Praga de Justiniano
A praga de Justiniano ou peste de Justiniano foi uma pandemia, ocorrida no reinado do imperador Justiniano I (r. 527–565), causada pela peste bubônica que afetou o mundo mediterrâneo, com maior incidência no Império Bizantino entre os anos de 541 e 544.
Foi uma das maiores pandemias da história, com impactos similares aos da Peste negra que ocorreria mais tarde. É estimado que entre 25 e 100 milhões de pessoas tenham morrido ao longo de dois séculos como consequência da Peste de Justiniano.[1] A doença foi transmitida pelas pulgas, que vieram junto com os ratos em navios com carregamento de grãos do Egito. Pensa-se que a praga justiniana matou talvez metade da população da Europa e facilitou a aquisição árabe das províncias bizantinas no Oriente Médio e na África.[2]
A área mais atingida foi Constantinopla. Documentos escritos sugerem que a praga matou até 300 mil pessoas na cidade, mais de metade da população daquela época.[3]
Estudos genéticos apontam que a doença teria se originado na China[2] e seria causado pela bactéria Yersinia pestis, assim como as outras grandes pragas.[1]
Sinais e Sintomas
editarOs pacientes desenvolviam sintomas tais como, febre súbita, dor de cabeça, arrepios, e após alguns dias, o aparecimento de inchaços dolorosos ,denominados de bubos, eram visíveis, principalmente na zona das virilhas e secundariamente noutras zonas, nomeadamente nas axilas, pescoço, coxas entre outros, características predominantes na peste bubônica.[4] | diagnóstico = Presença da bactéria nos glânglios linfáticos , no sangue, no baço e no fígado[5][5] Outros sintomas associados são naúseas, vómitos, diarreia, visões alucinatórias, insónia, delírio e coma.[4] O período dos sintomas clínicos agudos tinham uma duração muito curta, aproximadamente de cinco dias.[6]
Transmissão
editarA transmissão pode ser diferente dependendo da pandemia em questão. No caso da primeira epidemia a mais comum teria sido a forma bubónica .[7]
A transmissão desta doença zoonótica ocorre através da mordida de pulgas adultas hematófagas, cujo ciclo de vida envolve roedores como hospedeiros primários, após a morte deste hospedeiro primário, o ser humano pode ser alvo da sua transmissão.[4][7] Se a existência dos reodores for limitada, a pulga pode ser transmitida a outros animais (e.g. lagomorfos), por sua vez a ingestão destes animais infetados pode envolver um maior risco para o ser humano dado que estes são um reservatório hospedeiro para bactéria.[7][8]
A espécie de roedores que levou a uma maior transmissão foi a dos ratos negros (R. rattus), estes percorrem durante a sua vida uma distância máxima de aproximadamente duzentos metros, questionando-se assim os meios que levaram à transmissão da pandemia nesse século.[9]
Entre as vítimas da peste Justiniana, aqueles que lhes prestavam cuidados não eram considerados de estar em risco de contrairem a doença .[4]
Infecção
editarO ser humano não apresenta uma contribuição na sobrevivência a longo termo da bactéria Y. pestis, em contraste os roedores são afetados primariamente e as pulgas adquirem-na através da alimentação de sangue infetado (cfr. Perry & Peterson, 1997). Se o organismo não é transmitido transovarialmente, a manutenção da praga na natureza torna-se apenas dependente da transmissão ciclíca entre as pulgas e os mamíferos .[5] A presença da bactéria pode ser indetetável por um longo tempo, geralmente de 10-20 dias, por vezes estende até mais de três meses; a morte dos roeodores, é um sinal da sua atividade, que força as pulgas a procurar outro hospedeiro, logo é inevitável que esta forma bubônica da epidemia tenha um longo tempo de geração em série.[9]
Sucintamente, a infeção inicia-se quando a Y. Pestis se propaga no local da mordida da pulga para os glânglios linfáticos regionais, crescendo consequentemente em número, causando a formação de um glânglio linfático inchado.[5] A infeção propaga-se para a corrente sanguínea, onde os bacilos são preferencialmente removidos no baço e no fígado.[5] O desenvolvimento dos organismos permanece no sangue, no fígado e no baço e propaga-se para outros órgãos, como os pulmões.[5][7] Sendo assim, a infeção da pulga pelo sangue de um roedor bacterêmico ou septicêmico completa o ciclo de vida de Yersinia pestis .[5]
Diagnóstico
editarDe acordo, com Wagner et. al (2014), o genoma de Y. pestis evidencia a linhagem da bactéria que causou a primeira pandemia, sendo que é distinta da segunda que causa a peste negra. O reconhecimento desta distinção é importante na medida em que coloca mais questões sobre a Peste de Justiniano. A dificuldade desta distinção refletiu-se não só na reduzida existência de casos, bem como no desaparecimento súbito da doença (praga de Justiniano) nos séculos posteriores (após o século VIII), e também a má preservação de o aDNA dificultou o trabalho dos investigadores que pretendem obter um genoma mais completo e obter mais informações sobre a epidemia.[6][10] Independemente disso, os registos de Procopius e outros autores permiram visualizar um melhor discernimento através dos sintomas e transmissão das duas primeiras pestes.[4]
Segundo vários investigadores a análise destes sintomas (febre, dores de cabeça, arrepios, surgimento de bubos em várias zonas do corpo, naúseas, vômitos, diarreia, alucinações, insónia, delírio e coma) permitem o diagnóstico de peste justiniana.[4][7] A doença era geralmente fatal no caso de gravidez e também na presença de vómitos acompanhados de sangue.[4] No entanto, se uma zona inchada fosse alvo de rotura e o pus exsudado, o paciente podia recuperar.[4] As vítimas que sobreviviam geralmente eram alvos de atrofia das coxas ou da língua.[4]
Tratamento e medidas preventivas
editarA persistência em frequentar os curandeiros cristãos, em vez de dos médicos que prestavam serviço com posterior pagamento era evidente no século VI.[11] Neste período, estes profissionais apenas tinham a responsabilidade de oferecer um prognóstico e assistir, pelo que não era esperado que estes arriscassem as suas vidas.[11]
Um tratado entre Justiniano I e o xá Cosroes I (r. 531–579), permitiu a disponibilização de instituições destinadas a cuidados de saúde, estas instituições eram denominadas de xenones, que funcionavam particularmente como hostels, eram instituições de quarentena, para aqueles que estavam infetados.[11]
O tratamento terapêutico pré-clínico, era localizado maioritariamente na habitação dos pacientes que não apresentavam as possibilidades de cuidados médicos.[11]
Na atualidade, as medidas de prevenção e o tratamento de doenças infecciosas são mais eficazes, o corrente tratamento para a peste inclui antibióticos (i.e. em específico estreptomicina; tetraciclina; cloranfenicol), e, se necessário, suporte respiratório e de fluidos.[5][7]
Métodos alternativos correspondem ao sérum terapêutico, terapia de fago, terapia de bacteriocina, alguns destes métodos podiam produzir efeitos secundários.[7] A vacinação é um método preventivo, contudo está ligeiramente em desuso, a pesquisa e preocupação são vastas, devido a possível recorrência da peste, a prevalência e resistência desta bactéria, surge como preocupação contemporânea e como um possível perigo futuramente (e.g uso de Yersinia pestis como arma biológica) .[7]
A classificação deste surto indica que em caso de ocorrência se deve proceder a um protócolo de segurança, sintetizando, para evitar a propagação, a vigilância principalmente em zonas endémicas, em fronteiras, de forma a proteger países não infetados deve ser levada em consideração, isto significa o controlo de itens pessoais, transportação de bens, ou seja, tudo que possa ser uma ameaça para a segurança das populações.[7] Alerta-se o controlo animal, visto que é uma peste zoonótica, a redução das populações de ratos, por exemplo, pode indicar uma migração da pulga para outros seres vivos (e.g lagomorfos).[7][8]
Epidemiologia
editar“A maioria das críticas à investigação sobre a peste focam-se mais na direção de um debate historiográfico do que na evidência da peste” .[12] Esta afirmação é referente a um desentendimento entre os diversos autores sobre a verdadeira origem da praga justiniana; existem duas teorias, uma refere a Etiópia como origem, outra alega a China como originária da primeira pandemia mundial.[10]
Wagner et. al (2014) apresentam evidências compatíveis com a teoria que indica a origem na China e a sua possível distribuição. A propagação da bactéria que provocou a primeira pandemia surge como independente para diversos autores (mostrar figura).
As evidências históricas, arqueológicas e de casos similares de epidemiologias, acabam por persistir como inconclusivas; o DNA antigo (aDNA) tem sido das poucas evidências que fornecem informações mais viáveis, contudo a sua preservação e inclusive o genoma que permite conhecer, não é suficiente para obter uma construção completa da bactéria desta primeira pandemia.[6][12] A especulação da sua transmissão para os diversos locais centra-se nas rotas de transporte, como, as embarcações, trocas comerciais, entre outros.[10]
Consequências Sociais
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O império de Justiniano I foi gravemente afetado, não só devido à depopulação, mas também na medida em que afetou a economia, seguida da escassez de recursos devido ao colapso da agricultura e consequente fome.[4]] Os registos de John de Ephesus eram detalhados, sobre estes diversos acontecimentos, em 546 d.C a redução do grão e do vinho foi destacado, entre outros inúmeros exemplos.[4]
Justiniano I, como imperador, começou a perder o controlo sobre as áreas do Mediterrâneo, que uma vez estiveram em posse romana, a fatalidade deste surto levou à queda do império romano (para uma descrição mais pormenorizada cfr. Justinian’s flea de William Rosen (2007).[12]
Os surtos causados pela peste, muitas vezes levaram a decisões de enterramentos em valas comuns, ou carbonização dos restos mortais prejudicando a análise dos peritos em causa.[12]
Referências
- ↑ a b «Plague Helped Bring Down Roman Empire : DNews». DNews. Consultado em 28 de junho de 2013 (em inglês)
- ↑ a b Wade, Nicholas (31 de outubro de 2010). «Europe's Plagues Came From China, Study Finds». The New York Times. Consultado em 14 de dezembro de 2019
- ↑ «Uma das piores pandemias da História pode não ter sido tão grave como se pensava»
- ↑ a b c d e f g h i j k Retief, F., & Cilliers, L. (2010). The epidemic of justinian (AD 542): a prelude to the middle ages. Acta Theologica, 26(2).
- ↑ a b c d e f g h Perry, R. D., & Fetherston, J. D. (1997). Yersinia pestis--etiologic agent of plague. clinical microbiology reviews, 10(1), 35-66.
- ↑ a b c Little, L. K. (2007). Plague and the end of antiquity: The pandemic of 541-750. Cambridge University Press.
- ↑ a b c d e f g h i j Ditchburn, J., & Hodgkins, R. (2019). Yersinia pestis, a problem of the past and a re-emerging threat. Biosafety and Health, 1(2), 65-70.
- ↑ a b Laumonier, L. (2020), A tale of plagues: the plague was not just a medieval illness. History Today, 22-24.
- ↑ a b Rosen, W. (2007). Justinian's flea: The first great plague and the end of the roman empire. Penguin.
- ↑ a b c Wagner, D. M., Klunk, J., Harbeck, M., Devault, A., Waglechner, N., Sahl, J. W., Enk, J., Birdsell, D. N., Kuch, M., Lumibao, C., Poinar, D., Pearson, T., Fourment, M., Golding, B., Riehm, J. M., Earn, D. J. D., DeWitte, S., Rouillard, J.-M., Grupe, G., Wiechmann, I., Bliska, J. B., Keim, P. S., Scholz, H. C., Holmes, E. C., Poinar, H. (2014). Yersinia pestis and the plague of Justinian 541–543 AD: a genomic analysis. The Lancet Infectious.
- ↑ a b c d Atkinson J. (2002). The plague of 542: not the birth of the clinic. Acta Classica, 45, 1-18.
- ↑ a b c d Eisenberg, M., & Mordechai, L. (2019). The justinianic plague: an interdisciplinary review. Byzantine and Modern Greek Studies, 43(02), 156-180.
Bibliografia
editar- Atkinson J. (2002). The plague of 542: not the birth of the clinic. Acta Classica, 45, 1-18.
- Bower B. (2020). A sixth century plague wasn't so dire. Science News, p. 197(1):15.
- Ditchburn, J., & Hodgkins, R. (2019). Yersinia pestis, a problem of the past and a re-emerging threat. Biosafety and Health, 1(2), 65-70.
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