Cinco Solas
Cinco solas são frases latinas que definem os princípios ideais da Reforma Protestante em contradição com os ensinamentos da Igreja Católica Apostólica Romana. A palavra latina "sola" significa "somente" em português. Apesar de popularmente ser imaginado que os Cinco Solas tenham sidos os princípios norteadores para a Reforma, trata-se de uma síntese feita no século XX para resumir temas centrais do Protestantismo.[1] Muito desses princípios estiveram implícitos como os ideais dos reformadores, mas não como exclusividade. Por exemplo, ao invés do sola scriptura, Lutero e outros reformadores defendiam o trilátero luterano de Escrituras, tradição e razão.[2] Sola fide também não foi consenso, pois por muito tempos os reformadores debateram entre a justificação somente pela fé ou a justificação dupla pela fé e obra, cujo maior expoente foi Martin Bucer.[3] Enquanto tanto católicos quanto reformadores acreditavam na graça, não se excluía da salvação a liberdade e a moralidade humanas na teologia dos reformadores.[4]
A primeira menção de uma "sola" aparece em 1554 quando Melanchthon escreveu: "sola gratia justificamus et sola fide justificamur" ("só pela graça justificamos e só pela fé somos justificados").[5] Entretanto, não estava defendendo que fossem essas frases baluartes da reforma, mas sim sobre a dependência em Deus para a salvação humana.
Em 1916, o teólogo luterano Theodore Engelder publicou um artigo intitulado "Os Três Princípios da Reforma: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fides" para resumir o pensamento luterano. Mais tarde o teólogo neo-ortodoxo Emil Brunner, ao comentar o sistema teológico de Karl Barth, ampliou essa lista de Solas e as aplicou como temas da teologia protestante no geral, não somente da reforma.[6] Ironicamente, seria um teólogo católico, Johann Baptist Metz, que em 1965 pela primeira vez atribuiu os cinco solas em conjunto para resumir os ideais da teologia protestante[7].
Os cinco solas
editarSola fide (somente a fé)
editarSola fide é o ensinamento de que a justificação (interpretada na teologia protestante como "sendo declarada apenas por Deus") é recebida somente pela fé, sem qualquer interferência ou necessidade de boas obras, embora na teologia protestante clássica, a fé salvadora é sempre evidenciada, mas não determinada, pelas boas obras. Alguns protestantes veem esta doutrina como sendo o resumo da fórmula "fé produz justificação e boas obras" e em contraste com a fórmula católica apostólica romana "fé e boas obras rendem justificação". O argumento católico é baseado na Epístola de Tiago (Tiago 2:14–17):
“ | De que serve, meus irmãos, se alguém disser que tem fé se não tiver obras? Acaso pode essa fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e necessitarem do pão quotidiano, e algum de vós lhes disser: "Ide em paz, aquentai-vos e saciai-vos," e não lhes derdes o que é necessário para o corpo, que lhes aproveita? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma. | ” |
É importante a comparação do que católicos/protestantes entendem como "justificação": ambos concordam que o termo invoca a comunicação dos méritos de Cristo para com os pecadores, e não uma declaração de ausência de pecado. Lutero usou a expressão simul justus et peccator ("ao mesmo tempo, justo e pecador"). O Catolicismo Romano vê a justificação como uma comunicação de vida de Deus ao ser humano, limpando-o do pecado e transformando-o realmente em filho de Deus, de modo que não é apenas uma declaração, mas a alma é tornada de fato objetivamente justa.
A visão protestante da justificação é que ela é a obra de Deus através dos meios da graça. A fé é a justiça de Deus, que é realizada em nós através da palavra e dos sacramentos. Lei e evangelho trabalham para matar o ego pecaminoso e para realizar a nova criação dentro de nós. Esta nova criação dentro de nós é a fé de Cristo. Se não temos essa fé, então somos ímpios. Indulgências, ou orações não acrescentam nada e nada são. Todos possuem algum tipo de fé (geralmente a fé em si mesmos). Mas precisamos de Deus para destruir continuamente fé hipócrita e substituí-la com a vida de Cristo. Precisamos da fé que vem de Deus através da Lei e do evangelho, palavra, obras e sacramentos. No documento fundador da Reforma, as 95 teses,[8] Lutero diz que:
“ | 1 – Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: "Arrependei-vos..." (Mateus 4:17) certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento. 95 – E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que facilitados diante de consolações infundadas. (Atos 14:22). |
” |
A verdadeira distinção, portanto, entre as visões protestante e católica não é uma questão de "ser declarado justo" versus "ser feito justo", mas sim o meio pelo qual um é justificado. Na teologia católica obras de justiça são consideradas meritórias para a salvação além da fé, enquanto que na teologia protestante, obras de justiça são vistos como o resultado e evidência de uma verdadeira justificação e regeneração que o crente recebeu somente pela fé. Os meios eficazes reais pelos quais uma pessoa recebe a justificação são também uma divisão fundamental entre a crença católica e protestante. Na teologia católica, o meio pelo qual a justificação é aplicada para a alma é o sacramento do batismo. No batismo, mesmo das crianças, a graça da justificação e santificação são "infundidas" na alma, tornando o destinatário justificado, mesmo antes que ele exerça sua própria fé (ou mesmo no caso de uma criança que é batizada, antes mesmo que ele tenha a capacidade de compreender conscientemente o Evangelho e responder com fé). Na teologia católica, a fé não é um pré-requisito para a justificação. Para os católicos, a função do batismo é "ex operere operato" ou "por obra do ato", e, portanto, é o ato eficaz e suficiente para trazer justificação. Na teologia protestante, no entanto, é absolutamente necessária a fé do indivíduo e é por si mesma a resposta eficiente e suficiente do indivíduo para os efeitos da justificação.
A doutrina Sola fide é às vezes chamada[quem?] de princípio formal e material da teologia da Reforma, porque era a questão doutrinal central para Martinho Lutero e os outros reformadores. Lutero chamou de "doutrina pela qual a igreja permanece ou cai" (latim: articulus stantis et cadentis ecclesiae).
Sola scriptura (somente a Escritura)
editarSola Scriptura é o ensinamento de que a Bíblia é a única palavra autorizada e inspirada por Deus e é única fonte para a doutrina cristã, sendo acessível a todos. Afirmar que a Bíblia não exige interpretação fora de si mesma está em oposição direta aos ensinamentos das tradições ortodoxa, ortodoxa oriental, anglo-católica e católica romana, que ensinam que a Bíblia só pode ser autenticamente interpretada pela tradição católica. Na Igreja Católica, este ensinamento é referido como o magistério da Igreja Católica, e incorporada ao episcopado, agregando os bispos da Igreja, em união com o Papa.
Sola scriptura é às vezes chamada[quem?] de princípio formal da Reforma, uma vez que é a fonte e norma de princípio, o material, o Evangelho de Jesus Cristo que é recebido sola fide ("através da fé") sola gratia (por favor de Deus, ou "graça"). O adjetivo (sola) e o substantivo (scriptura) estão no caso ablativo em vez do caso nominativo para indicar que a Bíblia não está sozinha longe de Deus, mas, sim, que é o instrumento de Deus pelo qual ele se revela para a salvação pela fé em Cristo (Solus Christus). Como em Mateus 4:4
“ | Mas Jesus respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. | ” |
Solus Christus (somente Cristo)
editarSolus Christus ou Solo Christo é o ensinamento de que Cristo é o único mediador entre Deus e a humanidade, e que não há salvação através de nenhum outro (por isso, a frase é mostrada às vezes em caso ablativo (Cristo somente/sozinho) o que significa que a salvação é "somente por Cristo"). Ao rejeitar todos os outros mediadores entre Deus e a humanidade, o luteranismo clássico continua a honrar a memória da Virgem Maria e de outros santos exemplares. Este princípio rejeita o sacerdotismo, que é a crença de que não existem sacramentos da igreja sem os serviços de sacerdotes ordenados por sucessão apostólica, sob a autoridade do papa.
Lutero pregou o "sacerdócio geral dos batizados", que mais tarde foi modificado no luteranismo e na teologia protestante clássica para "sacerdócio de todos os crentes", negando o uso exclusivo do título de padre (latim: sacerdos) para o clero. Este princípio não nega a função do ministério sagrado para o qual está comprometida a proclamação pública do Evangelho e da administração dos sacramentos. Desta forma, Lutero em seu Catecismo Menor podia falar sobre o papel de um "confessor" para conferir absolvição sacramental a um penitente. A seção neste catecismo conhecido como "O Gabinete das Chaves" (não escrita por Lutero, mas acrescentada com a sua aprovação) identifica os chamados "ministros de Cristo" como sendo os que exercem o ligar e desligar de absolvição e excomunhão através do ministério da Lei e Evangelho. Esta é definida na fórmula Luterana da santa absolvição: o "chamado e ordenado servo da Palavra" perdoa pecados dos penitentes (fala as palavras do perdão de Cristo: "Eu perdoo todos os seus pecados"), sem qualquer adição de penitências ou satisfações e não como um intercessor ou "sacerdote mediador", mas "em virtude da sua função como um chamado e ordenado servo da Palavra" e "em lugar e pelo comando da nosso Senhor Jesus Cristo".[9] Nesta tradição, a absolvição do penitente reconcilia-o com Deus diretamente, mediante a fé no perdão de Cristo, em vez de ter o padre e a Igreja como mediadores entre o este e Deus.
Sola gratia (somente a graça)
editarSola gratia é o ensinamento de que salvação vem por graça divina ou "favor imerecido" apenas, e não como algo merecido pelo pecador. Isto significa que a salvação é um dom imerecido de Deus por causa de Jesus. Alguns[quem?] referem-se a ele como um "débito" presente desde que os incrédulos viveram de tal forma que perderam qualquer dom de Deus. Enquanto outros[quem?] afirmam que esta doutrina é o oposto das "boas obras" e choca-se com alguns dos aspectos da doutrina católica do mérito. É possível afirmar que, neste ponto, não está em desacordo com o ensino católico romano, enquanto a doutrina de que a graça é verdadeiramente sempre um dom gratuito de Deus e é realizada de acordo entre os dois pontos de vista. A diferença na doutrina encontra-se principalmente em dois fatos:
- 1º - Deus como o único ator na graça (em outras palavras, que a graça é sempre eficaz sem qualquer cooperação pelo ser humano.
- 2º - O ser humano não pode, por qualquer ação da sua parte, sob a influência da graça, cooperar com "mérito" para obter maiores graças para si (esta seria doutrina da Igreja Católica Romana).
Esta doutrina declara o monergismo divino na salvação: Deus age sozinho para salvar o pecador. A responsabilidade para a salvação não repousa sobre o pecador em qualquer grau de sinergia ou arminianismo. O Luteranismo sustenta que esta doutrina não deve ser mantida para a exclusão da gratia universalis (que Deus deseja seriamente a salvação de todas as pessoas).
Protestantes arminianos também podem reivindicar a doutrina da sola gratia (mas a entendem de forma diferente) e, geralmente, negam que o termo "sinergismo" seja apropriado para descrever suas crenças. Arminianos acreditam que Deus salva somente pela graça e não por mérito, mas o ser humano, habilitado pelo que é conhecido como graça preveniente, está habilitado pelo Espírito Santo para entender o Evangelho e responder na fé. Os arminianos acreditam que isto é compatível com a salvação somente pela graça, uma vez que toda a salvação seja obtida pela graça. Arminianos acreditam que o ser humano só é capaz de receber a salvação quando levado primeiro a fazê-lo pela graça preveniente, que eles acreditam ser distribuída a todos. Os arminianos, portanto, não rejeitaram a concepção de sola gratia exposta pelos teólogos da Reforma.[10]
Soli Deo gloria (glória somente a Deus)
editarSoli Deo gloria é o ensinamento de que toda a glória é devida somente a Deus, pois a salvação é realizada unicamente através de sua vontade e ação e não só da toda suficiente expiação (ver: Paixão) de Jesus na cruz, mas também o dom da fé em que a expiação é criada no coração do crente pelo Espírito Santo. Os reformadores acreditavam que os seres humanos, mesmo santos canonizados pela Igreja Católica Romana, os papas e a hierarquia eclesiástica não eram dignos da glória que lhes foi concedida, isto é, não se deve exaltar tais pessoas por suas boas obras, mas sim louvar e dar glória a Deus, que é o autor e santificador dessas pessoas e suas boas obras.
No entanto, os que discordam deste princípio argumentam que, como estas pessoas são objetos de boa qualidade e raros, devem ser homenageados e elogiados. Há um grande número de homens benevolentes cujas imagens foram replicadas em pedra e expostos para a celebração do bem estes fizeram para a raça humana. Bons homens poderiam e deveriam ser honrados por causa da glória que deram a Deus, e ao fazê-lo, ao mesmo tempo estar-se-ia honrando a Deus por sua bondade em criá-los. Porém, do ponto de vista bíblico, como muitos homens de Deus homenagearam e se prostraram a outros antes do advento do evangelho, mas a partir do ministério e doutrina de Jesus Cristo, lê-se palavras contrárias a tais práticas: como Pedro e João recusando receber honra após a cura do paralítico no templo, a recusa de Pedro a Cornélio se prostrar a ele, ordenando fazê-lo somente a Deus, dizendo a frase "levanta-te, pois sou apenas homem", como Paulo e Barnabé recusando receber sacrifícios e ofertas como deuses em Listra, após a cura do paralítico (At.14:8-18), e o anjo que recusa a prostração honrosa de João do Apocalipse dizendo: "Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus." (Ap.22:9) Sociedade Bíblica do Brasil. (2003). Tradução Almeida Revista e Atualizada, com números de Strong.
Ver também
editarBibliografia
editar- Allen, R Michael (2010), Reformed Theology [Teologia reformada], ISBN 9780567034298 (em inglês), Bloomsbury Academic.
- Ciavarella, Pietro (2011), Come avere pace con Dio. Martin Lutero sulla giustificazione per fede, ISBN 9788890547294 (em italiano), BE.
- Mannion, Gerard; Mudge, Lewis Seymour (2008), The Routledge companion to the Christian church, ISBN 9780415374200 Parâmetro desconhecido
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ignorado (ajuda).
Referências
- ↑ Corzine, Jacob (2012). Theology is Eminently Practical: Essays in Honor of John T. Pless. Fort Wayne, Indiana: Lutheran Legacy Press. p. 67
- ↑ Sawyer, M. James (2016). The Survivor's Guide to Theology. [S.l.]: Wipf & Stock. p. 40
- ↑ Lane, Anthony N. S. (26 de dezembro de 2019). «Double Righteousness and Double Justification». Oxford University Press (em inglês): 89–146. ISBN 978-0-19-006942-1. doi:10.1093/oso/9780190069421.003.0005. Consultado em 14 de junho de 2022
- ↑ Fischer, Hans G. (1954). «Lutheranism and the Vindication of the Anabaptist Way». Mennonite Quarterly Review (28): 128-142
- ↑ Melanchthon, Philipp (1841). Philippi Melanthonis Opera quae supersunt omnia, VIII. Halis Saxonum: C.A. Schwetschke et filium. 357 páginas
- ↑ Allen, R. Michael (2010). Reformed Theology. [S.l.]: Continuum
- ↑ Metz, Johann Baptiste (1965). The Church and the World. Glen Rock, N.J.: Concilium
- ↑ Lutero, Martinho, As 95 Teses, Monergismo, consultado em 15 de junho de 2013 .
- ↑ (em inglês) The Lutheran Hymnal. St. Louis: Concordia Publishing House, 1941, p. 16. Acessado em 15/06/2013.
- ↑ Olsen, Roger E (2006), «Myth 7: Arminianism Is Not a Theology of Grace», Arminian Theology: Myths and Realities (em inglês) .
Ligações externas
editar- (em português) O que são os 5 solas e os seus significados - Acessado em 28/10/2019
- (em inglês) Five Solas - Committed to the Five Solas of the Reformation. Acessado em 15/06/2013.