Penhora

apreensão judicial de bens para satisfação de dívida

No direito processual, a penhora é ato executório[nota 1] pelo qual se apreende(m) bem(ns) do executado[nota 2] ou de terceiro[nota 3] (na hipótese de fraude à execução),[1] para empregá-los na satisfação do crédito que está sendo cobrado em juízo.[2] Por meio da penhora, o bem é apreendido para que seja conservado durante o processo judicial; não sendo pago o valor devido, o bem será vendido, para que o produto dessa venda reverta em favor do autor da ação.[3] É possível também que a dívida seja paga por meio de transferência do próprio bem penhorado para o patrimônio do autor do processo, no que é chamado de adjudicação.[4][5] Mediante a penhora, é o juízo garantido, expressão jurídica que indica que há, no patrimônio do executado, bens para satisfazer a dívida,[6] gerando no autor da cobrança a segurança jurídica de que a cobrança judicial será eficaz.[7] A penhora ainda tem como função a individualização do patrimônio do sujeito que está sendo cobrado:[8] a partir da penhora, escolhe-se, isola-se e destina-se um bem que responderá pelo débito.[2] Os demais bens, não penhorados, ficarão livre da cobrança; podem, no entanto, vir a serem penhorados, caso a penhora originária não tenha sido suficiente para cobrir toda a dívida.[7][9]

Não necessariamente todos os bens do executado poderão ser penhorados. A legislação de cada país pode trazer hipóteses de bens impenhoráveis. Tanto a legislação brasileira[nota 4] quanto a portuguesa[nota 5] preveem que os bens públicos não podem ser penhorados. Os dois países também protegem os instrumentos de trabalho[nota 6][nota 7] e os salários e remunerações,[nota 8][nota 9] além de diversos outros bens. Também não podem ser penhorados bens sem liquidez. Nesse caso, não se trata de impenhorabilidade; o bem não será penhorado já que sua baixa (ou inexistente) liquidez impede que ele seja vendido, e, portanto, que o valor dessa venda possa ser utilizado para o abatimento da dívida.[10]

É possível mais de uma penhora sobre o mesmo bem, efetuada por diferentes sujeitos.[11][12] Nesse caso, eventual produto da venda do bem será distribuído de acordo com a preferência estabelecida pela lei.[13] A legislação brasileira estabelece que, em regra, deve ser primeiro analisada a existência de crédito privilegiado (por exemplo, crédito de origem trabalhista), que irá preferir aos demais. Entre os créditos de mesma classe, a preferência dar-se-á segundo a anterioridade da penhora,[14] ou seja, receberá primeiro o sujeito que primeiro efetuou a penhora,[nota 10][15][16] pouco importando quem primeiro ajuizou a execução.[14]

O exequente pode a qualquer momento desistir da penhora,[17] ou requerer ao juiz o seu reforço. No reforço, é realizada outra penhora, em razão da primeira não ter alcançado o valor total do débito, se penhorando outros bens do executado.[18] O executado, por outro lado, pode requerer a substituição da penhora, indicando outros bens a serem penhorados, com a desoneração dos bens que estavam até então sujeitos à execução.

Impenhorabilidade

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Impenhorabilidade é nome dado a condição de certo bem que não pode ser penhorado, não se sujeitando à penhora.[19] A impenhorabilidade normalmente resulta de preceito legal,[19] que expressamente dispõe que aquela espécie de bem não está sujeito à penhora. É possível, no entanto, que a impenhorabilidade surja também de um acordo de vontades,[20] como no caso de transferência de bem com cláusula de inalienabilidade. Nessa hipótese, como o bem não poderá ser alienado, em razão da cláusula de inalienabilidade, conclui-se que também não poderá ser penhorado, já que a penhora é ato processual intermediário que resulta na venda do bem, caso a dívida não seja paga. Todo bem gravado com essa cláusula, portanto, é impenhorável, mas o contrário não necessariamente irá ocorrer, sendo possível que um bem impenhorável seja alienado.[20][21] No direito brasileiro, o bem de família legal é exemplo de bem impenhorável mas alienável.[22]

Como a impenhorabilidade resulta, em regra, de norma legal, cada país e cada legislação irá definir um rol de bens impenhoráveis, variando esse rol ao sabor das escolhas políticas do legislador.[23] A doutrina concorda que o principal fundamento da impenhorabilidade é a proteção da dignidade do executado, buscando-lhe garantir um patrimônio mínimo que lhe permita viver com dignidade.[24] A dignidade do executado justifica a previsão em muitos países de que o salário será impenhorável, ou pelo menos parte dele. Preveem a impenhorabilidade do salário Brasil, Portugal, Alemanha, França e Espanha, dentre outros.[25] Essa lógica também impera na impenhorabilidade do imóvel residencial da família, que costuma ser protegido em inúmeros países. A proteção desse imóvel remonta ao direito norte-americano e a figura do homestead (em tradução literal, local do lar).[26] No Brasil e na França, esse imóvel é denominado "bem de família" (bien de famille, em francês);[27] em Portugal, de "casal de família".[28] Protegem o bem de família, dentre outros, Brasil, Portugal, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Suíça, França, Itália, México, Espanha, Venezuela e Argentina.[29]

Impenhorabilidade no Brasil

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 Ver artigo principal: Impenhorabilidade (Brasil)

Notas

  1. Denomina-se "execução" (do latim exsecutio, de exsequi, seguir até o fim, proceder judicialmente, perseguir (Silva 2010, p. 581) no processo civil o conjunto de meios materiais previstos em lei, à disposição do juízo, visando à satisfação do direito (Neves 2018, p. 1.053)
  2. Denomina-se "executado" aquele que se encontra no polo passivo de uma execução judicial, ou seja, quem é cobrado em processo de execução ou em fase de cumprimento de sentença.
  3. O terceiro é conceito processual formado por exclusão; são terceiros todos aqueles que não são considerados partes no processo. Sobre o conceito de parte, vide o artigo Parte (direito).
  4. Os bens públicos no Brasil não podem ser penhorados em razão do art. 100 da Constituição Federal de 1988, que prescreve um procedimento próprio para a satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente, de sorte que não se afigura possível a penhora de bem público e posterior venda judicial para a satisfação da dívida.
  5. Artigo 736º do Código de Processo Civil português
    São absolutamente impenhoráveis, além dos bens isentos de penhora por disposição especial:
    (...) b) Os bens do domínio público do Estado e das restantes pessoas coletivas públicas;(...)
  6. Art. 833 do Código de Processo civil brasileiro:
    Art. 833. São impenhoráveis:
    (...) V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; (...)
  7. Art. 737º do Código de Processo civil português:
    2 - Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado, salvo se:
    a) O executado os indicar para penhora;
    b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação;
    c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.
  8. Art. 833 do Código de Processo civil brasileiro:
    Art. 833. São impenhoráveis:
    (...) IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; (...)
  9. Art. 738º do Código de Processo civil português:
    1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
  10. Art. 797 do Código de Processo civil brasileiro:
    Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Referências

  1. Mazzei & Merçon-Vargas 2016, p. 1.189
  2. a b Didier Jr et al. 2017, p. 802
  3. Greco 2001, p. 305
  4. Greco 2001, p. 406
  5. Neves 2018, p. 1.279
  6. Didier Jr et al. 2017, p. 802
  7. a b Neves 2018, p. 1.250
  8. Medina 2020, p. 1.0921
  9. Greco 2001, p. 306-307
  10. Neves 2018, p. 1.252
  11. Didier Jr et al. 2017, p. 804
  12. Wambier et al. 2016, p. 1.271
  13. Neves 2018, p. 1.250-1.251
  14. a b Wambier et al. 2016, p. 1.272
  15. Neves 2018, p. 1.251
  16. Bastos 2016, p. 1.154
  17. Greco 2001, p. 346
  18. Wambier et al. 2016, p. 1.345
  19. a b Silva 2010, p. 708
  20. a b Didier Jr et al. 2017, p. 820
  21. Greco 2001, p. 13,
  22. Mazzei & Merçon-Vargas 2016, p. 1.191
  23. Didier Jr et al. 2017, p. 819
  24. Didier Jr et al. 2017, p. 819-820
  25. Greco 2001, p. 20
  26. Azevedo 2010, p. 12
  27. Azevedo 2010, p. 38
  28. Azevedo 2010, p. 50
  29. Azevedo 2010, p. 11-59

Bibliografia

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  • Bastos, Antonio Adonias Aguiar (2016), «Da execução em geral», in: Cabral (org.), Antonio do Passo; Cramer (org.), Ronaldo, Comentários ao Novo Código de Processo civil, ISBN 978-85-309-6729-1, Rio de Janeiro: Forense, p. 1.094 a 1.161. 
  • Didier Jr, Fredie; Cunha, Leonardo Carneiro da; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de (2017). Curso de direito processual. Execução 7ª ed. Salvador: Jus Podivm. ISBN 978-85-442-1519-7 
  • Greco, Leonardo (2001). O Processo de Execução. Volume 2. Rio de Janeiro: Renovar. ISBN 85-7147-234-3 
  • Mazzei, Rodrigo; Merçon-Vargas, Sarah (2016), «Da Penhora, do Depósito e da Avaliação», in: Cabral (org.), Antonio do Passo; Cramer (org.), Ronaldo, Comentários ao Novo Código de Processo civil, ISBN 978-85-309-6729-1, Rio de Janeiro: Forense, p. 1.188-1.242 
  • Medina, José Miguel Garcia (2020). Curso de direito processual civil moderno 5ª ed. São Paulo: Thomsom Reuters. ISBN 978-65-5065-163-3 
  • Neves, Daniel Amorim Assumpção (2018). Manual de Direito Processual Civil. volume único 10ª ed. Salvador: Jus Podivm 
  • Silva, De Plácide e (2010). Vocabulário Jurídico 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense. ISBN 978-85-309-2742-4 
  • Wambier, Teresa Arruda Alvim; Conceição, Maria Lúcia Lins; Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva de; Mello, Rogerio Licastro Torres de (2016). Primeiros comentários ao novo código de processo civil. Artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. ISBN 978-85-203-6757-5