As Origens Do Português Brasileiro
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As Origens Do Português Brasileiro
br/eletras
RESUMO: Neste artigo traam-se paralelos intertextuais relativos s possveis explicaes para a origem do Portugus Brasileiro. So abordadas as contribuies das populaes nativas e africanas. O pidgin e o crioulo so duas possveis explicaes, alm das que tratam do arcasmo, hipercorreo, e caminho prprio, entre outras. So apresentados um quadro evolutivo da distribuio tnica bem como exemplos de vocbulos oriundos de outras populaes que foram incorporados pela comunidade de falantes do portugus brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: pidgin; crioulo; nativos brasileiros; escravos africanos.
1. Introduo
A busca das possveis explicaes para o surgimento do Portugus Brasileiro ou simplesmente PB e como ele se distanciou do Portugus Europeu ou PE tem sido tema de estudos de um sem nmero de lingistas interessados em entender como este processo se configurou. medida que novos textos que tratam deste assunto so publicados, novas perguntas surgem e novas explicaes so propostas sejam elas inditas, sejam elas a explorao de aspectos ainda no estudados das outras teorias. Este texto busca traar paralelos, intertextualidades, entre trs obras que discorrem sobre esse tema. A primeira delas Ensaios para uma scio-histria do portugus brasileiro, de autoria de Rosa Virgnia Mattos e Silva (2004), na qual a autora sustenta a teoria da origem crioula do PB. A segunda Origens do portugus brasileiro, de Anthony Julius Naro e Maria Marta Pereira Scherre (2007). Aqui,
longe de negar a importncia da influncia africana e indgena para nossa cultura, os autores apresentam evidncias de que caractersticas morfossintticas e fonolgicas do portugus brasileiro, atualmente envoltas em estigma e preconceito social, so heranas romnicas e portuguesas arcaicas e clssicas, e no modificaes advindas das lnguas africanas, ou das lnguas dos povos amerndios. (NARO & SCHERRE, 2007: 210)
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Finalmente, a terceira publicao O portugus da gente, de Rodolfo Ilari e Renato Basso (2007). Eles trabalham, assim como Mattos e Silva, com a contribuio determinante das populaes indgenas e africanas na formao do PB corrente na qual tendemos a nos filiar. Mas, sobretudo, com o aspecto sociolingstico, comunal, e cultural da lngua como construo coletiva, representao de um todo populacional variado e diversificado que constituiu originalmente nossa populao. Propomos, pois, uma primeira abordagem dos conceitos de pidgin e crioulo. Na sequncia, expomos as possveis contribuies das populaes indgenas nativas seguidas pelas possveis contribuies das populaes africanas. Ao final, tratamos da reeuropeizao do PB que nos trouxe nossa lngua atual.
Vrias so as definies ao conceituar-se pidgin e crioulo, dependendo do autor consultado. De uma forma geral, considera-se pidgin um primeiro sistema verbal, ou de comunicao, uma primeira lngua de contato entre povos falantes de diferentes lnguas, que forneceriam o vocabulrio para essa lngua de contato, de forma que todos os falantes pudessem identificar elementos de sua lngua materna nessa nova organizao lexical. interessante notar que as regras gramaticais no so necessariamente as mesmas das lnguas que forneceram o vocabulrio, mas essas regras podem ser do idioma considerado a lngua de prestgio da regio em questo, ou da maioria falante. (...) O Tok Pisin, sistema de base lexical inglesa usado na Nova Guin [est] () em uso na rea pelo menos desde meados do sculo XIX (NARO & SCHERRE, 2007: 51-52). Naquele pas, em um processo considerado raro, os pais adquiriram esse pidgin j adultos, e o transmitiram para seus filhos como interface de contato em suas prprias casas, com status de segunda lngua, e a nova gerao a internalizou como sendo sua lngua nativa, natural. Considera-se que a principal fonte de aquisio nos demais locais onde houve o fenmeno do pidgin seja o contexto comercial nas relaes de consumo e de trabalho, de um modo geral.
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O pidgin tem como caracterstica uma dbil estabilidade estrutural: suas construes so variveis, uma vez que no se configura como uma lngua natural, mas uma lngua adquirida e ainda em construo pelos prprios falantes. Este processo fomenta a fossilizao do funcionamento da lngua, pois medida que o universo de falantes aumenta, aumenta seu prestgio, seu uso e, consequentemente, sua normatizao pela identificao do grupo atravs de sua fala. As estruturas tornam-se, assim, mais estveis. As regras ganham forma e comea a delimitar-se um conceito de certo e errado em relao a uma forma de falar que, antes, era varivel e sempre aberta a muitas possibilidades. Esse seria o momento quando o pidgin se tornaria um crioulo. H uma populao, uma nova gerao que j o tem como lngua nativa, natural. Suas estruturas de funcionamento e seu lxico comeam a mostrar sinais de estabilidade. H um contnuum comunicativo entre os indivduos daquela comunidade que comeam a valorar a forma com a qual se fala a lngua. O senso de identificao de grupo cresce e engloba a nova lngua como parte integrante e inseparvel de sua cultura. Alm disso, o grupo passa a ser identificado externamente como falante daquela lngua, que continuar tendo elementos lexicais e mesmo gramaticais da lngua ou das lnguas que deram origem a esse novo sistema, como acontece atualmente com os crioulos falados nos pases caribenhos, derivados do espanhol, alemo e ingls lnguas dos pases que colonizaram a partir do sculo XVI estas regies. Ento, em um ltimo estgio, esse sistema se torna a lngua de prestgio, substituindo aquela ou aquelas que eram faladas originalmente, que se tornam ou no os vrios dialetos ou lnguas menores das populaes isoladas, indgenas, pobres, em suma, de menor prestgio. Notam-se no PB numerosos processos que teriam caractersticas similares quelas de um processo de pidginizao/crioulizao como a simplificao das concordncias de nmero e das flexes verbais. A saber:
(1) CONCORDNCIA VARIVEL DE NMERO VERBO/SUJEITO: eles ganhaM demais da conta, eles ganha demais. (2) CONCORDNCIA VARIVEL DE NMERO ENTRE OS ELEMENTOS DO SINTAGMA NOMINAL: os fregueseS, aS boaS aES, aS codorna, aS porta aberta, essaS estradaS nova, do meuS paiS.
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(3) CONCORDNCIA VARIVEL DE NMERO NO SINTAGMA PREDICATIVO: as coisas tO muito caras, n? As coisas t cara (NARO & SCHERRE, 2007: 50).
Algumas das possveis explicaes para esses fenmenos so a necessidade de simplificao do sistema pelos novos falantes da lngua que a adquirem j em idade adulta. Similar processo ocorreu nas lnguas que surgiram a partir do Latim quando da expanso do Imprio Romano, no conhecido processo de colonizao que impunha a lngua do imperador. Na realidade, a lngua falada no era exatamente aquela modalidade que o prprio falava, mas um sistema rudimentar de comunicao se comparado com o lxico romnico e algumas de suas regras gramaticais. Por isso, por tratar-se de um complexo sistema de declinaes e casos, as populaes locais acabaram por simplific-lo flexionando o verbo pela simples justaposio ao pronome, ou reduzindo os casos para os mais usados, ou ainda deixando de lado o registro formal necessrio para contextos oficiais ou sofisticados e adotando somente os pronomes de tratamento informais.
No Brasil, poderia-se creditar esta simplificao da lngua aos ndios que aqui viviam. Entretanto, tal suposio no goza de muito prestgio, pois os colonizadores adotaram lnguas gerais como interface de contato entre eles e os nativos. Estas acabaram tornando-se as lnguas mais faladas no Brasil em detrimento do PE. Oficiais ou funcionrios da coroa portuguesa que viessem para a colnia tinham que ser acompanhados de intrpretes para que conseguissem comunicar-se com os locais (ILARI & BASSO, 2007: 62). Uma das lnguas gerais, a lngua geral paulista, tornou-se a mais popular de todas no Brasil meridional nos sculos XVII e XVIII. Uma outra lngua geral era falada no Brasil setentrional e hoje comumente conhecida como nheengatu e ainda pode ser encontrada nas comunidades isoladas do norte amaznico brasileiro. Obviamente, lnguas gerais tiveram forte contribuio para o lxico do PB conforme vemos nos exemplos abaixo:
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fruta cheirosa rio de guas malficas cesto de frutas rvore que destila lquidos, palmeira procedente do mato febre eruptiva, fogo que vem de dentro gro de milho que estoura
Fonte: http://educacao.uol.com.br/planos-aula/ult3907u160.jhtm
A poltica das lnguas gerais continuou fortssima e predominante sobre quaisquer outras lnguas ou dialetos, inclusive com o apoio e anuncia da coroa portuguesa. Somavase a isso o trabalho da igreja catlica nos territrios brasileiros que catequizava os nativos usando verses traduzidas para a lngua geral das oraes e das pregaes bem como da bblia. No entanto, como os integrantes da Companhia de Jesus ganhavam mais e mais poder na colnia, a administrao viu-se ameaada em sua posio. Em consequncia desta situao, o Marqus de Pombal decretou em 1757 que a nica lngua de ensino no Brasil seria a lngua portuguesa sem corruptelas ou alteraes, mas exatamente aquela falada em terras europias. Essa medida teve eficcia at certo ponto questionvel. Ilari & Basso (2007: 65-66) citam uma carta do ouvidor interino Antnio da Costa Camelo na qual relata os fatos ocorridos na vila de So Jorge dos Ilhus, a 28 de dezembro de 1795. Aparentemente, fora destitudo um funcionrio pblico que no cumpria suas funes e, em seu lugar, fora nomeado outro, que tinha vrias qualidades, entre elas, ser natural da prpria vila e falar a lngua dos ndios. Mas o fato que, no comeo do sculo XXI, essas lnguas gerais esto circunscritas s pequenssimas comunidades isoladas no norte
amaznico. Alm disso, no so detectveis vestgios dessas lnguas no PB, fato que corrobora com o descrdito sobre a possibilidade de as lnguas indgenas naturais ou as lnguas gerais serem a base do PB. Soma-se a estas evidncias o fato de que a populao indgena tornou-se infimamente pequena conforme se nota no Quadro 2, abaixo. Em meados do sculo XVII, representavam apenas 10% da populao os ndios integrados,
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tendo sua presena na populao diminudo ao longo dos sculos at nfimos 2% na segunda metade do sculo XIX.
2.3. frica
Uma segunda possibilidade abordada seria a de que a simplificao/mudana do PB seria o resultado de uma pidginizao causada pelos escravos trazidos dos pases africanos. Esta teoria esteve em um limbo entre os anos 1950 at meados de 1990/2000 quando foi novamente trazida tona por Mattos e Silva. Segundo a autora, em Estudos para uma scio-histria do portugus brasileiro (2004: 82), busca (...) argumentar em favor de um ponto de vista segundo o qual teria sido essa significativa parcela de africanos e afrobrasileiros da populao colonial o agente principal de difuso do que () [ela designa] de portugus geral brasileiro, antecedente histrico do chamado portugus popular brasileiro. Iniciado nos anos que seguiram imediatamente chegada dos portugueses no Brasil, o trfico de escravos oriundos do continente africano continuou, embora em diferentes quantidades, ao longo dos quase quatro sculos durante os quais foi legalizado, e por algumas dcadas aps ser declarado ilegal. Estimativas sobre a quantidade de pessoas subtradas da frica variam de trs milhes e trezentos mil, de acordo com Roberto Simonsen (1944) a 13 milhes, seguindo os estudos do historiador Rocha Pombo (1919). Seja qual for a estimativa adotada, o fato que as populaes no-europias sempre foram a maioria avassaladora entre os habitantes do territrio brasileiro. Reproduzindo uma tabela de Alberto Mussa, temos um retrato diacrnico da distribuio das etnias, de acordo com com seu estudo de 1991:
Quadro 2: Distribuio das etnias no Brasil de 1538 a 1890 1538-1600 Africanos Negros brasileiros Mulatos Brancos brasileiros Europeus ndios integrados 20% 30% 50% 1601-1700 30% 20% 10% 5% 25% 10% 1701-1800 20% 21% 19% 10% 22% 8% 1801-1850 12% 19% 34% 17% 14% 4% 1851-1890 2% 13% 42% 24% 17% 2%
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O que se depreende dos dados acima que a comunidade falante do PE brancos brasileiros e europeus girou em torno de 30% desde o sculo XVI, quando os ndios representavam 50% da populao local e africanos, 20%, e manteve-se neste patamar at o sculo XIX, quando falantes do PE ganham espao em detrimento da entrada de pessoas africanas escravizadas e do virtual desaparecimento das populaes indgenas, que atingiram seu mnimo, at ento, histrico. Em contrapartida, a comunidade falante das dezenas de lnguas africanas registradas no Brasil, representada pela populao de africanos e brasileiros descendentes de africanos (negros e mulatos), foi a maioria absoluta desde o sculo XVII, quando comearam a ser sequestrados em larga escala do continente negro, ao mesmo tempo em que os ndios sofriam um massacre sem precedentes para dar espao para a ocupao europia em terras locais. Tal fato resultou numa rpida inverso da distribuio populacional brasileira: de um total de 50% de ndios integrados durante o sculo XVI, os fatos mencionados levaram a uma queda deste nmero para 10% no sculo seguinte, ao mesmo tempo que o africanos passaram de 20 para 30% no mesmo perodo. Somam-se a esses africanos suas primeiras geraes de descendentes, bem como aqueles indivduos resultantes da miscigenao com as populaes locais, de tal forma que negros brasileiros e mulatos igualaram-se em quantidade aos africanos j no sculo XVI e cresceram desde ento, representando 40%, 53% e 55% nos sculos XVIII, e primeira e segunda metades do sculo XIX, respectivamente. No mesmo perodo, a populao originalmente africana decresceu, representando 20%, 12% e 2%, refletindo
a mudana das polticas populacionais brasileiras. Um interessante fenmeno apontado por Darcy Ribeiro (1995: 220) de que os africanos seriam, eles prprios, os principais difusores da lngua portuguesa que eles aprendiam oralmente de seus colonizadores. Submetidos poltica de separao tnica e lingustica, eram forados a adotar o portugus como meio de contato tanto com os demais escravos quanto com os no-escravos. Segundo o autor, (...) fazendo-o, se reumanizou conseguindo dominar a nova lngua, no s a refez, emprestando singularidade ao portugus do Brasil, mas tambm possibilitou sua difuso por todo o territrio. (Soma-se
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ao fato do grande nmero de africanos que viviam em terras brasileiras o declnio da mode-obra indgena, sobretudo nas regies nordestinas e no sudeste, onde o PB j se configurava como lngua predominante. Nas regies sulinas ainda com forte presena tupi e das lnguas gerais dos jesutas e dos bandeirantes, as crescentes levas de imigrantes europeus, a abertura de novas frentes de explorao agropecuria e a consequente expulso das populaes autctones trouxeram gradativamente, tambm para esta regio, o predomnio do portugus. Houve, no entanto, um momento em que a identidade africana pde se manifestar de forma una: durante o perodo dos quilombos. H registros destas comunidades de fugitivos dos martrios da escravido que datam desde meados do sculo XVII e vem at a atualidade, quando as comunidades foram reconhecidas como descendentes diretos dos prprios quilombolas. Nestes locais, acredita-se que no eram faladas lnguas africanas propriamente ditas, mas lnguas gerais que mesclariam o portugus brasileiro em formao, o portugus europeu, lnguas africanas variadas, alm das lnguas indgenas. Estas configuraes dependeriam dos indivduos que formassem cada aglomerado populacional. Acredita-se que o conhecido Quilombo dos Palmares que era, na realidade, um complexo de doze ou mais quilombos, poderia ter tido at 30 mil indivduos em determinado momento. Levando-se em considerao que estes habitantes falariam uma enorme gama de lnguas e dialetos africanos como fulfuld, wolof, serei, temre, mande, kwa, ghe, ewen, gen, oj'a, fous, yoruba, nag-ketu, nupe, igbo, ij, tchadico, hauss, kanuri, somente para citar alguns, factvel acreditar-se na necessidade de uma lngua comum a todas as comunidades de falantes desta pliade lingustica.
Muitos desses quilombos estavam situados nas regies perifricas ou prximas dos centros urbanos em formao como a cidade do Rio de Janeiro e de Salvador. Mattos e Silva (2004: 89) cita as palavras de F. S. Gomes quando este menciona as comunidades situadas na Baixada Fluminense e no Recncavo da Guanabara: Os quilombos de Iguau, como hidra de vrias cabeas, tornaram-se ameaadores para os mundos da escravido. As cabeas imortais da hidra de Iguau, alm dos quilombolas, eram taberneiros, pequenos lavradores, escravos remadores, etc. Na Bahia, havia quilombos 'urbanos' nas imediaes
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de Salvador mais especificamente, em Cabula, Matatu e Itapoan. Mattos e Silva (2004: 89) cita anda J. J. Reis quando ele diz que os quilombolas circulavam com frequncia entre seus quilombos e os espaos 'legtimos' da escravido e tambm Schwartz que afirma que os quilombos estavam cada vez mais integrados vida da escravido urbana. Pode-se, pois, supor que esses locais eram verdadeiros laboratrios lingusticos onde os falantes combinavam e recombinavam suas culturas, hbitos, lxicos, gramticas, portugueses, tupis e demais elementos culturais e de identidade para produzir o que seria o nosso PB. A proximidade com os futuros centros urbanos trazia sempre sua influncia para dentro da comunidade e vice-versa; esses indivduos exportavam sua produo lingustica diria para as camadas da populao com as quais tinha contato.
3. Concluso A coroa portuguesa nunca se preocupou com a difuso organizada de sua lngua aqui na colnia brasileira. Ao contrrio das polticas romanas j citadas de conjugao das dominaes militar e cultural, deu-se aqui uma simples ocupao humana culturalmente desordenada e consideravelmente aleatria no que diz respeito ao desenvolvimento dos sistemas de significao cultural do povo. Em realidade, no houve o suporte ao desenvolvimento de uma identidade cultural brasileira, mas simplesmente a reproduo defectiva do modelo lusitano. Como consequncia, o nvel do sistema educacional brasileiro foi sempre
sofrvel, e piorou ainda mais com a expulso dos Jesutas em 1760 pelo Marqus de Pombal. Havia um pequenssimo nmero de estabelecimentos educacionais que, alm de atender uma nfima ponta da pirmide social, estava setorizado nos centros urbanos. Temerosos de que seus filhos fossem influenciados pelo falar dos escravos, ndios e gentios, os mais ricos comearam a envi-los para Coimbra, em Portugal, para estudar Direito. Isto resultou em uma grande quantidade de falantes do PE pertencentes s classes dominantes o que j era a praxe, uma vez que o PB era somente falado pelas camadas trabalhadoras e nos espaos de menor prestgio. De qualquer forma, no sentido de resguardar a formao europia, estes brasileiros voltavam para a terra ptria carregados de influncia lusitana tanto cultural quanto lingstica, o que retroalimentava este crculo de
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falantes de alto-prestgio e confirmava ainda mais o PE como a variante de prestgio. Apesar de tudo isso, o PB sempre se caracterizou por uma realizao menos marcadamente identificvel ou menos carregada de estigmas, como que escolhendo um caminho prprio (MATTOS E SILVA, 2004: 82). Este fato , de sobremodo, surpreendente, tendo em vista a proporo da populao que tinha o portugus como lngua materna e aquela que o tinha como segunda lngua. Seria de se esperar que a lngua falada aqui derivasse direta e fortemente das lnguas que falavam os escravos e indgenas, que, juntos, representaram sempre cerca de 70% da populao local. No obstante, uma srie de polticas de isolamento social como a seleo negativa, na qual falantes de uma mesma lngua eram obrigatoriamente separados, assim como a negao da formao de ncleos familiares, que eram dissolvidos assim que comeavam a se formar dentro das fazendas fizeram com que as lnguas faladas pelos escravos se perdessem no tempo e no se tornassem a interface de contato. Some-se a isso o fato de os possveis pidgin e crioulo brasileiros nunca haverem sido a lngua de prestgio, o que fazia com que os ricos enviassem seus filhos para a Europa para que estudassem o PE. Alm disso, a variante europia era a adotada oficialmente pelos rgos de governo e por seus representantes, normalmente nascidos em territrio portugus. importante observar que houve e ainda h comunidades isoladas falantes de dialetos variados de origem africana e nativa brasileira, como as comunidades
quilombolas de ento e aquelas que ainda existem no interior brasileiro, bem como as comunidades indgenas isoladas em variadas regies brasileiras, mas, sobretudo, no norte amaznico. Estas comunidades funcionariam como laboratrios lingusticos onde os indivduos dariam sua contribuio atravs da adio de lxicos e gramticas variadas, bem como, seus hbitos culturais herdados de seus pais ou trazidos de seus locais de origem.
4. BIBLIOGRAFIA
MATTOS E SILVA, Rosa Virgnia (2004). Ensaios para uma scio-histria do portugus brasileiro. So Paulo: Parbola Editorial. NARO, Anthony Julius; SCHERRE, Maria Marta Pereira [organizao] (2007) Garimpo das origens do portugus brasileiro. So Paulo: Parbola Editorial. ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato (2007). O portugus da gente: a lngua que estudamos a lngua que falamos. So Paulo: Contexto.
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