças internas, não estando mais submetido às forças
do exterior, que impõem limites.
A felicidade ou a tranquilidade de vida não são a recompensa por nos
mantermos virtuosos (o que só seria possível se existisse um modelo único de
virtude, acima de tudo e de todos), mas é o que nos fortalece para não cair sob
domínio dos afetos negativos. Quanto mais ações faz o corpo, menos ele pade-
ce; logo, mais afetos alegres ele produz. A potência para agir, portanto, multi-
plica-se e multiplica a alegria.
Chegar à ciência intuitiva é viver nas forças, intuir-se como ser de potên-
cia e de criação; por isso a alegria. Nesse mundo não há modelos, padrões,
formas; há apenas Caos e o mundo puro das forças. Mas se nossa essência é
força, flertar com as forças é chegar à gênese do que somos, é intuir o real tal
460
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
como ele é em si. Por isso, o terceiro gênero não consiste em conhecer o que
existe no real, tal como faz o segundo, mas estar livre para pensar e criar novos
mundos, novas possibilidades de vida, ainda inexistentes. Ou seja, em vez de
explicar e saber das relações do sujeito com os outros corpos e assim produzir
noções comuns, no terceiro gênero, ao flertar com a essência do que somos,
estamos livres para ultrapassar o que é, o que existe; trata-se de um tempo
inexplorado de pura criação. O sujeito criador e criativo é aquele que ultrapas-
sou a servidão aos afetos, mas também o conhecimento (explicação e interpre-
tação) das coisas existentes para, com a ciência intuitiva, simpatizar com a
energia vital (que é o Deus, a substância, em Spinoza) e estar num estado de
liberdade para poder criar novos mundos, novas formas de vida.
No terceiro gênero, podemos ser como os loucos, como os que brincam,
como os artistas, como nós, professoras, naquela aula em que é preciso bater o
sinal para nos dar conta de que não estamos lutando contra portugueses no
batalhão liderado pela rainha Nzinga nem adormecidos numa trincheira na
Alsácia ou testemunhando a primeira troca de olhares entre Lampião e Maria
Bonita. Estamos sim, momentaneamente, ultrapassando o limite das nossas
explicações e de todas as narrativas históricas para ter uma experiência com a
velocidade infinita dos acontecimentos.
Logo há que se considerar que o acontecimento Aular, aulando, não
pode ser confundido com sua possível efetuação num tempo-espaço determi-
nado – uma aula dada no dia 31 de março sobre a ditadura civil-militar, por
exemplo. Ainda que os acontecimentos sejam efeitos das misturas de corpos,
com eles não se confundem; mesmo que sejam expressos e ditos pela lingua-
gem, também não se confundem com proposições que têm os estados de coi-
sas como referentes. Logo, Aion subtrai-se ao presente, escapa ao presente; é
constante linha de fuga, um passado-futuro sempre indeterminado e indefiní-
vel. Aion, portanto, é um incorporal puro, assim como o Vazio é o incorporal
puro que se refere ao espaço. Nenhum dos dois existe, tem realidade sensível
ou mesmo pode ser referido a um corpo ou a estados de coisas para poder ter
realidade. É um passado que insiste e que persiste. Sempre passa como ele-
mento insuportavelmente inapelável do tempo.
Do ponto de vista ético, o que temos aí é uma abertura indefinida para o
sentido. Aquela aula sobre a ditadura civil-militar, no dia 31 de março é uma
efetuação do acontecimento Aular, mas não se reduz a essa aula atualizada no
presente do tempo. Ao contrário, ela como acontecimento incorporal man-
tém-se recuada de sua própria efetuação, permitindo uma bruma de virtuali-
dade que complica a própria criação de sentidos para o corpo que conhecemos
como ditadura civil-militar e a aula sobre ela em função dos devires que esse
461
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
corpo poderá ter com outros corpos, criando incessantemente novos efeitos,
novos sentidos. Mas não poderá advir daí um efeito negacionista, ainda que
isso seja possível em função dos encontros em que, hoje, vemos diminuindo
nossa alegria e nossa potencialidade de agir. Nunca se pode esquecer que é
possível provocar os acontecimentos. Na leitura spinozista, podemos produzir
afetos alegres para expandir nossa potência de agir. O negacionismo entriste-
ce; negar a ditadura é um afeto triste.
No Aular, entramos preparados com todas as nossas explicações sobre a
ditadura civil-militar, mas nossa única segurança é que muita coisa pode acon-
tecer a partir do momento em que escrevemos “1964” na lousa e menciona-
mos a palavra “ditadura”. As melhores narrativas, escritas pelas mais consa-
gradas historiadoras, estarão conosco, fortalecendo-nos como amigos, mas se-
rão sempre pontos enquadrados de passado que não resolvem, sozinhos, os
inúmeros movimentos com o passado que os alunos têm a potência de criar:
“mas, professora, meu avô disse que naquela época o país era bem mais segu-
ro”; “professora, aqui no livro diz que eles davam choque elétrico em quem
desobedecia a polícia! Que massa!”; “professora, minha mãe me disse que tem
medo de que a ditadura volte ao Brasil. Eu também tenho medo”. A professo-
ra está agora pensando: “Nenhuma das minhas leituras me preparou para isso”.
Mas a hesitação dura apenas o tempo necessário. Ela toma uma série de deci-
sões, que envolvem uma escuta acolhedora, sensível e rigorosa de cada obser-
vação de seus alunos. Ela toca as páginas do livro didático e dos historiadores
que leu, mas somente com as pontas dos dedos, para que os tempos conjura-
dos pelos jovens sejam pensados e repensados nos encontros a partir de uma
ética de afetos alegres. Não é transposição didática nem mediação: é liberdade
criativa, amparada por uma ética de vida e de alegria.
O que pode, então, uma aula de História? Sendo um acontecimento, a
aula não é transmissão, não é recontar o passado, não é apenas explicação e
interpretação. A aula é encontro de corpos, em que, em potência, pode aconte-
cer muito mais do que preveem nossos manuais de didática e se discute muito
mais do que acumulou a historiografia ao longo dos séculos. Portanto, se não
podemos destrinchar, classificar e congelar suas características, podemos ima-
giná-la como um acontecimento: o Aular.
Eis nossa primeira invenção nesse samba sobre o infinito: em vez de
usarmos o estático “aula de História” tentaremos ter em mente o Aular. Não
podemos defini-lo, mas qualquer pessoa que já tenha participado de uma aula
de História, como aluno ou professor, formará imagens do Aular. Queremos
que essas imagens venham como no sonho: ainda relacionadas com a percep-
ção, com o que obtemos pelos sentidos, mas desinteressadas, sem compromis-
462
Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
463
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
tros, esse grupo de docentes atuou como um iniciador (ARENDT, 2010): cons-
tituiu um coletivo, escreveu um manifesto, realizou um seminário e preparou
uma lista de iniciativas que foram desenvolvidas (e seguem) nos meses seguin-
tes. Tendo partido de “ataques” e em busca de “resistências”, Rodrigo final-
mente escolheu as palavras “vida” e “movimento” como representativas de
sua análise.
Essa é a pesquisa em ensino de História como Sonhar: entregue aos acon-
tecimentos, atenta aos conceitos, permitindo e estimulando a criação de pai-
xões alegres, mesmo diante de cenários nebulosos, das feridas que doem, da
fome que bate. Sobretudo resistência – ato mais digno do Sonhar, porque esse,
livre de determinações psicológicas e exteriorizado das percepções da vigília,
torna-se uma experimentação com a energia vital da criação. Tudo o que se
pode fazer é pesquisar como quem cria problemas e, a partir daí, criar concei-
tos. É nesse processo que a resistência é um ato digno da vida, da natureza, da
potência (Deus de Spinoza; Energia Vital dos estoicos), visto que o Sonhar é a
liberação dos marcadores e dos limites temporais que nos mostram o mesmo,
o já visto, e dão à nossa pesquisa nada mais do que ar de reconhecimento ou
reatividade. Portanto o Sonhar é de outra ordem, volta-se ao poético e ao seio
de Aion. O Sonhar não é “deste” tempo, mas do Tempo como incorporal va-
zio, que nos oferece não o limite, mas o ilimitado, não o reconhecido, mas o
impensado. Tudo se passa como se o Sonhar apresentasse o real em sua brutal
e inexorável causa primeira: o movimento. É nesse sentido que Corazza (2019,
p. 4) conceitua pesquisa sobre a docência e sobre a aula ao afirmar que “as
traduções docentes aparecem como oferendas, feitas pelos professores à hu-
manidade, constituídas por associações, tais como as dos poemas e dos so-
nhos: plenas de tensão, inacabamento, desencontros, conexões, contágios”.
É por isso que a pesquisa de Rodrigo não apenas sonha com modos de
resistir às paixões tristes que têm afetado os corpos de todos nós nestes tempos
difíceis, mas exerce mesmo o ato e o acontecimento de Sonhar ao inverter a
reatividade em criação.
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Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
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Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
deve ocupar-se ao máximo, porque as ideias que se referem à energia vital dos
estoicos não estão afeitas às paixões. Para usar a linguagem de Spinoza, já que
Deus (potência, energia vital) é perfeito, o amor a ele não pode ser distorcido
pelo ciúme, pela inveja, pelo medo. Então não pode ser destruído – ao contrá-
rio, pode ser ampliado, ao ocupar cada vez mais espaço na mente e produzir
encontros de paixões alegres.
Alegrar o Aular é entregar-se ao movimento. O que faz o movimento
acontecer é a nossa própria essência e, para Spinoza, a essência dinâmica vi-
tal, que é imanente a cada corpo. É para preservar nossa essência e expandir
nossa potência que agimos e substituímos as paixões por afetos ativos.
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Notas sobre uma filosofia do ensino de História: um samba sobre o infinito
chegada obrigatórios. Assim, Aular foi o primeiro conceito que criamos aqui,
instigados por duas decisões: a de que não há um saber histórico escolar e de
que a aula de História é um cruzamento de acontecimentos irredutível a qual-
quer tentativa de disciplinarização do tempo, da educação e da história.
O Sonhar é o segundo conceito que inventamos, movidos por duas ou-
tras decisões: a de que o campo do ensino de História cria conceitos e a de que
esses conceitos não são criados apenas por um tipo específico de professor – o
pesquisador, reflexivo, intelectual. Escrever sobre a aula de História pela
perspectiva do sonhar tem a ver com a expansão de potências de agir, inci-
tando-nos a ir além do cotejamento entre teoria e dados empíricos. Não há
como alimentar o pensamento sem ampliar a ação. Como vimos com Spino-
za, a virtude não é a busca de enquadramento em modelos, mas o próprio
trabalho de pensar e de promover afetos alegres.
É por isso que Alegrar é nosso terceiro conceito: por ele traduzimos a
insuficiência da razão e a fragilidade do intelecto diante de tudo o que pode
um corpo. Pelo Alegrar, sabemos da inutilidade de tentar aprisionar o tempo e
de construir explicações únicas com pretensões universais. Pelo Alegrar, sabe-
mos que nosso poder individual para evitar o mal é limitado, mas que, quando
tratamos de compreender o que nos causa mal e agir não com vingança, mas
produzindo afetos alegres com os outros, isso expande nossa potência de viver
ao fortalecer nossa essência.
Nosso samba sobre o infinito chega em sua “pausa de mil compassos”.
Talvez muito mais do que mil, quem sabe até infinitos compassos, do tamanho
da eternidade – e, se for assim, nunca será uma pausa. Ao contrário, será um
samba “no” infinito, no tempo, tocando o nosso coração sempre pela diferença,
contagiando-nos com a energia que constitui a essência do que somos.
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1
Professora de História. Atua no Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas.
2
Professor da área de Ensino de História. Departamento de Ensino e Currículo, Faculdade de
Educação, UFRGS. Professor do Mestrado Profissional em Ensino de História.
3
Simpatizar é relativo ao que Bergson (1989) chamou de método intuitivo. Ou seja, trata-se de
um movimento de coincidência com os objetos, com a realidade. Consiste em, diferentemente
da inteligência, entrar no objeto e coincidir com o que ele tem de imensurável. Tudo se passa
como se simpatizar fosse uma simpatia com a própria duração, ultrapassando os limites dos
pontos de paradas definidos desde o exterior aos objetos. Então simpatizar é um modo de durar
com o objeto que se quer conhecer.
4
VAN MANEN, Max. Pedagogical sensitivity and teachers practical knowing-in-action. Peking
University Educational Review, Beijing, p. 1-23, 2008. Disponível em: <http://
www.maxvanmanen.com/pedagogical-sensitivity-and-teachers-practical-knowing-in-action/>.
Acesso em: 31 mar. 2020; GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Ensino de História, educação
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16. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300850862_>.
Acesso em: 31 mar. 2020.
5
Transposição didática é um conceito muito comum no campo da didática. Originalmente
divulgada no Brasil a partir de Yves Chevallard (2013), foi debatido por diversos pensadores do
ensino de História, com destaque para Ana Maria Monteiro (2007).
6
O Caos consiste no caráter geral da natureza, ou seja, é a natureza livre do que dizemos sobre
ela, dos “antropomorfismos estéticos” que criamos para criar pontos de parada na velocidade
infinita da natureza. O Caos significa ausência de ordem, de medida, de estratos definidos. Ele
é uma tempestade de forças selvagens, por isso é energia vital de criação (NIETZSCHE, 2001).
7
Deleuze pensou a ideia de imagem-cristal relacionada ao que o pensador chama de Cristais do
Tempo, que consiste numa bifurcação que faz coincidir percepção e memória, onde a imagem
atual convive com sua imagem virtual, tendo-se simultaneamente o passado e o presente num
paradoxo que conserva todo o passado ao mesmo tempo que o presente passa. Nas palavras de
Deleuze (1990, p. 102), “é preciso que o tempo se cinda ao mesmo tempo em que se afirma ou
desenrola: ele se cinde em dois jatos dissimétricos, um, fazendo passar todo o presente, e o
outro, conservando todo o passado. O tempo consiste nessa cisão, e é ela, é ele que se vê no
cristal. A imagem-cristal não é o tempo, mas vemos o tempo no cristal. Vemos a perpétua
fundação do tempo, o tempo não cronológico dentro do cristal”.
469
Caroline Pacievitch • Nilton Mullet Pereira
8
Na concepção dos estoicos, os acontecimentos não são corpos nem têm existência física. Por
isso, quando pensam nos corpos, esses filósofos estão pensando em uma física, ao passo que,
ao abordar os acontecimentos, estão propondo uma lógica, uma lógica dos acontecimentos
incorporais (BRÉHIER, 2012).
9
Lemos diretamente a Ética de Spinoza na tradução de Tomaz Tadeu, mas contamos com o
auxílio de Roberto Machado (2010).
10
Adiante, explicaremos brevemente como entendemos o Deus de Spinoza em diálogo com os
estoicos.
11
O jornalista André Liohn, em entrevista a Bruno Torturra, critica o uso de vocabulário ligado
à guerra para falar da Covid-19, pois um vírus não é um inimigo, e os acontecimentos advindos
desse trágico encontro não podem ser vistos como um ataque orquestrado em nome de alguma
razão oculta, seja ela o colapso do capitalismo neoliberal ou o fim do multilateralismo. Diante
dos padecimentos profundamente tristes da pandemia, Liohn propõe a ação, a promoção de
encontros amorosos, a produção de solidariedades. Nada disso se relaciona com a guerra, que
é morte e que retira nossa potência de agir, mas um tipo de resistência e de enfrentamento que
expande ações e promove encontros de vida. Discutiremos mais detidamente essas ideias ao
longo deste capítulo (LIOHN; TORTURRA, 2020).
12
“A causa, por ser imanente, não é transitiva e, consequentemente, não se separa de seus efeitos,
constituindo-os e neles se exprimindo.” CHAUÍ, Marilena. Sobre o medo. In: NOVAES, Adauto
(org.). Os sentidos da paixão. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. p. 49.
13
BLOCH, E. O princípio esperança. Rio de Janeiro: EdUerj: Contraponto, 2005. SONTAG, Susan.
A vontade radical. Estilos. São Paulo: Cia das Letras, s.d. Edição Kindle. BENJAMIN, Walter.
Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte
e política. São Paulo: Brasiliense, 2017. Edição Kindle. JACOBY, Russel. Imagem imperfeita:
pensamento utópico para uma época antiutópica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
14
Professor de História há 10 anos na rede municipal de Porto. Decidiu fazer pesquisa em Ensino
de História comovido pelos avanços neoliberais sobre suas condições de trabalho e sobre os
ataques neoconservadores sobre sua liberdade de ensinar. Sua intenção inicial era saber mais
sobre o assunto e proteger-se acumulando conhecimento sobre esses assuntos. Porém,
sensibilizado pela concepção de formação docente de Antonio Nóvoa, seu trabalho de campo
toma outros rumos.
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