História dos judeus no Brasil

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados no Censo de 2010, havia nesse ano 107.329 judeus no Brasil, a segunda maior comunidade judaica da América Latina (atrás apenas da Argentina) e a 11ª no mundo.[2]

Judeus-brasileiros Brasil
População total

0,2% da população do Brasil em 1999 (segundo Schwartzman);[1] 107.329 em 2010 (de religião judaica, segundo o censo)[2]

Regiões com população significativa
São Paulo 51.050 [3]
Rio de Janeiro 24.451 [3]
Rio Grande do Sul 7.805 [3]
Paraná 4.122 [3]
Minas Gerais 3.509 [3]
Pernambuco 2.408 [3]
Bahia 2.302 [3]
Pará 1.971 [3]
Amazonas 1.696 [3]
Distrito Federal 1.103 [3]
Ceará 580 [3]
Línguas
Principalmente o português. Minorias de descendentes falam hebraico, yidish, alemão, polonês, russo e haquitia.
Religiões
Judaísmo.
Grupos étnicos relacionados
ashkenazim, sefaradim, mizrahim e outras divisões étnicas do Judaísmo.

A imigração judaica no Brasil foi um movimento migratório que teve início com a colonização do Brasil, quando judeus sefarditas e cristãos-novos se estabeleceram na colônia. Nos séculos XIX e XX, a imigração de judeus para o Brasil aumentou, e era composta sobretudo por judeus asquenazes do leste europeu.

Mais de 100 mil pessoas são de religião judaica no Brasil, mas o número de descendentes que não praticam mais o judaísmo é incerto. Segundo pesquisa de 1999, do sociólogo Simon Schwartzman, 0,2% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter ancestralidade judaica, percentual que, numa população de cerca de 200 milhões de brasileiros, representaria cerca de 400 mil pessoas.[1]

História

Brasil colônia

O Brasil foi palco para a primeira comunidade judaica estabelecida na América. Com a expulsão dos judeus de Portugal, logo após a sua descoberta, judeus convertidos ao catolicismo (cristãos-novos) já se haviam estabelecido na nova colônia. Ao menos dois pisaram na terra quando Pedro Álvares Cabral chegou em 1500, fazendo parte de sua tripulação: Mestre João, médico particular da Coroa Portuguesa e astrônomo; e Gaspar da Gama, intérprete (ajudara Vasco da Gama nas Índias, onde vivia) e comandante da nau que trazia mantimentos.[4]

No mesmo período, Fernão de Noronha extraía pau-brasil da costa atlântica; as árvores ficariam conhecidas como "madeira judaica". Muitos judeus portugueses, procurando fugir da intolerância católica em Portugal, viam no "novo mundo" a oportunidade de praticar livremente seu culto, incluindo-se aí os cristianizados que praticavam o judaísmo em segredo - os criptojudeus.

 
A Sinagoga Kahal Zur Israel, no Recife, em Pernambuco, foi a primeira sinagoga das Américas.

Entre o fim do século XVI e meados do século XVII vários cristãos-novos prosperaram a ponto de se tornar senhores de engenho, fazendo casamentos com cristãos-velhos e integrando a aristocracia açucareira do Nordeste. Outros, porém, permaneceram nas classes mais baixas como artesãos, agricultores e pequenos comerciantes. A Coroa Portuguesa havia proibido sua participação na governança colonial, mas a proibição não foi aplicada com rigor, havendo registro de muitos cristãos-novos com cargos políticos nas vilas e posições de alto escalão na burocracia e no clero. Com a chegada da Inquisição ao Brasil em 1591 a situação dos cristãos-novos se tornou complicada. Postos sob desconfiança de manterem práticas judaicas, ocorreram denúncias de heresias, prisões e perseguições.[5]

Mais judeus pioneiros chegaram ao país na época das invasões holandesas do Brasil, em 1630, uma vez que compunham na Holanda uma comunidade tolerada, razão pela qual os holandeses foram bem recebidos pela comunidade judaica já estabelecida no Brasil. O Nordeste brasileiro ficou sob o domínio holandês por vinte e quatro anos e, neste período, muitos sefarditas se estabeleceram no país, principalmente em Recife, onde tornaram-se prósperos comerciantes e fundaram a Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira das Américas. Com a expulsão dos holandeses, a maioria dos judeus estabelecidos no Brasil fugiu para os Países Baixos ou outras possessões holandesas, como as Antilhas e Nova Amsterdã, que posteriormente seria renomeada como Nova York após ser cedida aos ingleses. Ali fundaram a primeira comunidade judaica dos Estados Unidos.

As últimas informações sobre a presença destes judeus ibéricos no Brasil datam de meados do século XVIII. Nessa época, com o desenvolvimento da mineração na colônia, milhares de portugueses se deslocaram para a região das Minas Gerais, entre eles, um número considerável de cristãos-novos. Através da Inquisição, muitos desses sefarditas foram julgados, enviados a Portugal e condenados à prisão.

No final do século XVIII, quase todos os cripto-judeus haviam saído da colônia ou se convertido ao Cristianismo, o que faz com que muitos brasileiros possuam, mesmo sem saber, origens em judeus portugueses.

Até nos dias de hoje, pode-se encontrar uma quantidade significativa de famílias que não perderam a ciência de sua etnicidade judaica, com algumas preservando até mesmo a circuncisão; prática que havia sido proibida durante o período de dominação holandesa, devido as complicações que alguns judeus tiveram para conseguir mantê-la.

Séculos XIX e XX

Em 1810 o tratado comercial entre Portugal e a Inglaterra incluiu em suas cláusulas a liberdade de culto religioso, e com a promulgação da Constituição do Império a liberdade foi confirmada. Isso incentivou uma nova onda de imigração judaica.[5] Somente a partir desta época que os judeus no Brasil passam a assumir abertamente sua identidade religiosa, cultural e histórica.[6] Na Europa, os judeus enfrentavam constantemente os denominados pogroms, que consistiam em perseguições em massa realizadas contra judeus, incluindo saques e destruições de casas, realizados em vários países da Europa Ocidental e Oriental, e tal situação fez com que se iniciasse, no final do século XIX, uma emigração para fora do Continente, sobretudo para os Estados Unidos.[7]

Entre 1872 e 1972, entraram no Brasil mais de 90 mil imigrantes de religião judaica. O período mais importante foi entre 1920 e 1939, quando 50 mil judeus entraram no Brasil. A maioria desses imigrantes era de asquenazes provenientes do Império Russo, dos Bálcãs e da Europa Central, mas principalmente da Polônia. Desde finais do século XIX, os Estados Unidos foram o destino de centenas de milhares de imigrantes judeus, e a Argentina ocupava uma posição secundária. Todavia, na segunda metade da década de 1920, esses dois países introduziram restrições à entrada de determinados grupos de imigrantes, fato que culminou no aumento da imigração judaica para o Brasil.[6]

Alguns imigrantes judeus sefarditas começaram a chegar ao Brasil no século XIX, vindos principalmente do Marrocos, estabelecendo-se na Amazônia, principalmente em Belém, onde fundaram em 1824 a mais antiga sinagoga ainda em funcionamento no Brasil. O isolamento imposto aos sefarditas na Amazônia chamou a atenção de rabinos no Marrocos. No início do século XX, decidiram enviar um rabino à Amazônia para angariar fundos para uma yeshivá no Marrocos (ou em Jerusalém, não se sabe ao certo) e fiscalizar o cumprimento das normas religiosas pela comunidade estabelecida na floresta. O rabino Shalom Emanuel Muyal chegou à região em 1908 ou 1910, mas, dois anos depois de chegar a Manaus, morreu, provavelmente depois de contrair febre amarela. Curiosamente, o rabino acabou por ganhar fama de santo milagreiro entre os católicos locais. Foi enterrado no cemitério cristão, pois não havia, então, cemitério judeu na cidade, e sua sepultura tornou-se local de peregrinações. Zeloso, o rabino da sinagoga de Manaus mandou construir um muro ao redor do túmulo, mas foi pior: os devotos católicos passaram a usar o muro como suporte para placas e quadros em que fazem seus pedidos ao rabi Muyal e também proclamam as graças alcançadas. "Ele se tornou o santo judeu dos católicos da Amazônia", admite Isaac Dahan, da sinagoga de Manaus. Nos anos 1960, quando seu sobrinho, então ministro de governo do já criado Estado de Israel, tentou trasladar os restos mortais do santinho, houve protestos populares, e o governo do Amazonas pediu-lhe que não o fizesse. Enfim a sepultura do rabi Muyal foi para o cemitério judaico, anexo ao católico, e o santo rabi continuou a ser venerado no Amazonas.[8][9]

 
Sinagoga Beth-El, localizada no centro de São Paulo.

No Recife, entre o fim do século XIX e o início do século XX, instalou-se uma comunidade constituída em sua maior parte por judeus de origem asquenaze provenientes de países como Polônia, Ucrânia, Rússia, Áustria e Alemanha. Alguns membros da comunidade asquenaze de Pernambuco tornaram-se notórios, como Mário Schenberg, Leopoldo Nachbin, Paulo Ribenboim, Aron Simis, Israel Vainsencher, Clarice Lispector, Leôncio Basbaum, Noel Nutels, dentre outros.[10]

Com a Proclamação da República do Brasil, uma nova Constituição foi promulgada, garantindo liberdade religiosa no Brasil, o que facilitou a vinda de imigrantes judeus, desta vez um grande número de asquenazes: a maior parte era proveniente do Leste europeu, regiões da atual Polônia, Rússia e Ucrânia. A maioria desembarcava no porto de Santos e rumava para a cidade de São Paulo onde rapidamente constituiu-se uma próspera comunidade de comerciantes judeus. Além de São Paulo (principalmente no Bom Retiro), os judeus marcaram presença no Rio de Janeiro, no Sul do Brasil e em outras partes do país. No Rio Grande do Sul a fazenda Philipson, fundada no ano de 1904, é considerada como a formadora da primeira escola judaica no Brasil e está localizada no município de Itaara. Posteriormente os imigrantes e descendentes migraram do Bom Retiro para regiões nobres da cidade de São Paulo, como Higienópolis e Jardins.[11] Na mesma época membros da comunidade judaica começaram a se instalar no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, que permanece como símbolo da colonização judaica na cidade.[12] Uma das sinagogas do bairro, a União Israelita de Porto Alegre, completou o seu centenário em 2010 e é uma das mais antigas do Brasil e a quarta das Américas com atividades ininterruptas.[13]

 
Sinagoga União Israelita de Porto Alegre no bairro Bom Fim.

Na década de 1920 o afluxo de judeus se intensificou com a chegada de dezenas de milhares de pessoas. Quando a imigração judaica cresceu o Brasil iniciava sua transição para uma sociedade crescentemente urbana e industrializada. Nesse contexto, os judeus concentravam-se nas áreas do comércio e dos pequenos empreendimentos domésticos. Desde a Antiguidade, os judeus apresentam características predominantemente urbanas e os imigrantes que vieram para o Brasil repetiram esse paradigma. Quase todos os judeus brasileiros estabeleceram-se em centros urbanos, e em 1940, 74,3% dos judeus do Brasil estavam concentrados em apenas três cidades: São Paulo, no Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em 1980 quase 83% de todos os judeus brasileiros ainda lá se concentravam.[6]

Com a ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália na década de 1930, uma grande população judia fugiu, mas como muitos países mantinham restrições de imigração, boa parte dos refugiados teve dificuldade de encontrar um novo lar no exterior. No Brasil entraram muitos imigrantes, até que em 1935 o governo de Getúlio Vargas começou a negar os vistos de imigração mesmo para turistas. Vargas estava envolvido num projeto de abrasileiramento forçado das minorias étnicas, e neste contexto a chegada de novos grupos se tornava um problema adicional.[14] A partir de 1937, o Ministério das Relações Exteriores emitiu pelo menos 26 circulares secretas impondo barreiras à entrada de judeus, embora publicamente o governo apresentasse o país como amigável aos estrangeiros.[15] A despeito das restrições, a imigração continuou de forma clandestina. Neste período houve mesmo ameaças de deportação em massa de judeus, e embora elas nunca tenham sido concretizadas, vários indivíduos que haviam se envolvido em movimentações políticas foram exilados.[14] Depois de Vargas se alinhar aos países do Eixo, a chamada "questão judaica" passou para o segundo plano, surgindo defensores da presença de judeus no país.[6] No pós-guerra os judeus imigrantes e seus descendentes já estavam bem integrados ao contexto brasileiro, e atuavam em todas as esferas da vida nacional, mas as restrições à imigração só foram abolidas definitivamente em 1950. Até esta data, sabe-se que cerca de 16 mil judeus tiveram seu visto de entrada recusado, mas esse número provavelmente é muito maior.[15]

À medida que se integravam, fundaram jornais, bibliotecas, escolas, associações de ajuda mútua e de apoio a recém-chegados; entraram na atividade político-partidária; participaram da articulação do movimento sionista, e fundaram sociedades para a preservação da cultura judaica e de apoio das comunidades que cresciam. Na década de 1960 muitos judeus entraram na oposição à ditadura militar, mas com a publicação do AI-5 e o endurecimento da repressão política, uma expressiva quantidade de judeus brasileiros se transferiu para Israel.[16]

Uma característica marcante da população judaica no Brasil é a uma taxa de natalidade reduzida precocemente. Em 1940, havia 55.563 judeus no Brasil, número que cresceu para 96.199 em 1960. Em algum momento da década de 1960, a taxa de natalidade da comunidade judaica tornou-se negativa e ela passou a encolher: em 1991, os judeus estavam reduzidos a 86.417 pessoas.[7] Parte desse fenômeno se deve ao expressivo declínio da imigração que se verificou a partir da década de 1960, e também à crescente taxa de assimilação por casamentos mistos e secularização.[6] Em anos recentes em algumas comunidades a taxa de casamentos mistos ultrapassa os 50%.[17] O censo brasileiro de 2010 registrou 107.329 judeus no país.[3]

Segundo pesquisas de Monica Grin e Michel Gherman, no Brasil a definição de judaísmo é flexível. Para alguns ela é baseada na prática da religião, mas para outros ela se baseia principalmente em aspectos de natureza social, cultural, étnica e histórica. De modo geral os que se auto-identificam como judeus brasileiros na atualidade possuem alta escolaridade, nível de vida acima da média e uma fraca adesão à religião tradicional. Entre os que praticam assiduamente a religião, há uma predominância dos grupos ortodoxos, numa tendência que vem crescendo desde os anos 1980 sob influência do fortalecimento da religiosidade de índole conservadora em curso tanto nos Estados Unidos como em Israel.[17]

Em anos recentes tem havido uma crescente apropriação de símbolos judaicos por grupos não judeus, geralmente cristãos e conservadores, em um processo de aproximação com as ideologias e políticas conservadoras e direitistas e criação de uma imagem mitificada de Israel, que, segundo Gherman, "reorganiza identidades políticas, ideológicas e religiosas entre judeus e não judeus no Brasil" e provoca uma cisão entre judeus de esquerda e judeus de direita.[18]

Ancestralidade

Perguntados sobre sua origem étnica, os judeus brasileiros responderam:[19]

Exemplos

Ver também

Referências

  1. a b Simon Schwartzman (1999). [«Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil» Verifique valor |url= (ajuda). Consultado em 7 de janeiro de 2016 
  2. a b Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ed. (Censo de 2010). «Tabela 1.4.1 - População residente, por situação do domicílio e sexo, segundo os grupos de religião - Brasil - 2010» (PDF). Consultado em 8 de fevereiro de 2015  Verifique data em: |data= (ajuda)
  3. a b c d e f g h i j k l Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ed. (Censo de 2010). «Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência». Consultado em 19 de julho de 2016  Verifique data em: |data= (ajuda)
  4. Arantes, José Tadeu. "Livro resgata história da imigração judaica no Brasil". EBC, 23/04/15
  5. a b "Judeus no Brasil: Cristãos-novos no Brasil colônia". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  6. a b c d e Decol, René Daniel. "Judeus no Brasil: explorando os dados censitários" In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001; 16 (46)
  7. a b Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome judeus
  8. "Amazônia, terra prometida". Veja, n° 1946, 8 de março de 2006.
  9. Heller, Reginaldo Jonas. "Los Nuestros. Os marroquinos na Amazônia". In: Morashá, 2006 (55)
  10. «A Memória Judaica em Pernambuco» (PDF). Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco. Consultado em 24 de maio de 2015 
  11. Bolaffi, Gabriel. "A nova ortodoxia judaica em São Paulo". Resenha do livro de Marta F. Topel, Jerusalém & São Paulo: a nova ortodoxia judaica em cena; Rio de Janeiro, Topbooks, 2005. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2006; 21 (60) supl. 60
  12. «A Imigração - História». Consultado em 4 de novembro de 2009. Arquivado do original em 4 de novembro de 2009 
  13. "Sinagoga comemora o centenário". Correio do Povo, 16/10/2010
  14. a b "Judeus no Brasil: A política imigratória do Estado Novo". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  15. a b Fellet, João. "A época em que o Brasil barrou milhares de judeus que fugiam do nazismo". BBC, 20/01/2019
  16. "Judeus no Brasil: Vida social, política e cultural". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  17. a b Magalhães, Thamiris. "Cultura judaica e brasileira. Uma síntese?". In: Revista do Instituto Humanitas — Unisinos, 2012 (400)
  18. Gherman, Michel "Não judeus-judeus: a direita bolsonarista e os novos conversos". In: Revista Rosa, 2020; 2 (3)
  19. Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil, por Simon Schwartzman.

Ligações externas