Convenção de Montreux
Este artigo não cita fontes confiáveis. (Junho de 2019) |
A Convenção de Montreux sobre o Regime dos Estreitos é um tratado de 1936 que confere à Turquia o controle dos estreitos do Bósforo e do Dardanelos e que regula a atividade militar na região. Assinado em 20 de julho de 1936, o acordo permitiu à Turquia remilitarizar os estreitos e impôs novas restrições à passagem de navios beligerantes. Ainda está em vigor, com algumas emendas.
A convenção outorga à Turquia o pleno controle dos estreitos e garante a livre passagem de navios civis em tempos de paz, mas restringe fortemente a passagem de navios militares não-turcos e veda o trânsito de algumas classes de belonaves, como navios-aeródromos. Os termos da convenção têm sido objeto de controvérsia ao longo do tempo, especialmente no que se refere ao acesso das forças da União Soviética ao mar Mediterrâneo.
Antecedentes
editarA "Questão dos Estreitos"
editarDesde a Guerra de Troia, os estreitos do Dardanelos e do Bósforo sempre foram de grande importância estratégica. No período de decadência do Império Otomano, a chamada "Questão dos Estreitos" envolveu diplomatas da Europa e da Turquia.
Segundo os termos da Convenção de Londres, concluída em 13 de julho de 1841 entre as grandes potências européias - Rússia, Reino Unido, França, Áustria e Prússia -, restabeleceu-se o "antigo controle" otomano sobre os estreitos, os quais foram então fechados a qualquer belonave, exceto as dos aliados do sultão em tempo de guerra. Isto beneficiou o poder naval britânico às custas do russo, já que este último não dispunha de acesso direto ao Mediterrâneo. Historicamente, a Convenção de Londres foi um dos tratados referentes ao problema do acesso ao Dardanelos, ao mar de Mármara e ao Bósforo. Evoluiu a partir do tratado de Hünkâr İskelesi (ou Unkiar Skelessi), de 1833, no qual o Império Otomano garantiu o uso exclusivo dos estreitos às belonaves das "potências do mar Negro" (ou seja, a Turquia otomana e a Rússia Imperial) em caso de guerra generalizada.
Revisão do tratado de Lausanne
editarO tratado de Lausanne, de 1923, desmilitarizou o Dardanelos e abriu os estreitos ao tráfego civil e militar de maneira irrestrita, com a supervisão da Comissão Internacional dos Estreitos, da Sociedade das Nações.
No final dos anos 1930, a situação estratégica do Mediterrâneo se havia alterado consideravelmente, com a aparição da Itália fascista, que controlava as ilhas do Dodecaneso ao largo da costa ocidental da Turquia, habitadas por populações gregas, e militarizara a região com o estabelecimento de fortificações em Rodes, Leros e Cós. Os turcos temiam que a Itália procurasse obter acesso aos estreitos como forma de expandir sua influência na Anatólia e no mar Negro. Havia também temores de um rearmamento búlgaro. A Turquia voltou a fortificar os estreitos, embora estivesse proibida de fazê-lo.
Em abril de 1935, o governo turco passou uma longa nota diplomática aos signatários do tratado de Lausanne, na qual propunha uma conferência para definir um novo regime para os estreitos, e solicitou à Sociedade das Nações que autorizasse a reconstrução dos fortes do Dardanelos. Na nota, o ministro do exterior turco explicava que a situação internacional se havia alterado desde 1923. Naquele ano, a Europa seguia na direção do desarmamento e de uma garantia internacional para a defesa dos estreitos. Todavia, a Crise da Abissínia (1934-1935), a denúncia alemã do tratado de Versalhes e os sinais internacionais de rearmamento agora alteravam o panorama. Os principais pontos fracos do regime de Lausanne foram apontados: as garantias coletivas eram lentas e pouco efetivas, não havia nenhuma contingência para o caso de ameaça de guerra e nenhuma disposição para que a Turquia se defendesse. A Turquia declarou-se então preparada para (tradução livre):
"entabular negociações com o fito de chegar-se no futuro próximo à conclusão de acordos para a regulamentação do regime dos Estreitos em condições de segurança as quais são indispensáveis à inviolabilidade do território turco, no espírito mais liberal, para o constante desenvolvimento da navegação comercial entre o Mediterrâneo e o mar Negro".
A reação à nota foi, em geral, favorável, e Alemanha, Austrália, Bulgária, França, Grécia, Iugoslávia, Japão, Reino Unido, Turquia e União Soviética concordaram em comparecer a conversações realizadas em Montreux, Suíça, as quais tiveram início em 22 de junho de 1936. Duas grandes potências não se fizeram representar: a Itália, cujas agressivas políticas expansionistas provocaram a conferência, recusou-se a comparecer, e os Estados Unidos sequer mandaram um observador.
A Turquia, o Reino Unido e a União Soviética propuseram, cada um, o seu próprio plano, procurando defender seus interesses. Os britânicos preferiam manter a abordagem restritiva então em vigor, enquanto que os turcos buscavam um regime mais liberal que reafirmasse o seu controle sobre os estreitos; já os soviéticos propuseram um regime que garantiria a mais absoluta liberdade de passagem. O Reino Unido, apoiado pela França, procurava excluir do mar Mediterrâneo a frota russa, que poderia vir a ameaçar as vitais rotas de navegação para a Índia, o Egito e o Extremo Oriente. No final, os britânicos abandonaram algumas de suas propostas e os soviéticos lograram definir que os países do mar Negro - inclusive a URSS - teriam alguma flexibilidade em relação às restrições ao tráfego militar impostas aos demais Estados. O acordo foi ratificado por todos os países representados na conferência, exceto Austrália e Alemanha, que não haviam sido signatárias do tratado de Lausanne; o Japão apresentou algumas reservas. Entrou em vigor em 9 de novembro de 1936.
A disposição britânica em fazer concessões foi atribuída ao desejo de evitar que a Turquia se visse forçada a aliar-se a Hitler ou a Mussolini.
Termos
editarA convenção consiste de 29 artigos, quatro anexos e um protocolo. Os artigos 2 a 7 disciplinam a passagem de navios mercantes. Os artigos 8 a 22 tratam da passagem de belonaves. O princípio-chave da liberdade de passagem e de navegação consta dos artigos 1 e 2 (tradução livre):
"As Altas Partes Contratantes reconhecem e afirmam o princípio da liberdade de passagem e navegação pelo mar nos Estreitos" (artigo 1); "Em tempo de paz, os navios mercantes gozarão de completa liberdade de passagem e navegação nos Estreitos, de dia e de noite, sob qualquer bandeira e com qualquer tipo de carga" (artigo 2).
A Comissão Internacional dos Estreitos foi abolida, o que permitiu o pleno retorno do controle militar turco dos estreitos e a refortificação do Dardanelos. A Turquia foi autorizada a fechar os estreitos a qualquer belonave estrangeira em tempo de guerra ou quando estivesse ameaçada de agressão; ademais, foi-lhe permitido recusar o trânsito de navios mercantes pertencentes a países em guerra com a Turquia. Algumas restrições específicas foram impostas quanto aos tipos de belonave que poderiam passar pelos estreitos. As belonaves não-turcas nos estreitos devem ser inferiores a 15 mil toneladas. Um máximo de nove belonaves não-turcas, com uma tonelagem total não superior a 30 mil toneladas, pode passar ao mesmo tempo, e é-lhes permitido permanecer nos estreitos por no máximo três semanas. Os Estados banhados pelo mar Negro são tratados com mais flexibilidade, estando autorizados a passar com naus capitânias de qualquer tonelagem, mas apenas uma de cada vez e exclusive navios-aeródromos. Também podem enviar submarinos, mediante aviso prévio, desde que construídos, adquiridos ou reparados fora do mar Negro. As regras especiais relativas aos Estados do mar Negro são uma concessão à União Soviética, a única potência naval local, além da própria Turquia.
Os termos da convenção refletem a situação internacional em meados dos anos 1930 e atendiam aos interesses turcos e soviéticos, ao permitir à Turquia recuperar o controle militar dos estreitos ao mesmo tempo que confirmava a supremacia soviética no mar Negro. Embora restringissem a capacidade soviética de enviar belonaves ao mar Mediterrâneo - o que satisfazia as preocupações britânicas -, a convenção garantia que as potências extra-regionais não poderiam explorar os estreitos para ameaçar a União Soviética. Estas disposições teriam grande repercussão na Segunda Guerra Mundial, quando o regime de Montreux impediu as potências do Eixo de enviar navios através dos estreitos para atacar a União Soviética.
Desdobramentos após 1936
editarA convenção permanece em vigor, com emendas, mas é cercada de controvérsias. Foi repetidamente desafiada pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. A partir de 1939, Stálin procurou reabrir a questão dos estreitos e propôs um controle conjunto turco-soviético, afirmando que "um Estado pequeno [i.e., a Turquia], apoiado pelo Reino Unido, segurou um grande Estado pela garganta e não lhe deu nenhuma saída". Após a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop pela União Soviética e pela Alemanha Nazista, o ministro do exterior soviético Vyacheslav Molotov comunicou aos seus interlocutores alemães que a URSS pretendia tomar o controle militar dos estreitos e estabelecer ali uma base. Moscou voltou ao tema em 1945 e 1946, ao exigir a revisão do tratado numa conferência que excluía a maior parte dos signatários, bem como uma presença militar soviética e o controle conjunto dos estreitos. A Turquia rejeitou a proposta, apesar da "estratégia de tensão" empreendida pelos soviéticos. Por muitos anos após a Segunda Guerra Mundial, a URSS explorou a restrição ao número de belonaves estrangeiras que podiam trafegar nos estreitos, sempre mantendo ali um navio de guerra soviético, o que impedia legalmente qualquer outro país, além da Turquia, de enviar belonaves. A pressão soviética levou a Turquia a abandonar sua política de neutralidade: em 1947, começou a receber assistência militar e econômica dos EUA e, em 1952, aderiu à OTAN.
A União Soviética e sua sucessora, a Federação Russa, procuraram repetidas vezes contornar a proibição de passagem de navios-aeródromos, ao classificar grandes navios de guerra equipados com aeronaves de "cruzadores pesados porta-aviões", embora os países do Ocidente os considerem como porta-aviões. Em 1976, a URSS enviou o navio-aeródromo Kiev através dos estreitos e, em 1991, o Almirante Kuznetsov.
Em abril de 1982, a convenção foi emendada para permitir à Turquia fechar os estreitos a seu critério, em tempo de paz ou de guerra.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que entrou em vigor em novembro de 1994, levou ao surgimento de propostas de revisão da Convenção de Montreux para adaptá-la ao novo tratado multilateral, que prevê um regime geral para estreitos usados pela navegação internacional. Todavia, a recusa da Turquia em assinar a Convenção sobre o Direito do Mar significa que o regime de Montreux continua em vigor.
A segurança de navios que passam pelo Bósforo tornou-se fonte de preocupação nos últimos anos, já que o volume de tráfego aumentou drasticamente desde a assinatura da convenção - de 4 500 em 1934 para 49 304 em 1998. Ademais de preocupações ambientais, os estreitos cortam Istambul em duas metades, uma cidade de 11 milhões de habitantes. A convenção não contém, entretanto, disposições acerca da regulamentação da navegação para fins de segurança ou proteção ambiental. Em janeiro de 1994, o governo turco adotou as "Regras do Tráfego Marítimo para os Estreitos Turcos e a Região do Mármara", para garantir a segurança da navegação, da vida e da propriedade e para proteger o meio-ambiente, mas sem violar o princípio de Montreux referente à livre passagem. Embora Rússia, Grécia, Chipre, Romênia, Ucrânia e Bulgária tenham levantado objeções, as novas regras foram aprovadas pela Organização Marítima Internacional com o argumento de que não tinham por objetivo prejudicar "os direitos de nenhum navio de usar os estreitos conforme o direito internacional". As regras foram revisadas em novembro de 1998 para atender a preocupações russas.