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{{Ver desambig|redir=Vitor Meireles|o município|Vitor Meireles (Santa Catarina)}}
{{Info/Biografia
|nome = Victor Meirelles
|nome_completo = Victor Meirelles de Lima
|imagem = Victor-Meirelles-de-Lima-by-Pacheco,-1860s.jpg
|imagem_tamanho = 260px
|imagem_legenda = Retrato de Victor Meirelles na década de 1860
|nascimento_data = {{nascimentodni|18|8|1832|lang=brsi}}
|nascimento_local = [[Florianópolis|Nossa Senhora do Desterro]], [[Província de Santa Catarina|Santa Catarina]]
|nacionalidade = {{BRAn|o}}
|morte_data = {{nowrap|{{Falecimento e idademorte|22|2|1903|18|8|1832}}}}
|morte_local = [[Rio de Janeiro]], [[Distrito Federal do Brasil (1891–1960)|Distrito Federal]]
|ocupação = [[pintor]]<br />[[professor]]
|nome_mãe =
|nome_pai =
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|alma_mater = [[Academia Imperial de Belas Artes]]
}}
'''Victor Meirelles de Lima''' ([[Florianópolis|Nossa Senhora do Desterro]], [[18 de agosto]] de [[1832]] — [[Rio de Janeiro]], [[22 de fevereiro]] de [[1903]]) foi um [[Pintura|pintor]] e [[professor]] [[brasil]]eiro.
 
De origens humildes, cedo seu talento foi reconhecido, sendo admitido como aluno da [[Academia Imperial de Belas Artes]]. Especializou-se no gênero da [[pintura histórica]], e ao ganhar o Prêmio de Viagem ao Exterior da Academia, passou vários anos em aperfeiçoamento na [[Europa]]. Lá pintou sua obra mais conhecida, ''[[APrimeira Missa no Brasil (Victor Meirelles)|Primeira Missa no Brasil]]''. Voltando ao Brasil tornou-se um dos pintores preferidos de D. [[Pedro II do Brasil|Pedro II]], inserindo-se no programa de [[mecenato]] do monarca e alinhando-se à sua proposta de renovação da imagem do Brasil através da criação de símbolos visuais de sua história.
 
Tornou-se estimado professor da Academia, formando uma geração de grandes pintores, e continuou seu trabalho pessoal realizando outras pinturas históricas importantes, como a ''[[Batalha dos Guararapes (Victor Meirelles)|Batalha dos Guararapes]]'', a ''Moema'' e o ''[[Batalha Naval do Riachuelo|Combate Naval do Riachuelo]]'', bem como retratos e paisagens, onde se destacam o ''Retrato de Dom Pedro II'' e os seus três ''Panoramas''. Em seu apogeu foi considerado um dos principais artistas do [[Segundo Reinado]], com frequência recebendo rasgados elogios pela perfeição de sua técnica, pela nobreza de sua inspiração e pela qualidade geral de suas monumentais composições, bem como pelo seu caráter ilibado e sua incansável dedicação ao ofício, fez muitos admiradores no Brasil e no estrangeiro, recebeu condecorações imperiais e foi o primeiro dos pintores nacionais a conquistar admissão no [[Salon de Paris|Salão de Paris]], mas também foi alvo de críticas contundentes, despertando fortes polêmicas num período em que se acendia a disputa entre os [[academismo|acadêmicos]] e os primeiros [[modernismo|modernistas]]. Com o [[Proclamação da República do Brasil|advento da República]], por estar demasiado vinculado ao [[Império do Brasil|Império]], caiu no [[ostracismo]], e acabou sua vida em precárias condições financeiras, já muito esquecido.
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[[File:Museu Victor Meirelles.JPG|thumb|left|A casa onde nasceu o pintor, hoje o [[Museu Victor Meirelles]].]]
[[File:Victor Meirelles - Vista do Desterro - c. 1847.jpg|thumb|left|''Vista do Desterro'', 1847. Museu Victor Meirelles.]]
Seus anos iniciais são obscuros e as poucas fontes trazem informações conflitantes.<ref name="Moreno"/> VítorVictor MeirelesMeirelles de Lima era filho dos imigrantes [[Portugal|portugueses]] Antônio MeirelesMeirelles de Lima e Maria da Conceição dos Prazeres, comerciantes que viviam com limitados recursos econômicos na cidade de Nossa Senhora do Desterro (hoje [[Florianópolis]]).<ref name="Rubens">Rubens, Carlos. [https://web.archive.org/web/20150923194305/http://www.brasiliana.com.br/obras/pequena-historia-das-artes-plasticas-no-brasil/pagina/123/ "Victor Meirelles"]. In: ''Pequena História das Artes Plásticas no Brasil'' [1941]. Edição Brasiliana online, pp. 123-131</ref> Teve um irmão, Virgílio.<ref name="Moreno"/> Segundo se registra, com cinco anos começou a ser educado em latim, português e aritmética, mas o menino Victor passava seu tempo livre desenhando bonecos e paisagens de sua [[Ilha de Santa Catarina]] e copiando imagens alheias que encontrava em gravuras e folhetos.<ref name="Moreno"/> Segundo o testemunho de José Arthur Boiteux,
 
::"Aos cinco anos mandaram-o os pais à Escola Régia e tão pequeno era que o professor para melhor dar-lhe as lições sentava-o aos joelhos. Quando voltava à casa o seu passatempo era o velho Cosmorama que AntônioAntonio MeirelesMeirelles comprara por muito barato e ótimo curioso que era, concertava sempre que o filho quebrava, o que era comum, algumas das peças. Aos dez anos não escapava a Victor estampa litografada: quantas lhes chegassem às mãos, copiava-as todas. E quem pela loja de Antonio Meirelles sita à Rua da Pedreira, antiga dos Quartéis Velhos, esquina da Rua da Conceição passasse, pela tardinha, invariavelmente veria o pequeno debruçado sobre o balcão a fazer garatujas, quando não as caricaturas dos próprios fregueses que àquela hora lá se reuniam para os indefectíveis dois dedos de prosa".<ref name="Moreno">Franz, Teresinha Sueli. [http://www.dezenovevinte.net/artistas/vm_mmoreno.htm "Mariano Moreno e a primeira formação artística de Victor Meirelles"]. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2011; VI (1)</ref>
 
Em 1843, quando tinha entre 10 e 11 anos, começou a receber instrução do padre Joaquim Gomes d’Oliveira e Paiva, que lhe ensinou francês e filosofia e aprofundou seu conhecimento de latim. O seu talento precoce foi notado e incentivado pela família e por autoridades locais, e em 1845 começou a ter aulas regulares com um professor de [[desenho geométrico]], o engenheiro argentino [[Mariano Moreno]], que era doutor em direito e em teologia, além de jornalista, político e ex-secretário da primeira Junta de Governo das [[Províncias Unidas do Rio da Prata]], desempenhando, segundo Teresinha Franz, "um papel importante na construção da identidade argentina". Ao mesmo tempo, provavelmente completou seus estudos gerais no Colégio dos Jesuítas, que ministrava aulas de latim, francês, filosofia, história elementar, geografia, retórica e geometria, e é possível que tenha entrado em contato com artistas viajantes que documentavam a natureza e o povo local.<ref name="Moreno"/>
 
Alguns de seus desenhos foram vistos e apreciados por [[Jerônimo Coelho]], conselheiro do Império, que os mostrou ao então diretor da [[Academia Imperial de Belas Artes]], [[Félix-Émile Taunay]]. O diretor de imediato aceitou o jovem, então com apenas quatorze anos, como aluno da instituição. Transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1847, passou a frequentar o curso de [[desenho]], tendo as despesas iniciais financiadas por um grupo de [[mecenato|mecenas]] e sendo alundoaluno de [[Manuel Joaquim de Melo Corte Real]], [[Joaquim Inácio da Costa Miranda]] e [[José Correia de Lima]], que estudara com o classicista [[Debret]]. Já no ano seguinte conquistou uma medalha de ouro e pouco mais tarde voltou à sua cidade natal para visitar seus pais. Datam desta época as primeiras de suas obras conhecidas.<ref name="Moreno"/><ref name="Rubens"/><ref name="Makowiecky">Makowiecky, Sandra. [http://www.dezenovevinte.net/artistas/vm_florianopolis.htm "O tempo de Victor Meirelles e a Cidade de Florianópolis"]. In ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2008; III (4).</ref><ref name="Mallmann">Mallmann, Regis. [http://www.archive.today/O7ggN ''Os passos do maior pintor brasileiro do século XIX entre Desterro, Paris e o Rio de Janeiro'']. Museu Victor Mirelles, 01/11/2010.</ref> Em 1849 estava novamente no Rio, estudando na Academia entre outras a disciplina de pintura histórica, gênero em que obteve seus maiores sucessos. Consta que Meirelles era um aluno brilhante, destacando-se em todas as disciplinas. Em 1852 venceu o Prêmio de Viagem à Europa com a pintura ''São João Batista no Cárcere''.<ref name="Mallmann"/>
 
=== Estudos na Europa ===
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[[File:Victor Meirelles - O NAUFRÁGIO DA MEDUSA, circa 1857-1858 - cópia de T. Gericault.jpg|thumb|''O Naufrágio da Medusa'', c. 1857-1858, cópia de original de [[Théodore Géricault]]. Museu Victor Meirelles.]]
 
Aos 21 anos incompletos, Victor Meirelles desembarcou em [[Le Havre|Havre]], na [[França]], em junho de 1853. Passou brevemente por [[Paris]] e em seguida estabeleceu-se em [[Roma]], seu destino original. Lá conheceu dois outros alunos da Academia que também faziafaziam seu aperfeiçoamento, [[Agostinho da Motta]] e [[PaliéreJean GrandjeanLeon FerreiraPallière]], que o introduziram no ambiente artístico da cidade e o orientaram sobre quais mestres deveria procurar. A princípio entrou na classe de [[Tommaso Minardi]], que, a despeito de sua fama, seguia um método austero demais, onde os alunos permaneciam excessivamente subordinados aos preceitos, sem oportunidade de desenvolverem ideias próprias. Então abandonou a classe e se matriculou no atelierateliê de [[{{ill|en|Nicola Consoni]]}}, membro da [[Academia de São Lucas]]. Consoni também era rigoroso, mas Meirelles aproveitou bem as sessões de modelo vivo, imprescindíveis para o refinamento do desenho anatômico da figura humana, elemento essencial no gênero da pintura histórica, o mais prestigiado no sistema acadêmico. Paralelamente, exercitava-se na aquarela e entrava em contato com o vasto acervo de arte antiga da capital italiana. Numa segunda etapa, transferiu-se para [[Florença]], conhecendo os museus locais e sendo fortemente impressionado pela arte de [[Veronese]]. Como estudo copiou obras do mestre, bem como de outras figuras destacadas, como [[Ticiano]], [[Tintoretto]] e [[Lorenzo Lotto]]. Como era exigido pela Academia, regularmente enviava para o Brasil suas obras e cópias como prova de seu progresso. Seu rendimento era tão bom que o governo brasileiro decidiu renovar em 1856 sua bolsa de estudos por mais três anos, além de indicar ao artista uma lista de novos estudos específicos que ele deveria cumprir.<ref name="Makowiecky"/><ref name="Mallmann"/><ref name="FRANZ"/>
 
Desta forma, em 1856 seguiu para [[Milão]] e logo depois para Paris. Tentou, segundo recomendação de [[Araújo Porto-Alegre]], na época diretor da Academia e seu principal mentor, ser admitido como aluno de [[Paul Delaroche]], mas o mestre repentinamente faleceu. Assim precisou buscar outra orientação, encontrando-a em [[Léon Cogniet]], pintor [[Pintura do romantismo|romântico]] igualmente celebrado, membro da [[École des Beaux Arts|Escola de Belas Artes de Paris]] e uma referência para os estrangeiros que iam estudar na Europa.<ref name="Boppré">Boppré, Fernando C. [http://www.dezenovevinte.net/800/tomo2/files/oitocentos%20tomo%202.pdf "Victor Meirelles: quando ver é perder"]. In: Valle, Arthur & Dazzi, Camila (orgs.). ''Oitocentos - Arte Brasileira do Império à República - Tomo 2''. EDUR-UFRRJ / DezenoveVinte, 2010, pp. 251-266</ref> Em seguida estudou com [[André Gastaldi]], que possuía quase a mesma idade que Meirelles, mas que tinha uma visão mais avançada sobre a arte e lhe deu importante instrução sobre cores. Sua rotina, segundo relatos, era quase monástica, dedicando-se integralmente à arte, e novamente seus estudos foram considerados tão bons que sua bolsa de estudos foi prorrogada outra vez, por mais dois anos. Nesta época sua produção era numerosa, destacando-se entre todas suas obras ''[[A Primeira Missa no Brasil]]'', executada entre 1858 e 1861, que lhe valeu espaço e elogios no prestigioso [[Salão de Paris]] de 1861, um feito inédito para artistas brasileiros que repercutiu muito positivamente em sua terra.<ref name="Rubens"/><ref name="Mallmann"/><ref name="FRANZ"/>
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Em 1871 pintou o ''Juramento da Princesa Regente'',<ref name="Mallmann"/> no ano seguinte foi nomeado [[comendador]] da Ordem da Rosa,<ref name="Itaú"/> e em 1875 iniciou os esboços para uma outra grande obra histórica, a ''Batalha dos Guararapes'', aceitando um projeto que fora recusado por [[Pedro Américo]], que preferiu trabalhar sobre a ''[[Batalha de Avaí]]''. Como fizera antes, deslocou-se à região onde ocorrera o conflito para conceber a composição com maior verdade. As duas batalhas foram expostas no [[Salão de 1879]], recebendo ambos os artistas o Grande Prêmio e o título de [[dignitário]]s da Ordem da Rosa, mas desencadearam a maior polêmica estética que até então se travou no Brasil. Enquanto uns reconheciam as suas habilidades superlativas, saudando-os como gênios e heróis, outros os acusavam de [[plágio]] e de passadismo. Ao mesmo tempo, formaram-se dois partidos, um apoiando Meirelles e outro Américo, na disputa sobre qual das batalhas era mais perfeita. O público leigo também se engajou e a discussão tomou os jornais e revistas durante meses, mas a despeito de receber muito aplauso, as também numerosas críticas o abateram profundamente, jogando-o num estado de melancolia que, entre altos e baixos, aparentemente o acompanharia até o final da vida.<ref name="Rubens"/><ref name="Mallmann"/><ref>Coelho, pp. 85-86</ref>
 
Em 1883 estava de novo na Europa, onde fez uma nova versão do ''Combate Naval de Riachuelo'', que se perdera,<ref name="Rubens"/> e na [[Bélgica]] iniciou, em 1885, a execução do ''Panorama do Rio de Janeiro'', uma vista tomada a partir do morro de Santo Antônio. Para isso, contou com a ajuda do belga [[Henri Langerock]], fundando com ele uma empresa de panoramas, um gênero que se tornava rapidamente popular em várias técnicas e podia significar um bom lucro para os artistas através da cobrança de ingressos para visitação. Em 1887 a pintura foi exposta em [[Bruxelas]], fazendo uso de um cilindro giratório que permitia aos espectadores contemplar as vistas em 360 graus. A obra foi inaugurada em presença da [[Casa de Saxe-Coburgo-Gota|família real da Bélgica]] e grande corpo de nobres e autoridades, sendo visitada por cerca de 50 mil pessoas, com grande repercussão na imprensa. A esta altura estava desfeita sua sociedade com Langerock, que o processou por supostas perdas financeiras, mas o caso foi decidido a favor de Meirelles. Em 1889 o panorama foi exposto na [[Exposição Universal de 1889|Exposição Universal de Paris]], onde recebeu medalha de ouro e mais elogios da imprensa e do público, mas por falha na programação do evento e pela competição de muitas outras atrações, inclusive panoramas de outros artistas, sua visitação foi pouco expressiva.<ref name="Makowiecky"/><ref>Coelho, pp. 94-121</ref>
 
=== Anos finais ===
Em 1889, com a [[Proclamação da República do Brasil|Proclamação da República]], veio a perseguição política aos artistas oficiais da [[Monarquia]] e em 1890 foi demitido precocemente da Academia Imperial, agora transformada em [[Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro|Escola Nacional de Belas Artes]]. Com apenas 57 anos de idade, alegou-se que estava velho demais.<ref name="Dazzi"/> Por um ano conseguiu colocação como professor no [[Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro|Liceu de Artes e Ofícios]],<ref name="Itaú"/> mas a partir de 1891, outra vez desempregado, instalou seu ''Panorama do Rio'' em uma [[Rotunda (arquitetura)|rotunda]] especialmente construída para ele no largo do [[Paço Imperial]], onde cobrava mil [[Real (antiga moeda brasileira)|réis]] por visitante. Segundo notícias da época, em seu primeiro ano de exibição a obra foi visitada por cerca de 70 mil pessoas, mas isso pode ser exagero publicitário. Pouco mais tarde franqueou o acesso aos escolares e ofereceu detalhados materiais didáticos complementares à obra, preocupado com a boa educação da população.<ref name="Mallmann"/><ref>Coelho, pp. 122-130; 158-161; 210</ref> Em 1893 o governo enviou uma representação para a [[Exposição Universal de Chicago]], onde a ''Primeira Missa'' e o ''Panorama do Rio'' foram exibidos com grande sucesso.<ref name="Dazzi">Dazzi, Camila. [http://www.dezenovevinte.net/obras/chicago_1893.htm "A Produção dos Professores e Alunos da Escola Nacional de Belas Artes na Exposição de Chicago de 1893"]. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2011; VI (4)</ref> No mesmo ano fundou uma escola de pintura com [[Décio Villares]] e [[Eduardo de Sá]], mas as aulas encerraram após alguns meses.<ref name="Mallmann"/><ref name="Itaú"/>
[[File:Victor Meirelles - Estudo para Panorama do Rio de Janeiro - Ilha das Cobras e Morro de Santo Antônio - c. 1885.jpg|thumb|''Estudo para o Panorama do Rio de Janeiro - Ilha das Cobras e Morro de Santo Antônio'', c. 1885. Museu Nacional de Belas Artes.]]
 
Sua segunda composição panorâmica apareceu em 1896, uma vasta paisagem de 115 metros de largura por 14,5 de altura, representando a entrada da Esquadra Legal na [[baía de Guanabara]], um episódio da [[Revolta da Armada]] de 1894, que realizou praticamente sem auxílio nenhum, num esforço monumental, e quase sem auxílio também para as tarefas administrativas de exposição, os contatos, as buscas de patrocínio. Sem trabalho fixo, cansado e vivendo basicamente da renda das visitações aos panoramas, quando o governo exigiu, em 1898, que ele desmontasse a rotunda, ficou em sérias dificuldades financeiras, sobrevivendo da ajuda de amigos. Em 1900 seu ''Panorama do Descobrimento do Brasil'', ainda incompleto, foi exibido na mostra do IV Centenário do Descobrimento, como a última tentativa de reavivar sua carreira, como referiu Mário Coelho. A mostra foi inaugurada em presença do presidente [[Campos Salles]], que qualificou a obra como extraordinária, mas sua estrela já se apagava. Montou outro pavilhão de exibição numa chácara do antigo Seminário de São José, nos fundos do [[Convento do Carmo (Rio de Janeiro)|Convento do Carmo]], mas os panoramas já não eram novidade e atraíam cada vez menos gente. Ainda alimentava a ideia de voltar a expô-los na Europa, procurando interessar o governo, mas o plano não deu em nada.<ref>Coelho, pp. 142-164</ref> O artista acabou doando essas grandes pinturas ao [[Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro|Museu Nacional]], bem como muitos desenhos e estudos, mas elas se estragaram e foram perdidas anos mais tarde por negligência da instituição.<ref>Mello Junior, Donato. "Temas históricos". In: Rosa, Ângelo de Proença ''et al''. ''Victor Meirelles de Lima: 1832-1903''. Pinakotheke, 1982, p. 89</ref>
 
Desencantado, pobre e abandonado, na manhã de um domingo de [[carnaval]], em 22 de fevereiro de 1903, Victor Meirelles morreu aos 71 anos, na casa simples onde vivia. O artista era casado com Rosália Fraga, que já tinha um filho de união anterior, a quem ele adotou, mas não deixou descendência direta e sobre sua vida privada nada se sabe. Sua viúva doou seu espólio à Escola Nacional de Belas Artes, que realizou uma exposição póstuma em sua homenagem.<ref>Silva, Tathianni Cristini da. [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/87480/224648.pdf?sequence=1 ''O Patrimônio Cultural do Centro Histórico de Florianópolis: um estudo do papel dos Museus Histórico de Santa Catarina e Victor Meirelles na preservação e produção da cultura'']. Dissertação de Mestrado. UFSC, 2004</ref><ref name="Moura">Moura, Carolina. [https://web.archive.org/web/20140518064328/http://ndonline.com.br/florianopolis/plural/32770-no-dia-dos-180-anos-de-seu-nascimento-victor-meirelles-e-celebrado-em-florianopolis.html "No dia dos 180 anos de seu nascimento, Victor Meirelles é celebrado em Florianópolis"]. ''Notícias do Dia'', 18/08/2012</ref> A viúva faleceu pouco depois, ainda no mesmo ano.<ref>Museu Victor Meirelles. [https://web.archive.org/web/20140518065327/http://www.museuvictormeirelles.gov.br/noticias/o-dia-22-de-fevereiro/ "O Dia 22 de Fevereiro"]</ref>
 
Segundo seu biógrafo [[Carlos Rubens]], pouco antes de morrer Meirelles teria dito a um amigo e antigo discípulo que se tivesse outra chance faria sua vida tomar outros caminhos, ao que o amigo respondeu: "E que outros caminhos levariam o senhor à ''Primeira Missa''?" Como a História mostra, sua fama atual repousa principalmente nesta grande composição.<ref name="FRANZ"/>
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A Academia Imperial, onde Meirelles se educou, foi um dos braços executivos desse programa civilizatório, que buscava também um afastamento da lembrança dos tempos coloniais sob o jugo português através da filiação a outros modelos de cultura, como a França e a Itália, para onde os pensionistas se dirigiam em seu aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo em que, em termos culturais, a dependência da inspiração estrangeira permanecia inescapável, elementos tipicamente brasileiros antes renegados, como o [[indígenas|índio]], passavam a ser reintegrados, enaltecidos e mesclados aos referenciais europeus como parte das raízes locais necessárias à legitimação da cultura nacional, numa síntese não desprovida de contradições.<ref name="FRANZ"/><ref name="CARDOSO"/><ref>Vale, Vanda Arantes do. "A pintura brasileira do século XIX - Museu Mariano Procópio". In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2007; I (1)</ref> Diz Teresinha Franz:
 
::"Não havia uma consciência clara das dificuldades de transpor para o Brasil, um país em formação, modelos importados de países como a França. O Brasil era constituído de uma sociedade cultural e artisticamente pouco complexa, cuja elite intelectual, seduzida pela cultura européiaeuropeia, não podia perceber até que ponto era problemático para esta cultura criar raízes e se desenvolver livremente em uma sociedade ainda em crescimento".<ref name="FRANZ"/>
 
Sintomáticas da intencionalidade e, de certa forma, artificialidade, desse nacionalismo inventado pelas elites, foram as circunstâncias da elaboração da primeira obra-prima de Victor Meirelles, a ''Primeira Missa no Brasil''. Durante sua criação Meirelles manteve contato por correspondência com o então diretor da Academia, [[Manuel de Araújo Porto-Alegre]], que servia como porta-voz da ideologia oficial e conduzia o trabalho do pintor em vários aspectos, o que de resto aconteceu durante todo o seu período de estudante.<ref>Como exemplo veja-se os conselhos dados por Araújo referentes à composição da ''Degolação de São João Batista'', ''apud'' Porto-Alegre, Manoel de Araújo. [http://www.dezenovevinte.net/documentos/mapa_vm.htm ''Documentos: Três cartas a Victor Meirelles, 1854, 1855, 1856'']. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte''.</ref> E foi na [[Biblioteca de Sainte-Geneviève]], em Paris, que ele encontrou material para estudo sobre o [[povos indígenas do Brasil|índio brasileiro]], e não no Brasil, onde os índios há muito haviam sido impelidos para regiões remotas, dizimados ou [[aculturação|aculturados]]. Lá ele estudou a documentação e os registros [[etnográfico]]s sobre os nativos deixados pelos [[naturalista]]s, e foi lá que teve contato com a ''[[Carta a El Rei D. Manuel]]'' de [[Pero Vaz de Caminha]], que lhe inspiraria o pano de fundo para sua criação.<ref name="FRANZ"/>
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{{AP|Lista de pinturas de Victor Meirelles}}
====''Primeira Missa no Brasil''====
{{AP|Primeira Missa no Brasil (Victor Meirelles)|Primeira missa no Brasil}}
Primeira das grandes composições de Victor Meirelles, a ''Primeira Missa no Brasil'' permanece como a mais afamada e significativa obra em toda a sua produção. Pintada em Paris entre 1858 e 1861, durante sua segunda temporada de estudos como bolsista da Academia Imperial, tem a dimensão de 2,70 x 3,57 metros excluindo a moldura. A obra lhe valeu o reconhecimento no prestigiado [[Salão de Paris]] de 1861 e a consagração em sua terra, sendo condecorado como cavaleiro da Ordem da Rosa por D. Pedro II. Em 1876 foi levada para a [[Exposição Universal de 1876|Exposição Universal de Filadélfia]], nos Estados Unidos. Por causa de problemas na viagem de volta, a tela precisou passar por um restauro já em 1878, tendo sido deteriorada pela entrada de água nos porões do navio onde fora depositada. Em 1921, por ocasião da exposição comemorativa do centenário da [[Independência do Brasil|Independência]], se encontrava em tão mau estado que precisou ser reentelada. Outros restauros aconteceram em 1969 e 2000.<ref>[https://web.archive.org/web/20160530104625/http://www.universitario.com.br/noticias/n.php?i=5179 "MARGS - ''A Primeira Missa no Brasil'' estará em exposição até 27 de julho"]. ''Universitário'', jun/2008</ref>
 
A obra é um resultado direto do programa nacionalista, educativo e civilizatório de D. Pedro II, que entre outros objetivos visava através das artes plásticas reconstruir visualmente momentos marcantes da história brasileira, servindo para a cristalização de uma identidade nacional e como um cartão de visitas para afirmar o Brasil entre as nações progressistas do mundo. Para sua realização teve constante aconselhamento de Araújo Porto-Alegre, diretor da Academia Imperial, bem como de [[Ferdinand Denis]], diretor da [[Biblioteca de Sainte-Geneviève]] de Paris, onde pesquisou a iconografia referente aos indígenas, além de provavelmente inspirar-se para a cena central na ''Première messe en Kabyli'' (1853) do pintor francês [[Horace Vernet]], e na ''Une messe au Louvre pendant la Terreur'' (1847), de [[Marius Granet]].<ref name="FRANZ"/> A pintura ilustra um acontecimento que teria ocorrido em 26 de abril de 1500, quando [[Pedro Álvares Cabral]] mandou rezar uma missa para marcar simbolicamente a tomada de posse da [[Terra de Vera Cruz]] para a Coroa Portuguesa e a implantação da fé católica.<ref name="Ruschel">Makowiecky, Sandra & Garcez, Luciane Ruschel Nascimento. [http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/070.pdf "O contato com uma obra prima: a primeira missa de Victor Meirelles e o renascimento de uma pintura"]. In: ''Anais do 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas: Panorama da Pesquisa em Artes Visuais''. Florianópolis, 19-23/08/2008, pp. 735-751</ref>
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A obra vem sendo repetidamente enaltecida pela crítica como uma das mais representativas imagens da pintura brasileira de todos os tempos, uma obra-prima no gênero da pintura histórica, a mais importante das categorias do antigo Academismo, e como um dos mais conhecidos símbolos nacionalistas do país,<ref name="FRANZ"/><ref name="Rodrigues"/><ref name="Roberta"/><ref name="Eliane"/> sendo reproduzida em todos os livros didáticos de História usados no Brasil, em selos, cédulas monetárias, livros de arte, catálogos e revistas.<ref name="Ruschel"/> Segundo o historiador Donato Mello Júnior, escrevendo em 1962, "a ''Primeira Missa no Brasil'' e ''[[Independência ou Morte (pintura)|O Grito do Ipiranga]]'' [de [[Pedro Américo]]] são, possivelmente, as telas mais populares do Brasil”, e nas palavras da pesquisadora Maria de Fátima Couto, em artigo de 2008,
 
::"Passados mais de quarenta anos, a afirmação de Donato Mello Júnior ainda soa como verdadeira. Trata-se de fato de duas telas de forte apelo popular, constantemente reproduzidas desde sua realização, e que se tornaram ícones da história nacional. [..] Elas representam igualmente dois grandes momentos da [[história da arte]] acadêmica no Brasil. [...] Seus nomes estão intimamente relacionados ao triunfo do gênero 'nobre' da pintura histórica no país não apenas em razão da qualidade inconteste de suas composições e de seu relativo sucesso no exterior – o que provaria a eficácia da Academia brasileira enquanto instituição de ensino –, como também pelo alargamento do debate sobre o papel das artes na educação do povo provocado por seus trabalhos".<ref name="Morethy">Couto, Maria de Fátima Morethy. [https://web.archive.org/web/20160504230131/http://www.artcultura.inhis.ufu.br/PDF17/M_Couto_17.pdf "Imagens eloquentes: a primeira Missa no Brasil"]. In: ''ArtCultura'', 2008; 10 (17):159-171.</ref>
 
Segundo Eliane Pinheiro, "a representação da ''Primeira Missa no Brasil'' assegurou o lugar de um dos temas canônicos no século XIX, devido ao fato de que esta iconografia articulou uma simbologia remotamente tecida na cultura brasileira, presente, inclusive, nas próprias concepções históricas. A significação atribuída à pintura coincidiu com uma corrente de interpretações sobre a história nacional, fazendo com que os contemporâneos do pintor a compreendessem como a verdade visual do acontecimento narrado por Caminha".<ref name="Eliane">Pinheiro, Eliane. [https://web.archive.org/web/20161010010855/https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroInscricaoTrabalho=2963&numeroEdicao=17 ''A Primeira missa no Brasil de Victor Meirelles e suas ressonâncias na arte brasileira'']. Departamento de Artes Plásticas - ECA - USP</ref> Teresinha Franz, no mesmo sentido, disse que "nela o artista fez mais do que qualquer pessoa isolada poderia fazer: serviu-se das intuições e das realizações dos outros, conjugando-os de uma nova forma, o que lhe permitiu falar em nome de toda uma geração. Essa imagem, ao lado de outros emblemas e símbolos nacionais, vem contribuindo na formação da ideia que temos sobre nós brasileiros, a qual pertence ao campo mítico, silencioso e invisível do [[mito fundador]] do Brasil".<ref name="FRANZ"/>
 
====''Moema''====
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[[File:Victor Meirelles - Moema 2.jpg|thumb|600px|center|<center>''Moema'', 1866. Museu de Arte de São Paulo.</center>]]
 
Até então Moema fora uma figura da literatura, e Meirelles foi o primeiro a dar-lhe visualidade. Retratou-a nua, apenas com uma tanga de penas a cobrir-lhe o púbis, na tradição dos nus clássicos do [[nudez heroica|gênero heroico]], que no seu caso, segundo as intenções do autor, enfatizava o seu martírio por amor, seu heroísmo e sua espiritualidade, muito mais do que a sugestão de sensualidade que sua nudez poderia despertar. Seu corpo tem uma beleza idealizada e estatuesca, contrastando contra a paisagem marítima de fundo, que tem qualidades poéticas e evocativas mais típicas do romantismo. O episódio em si teve forte apelo entre os românticos brasileiros. A obra não parece ter sido fruto de alguma encomenda, e quando foi exposta pela primeira vez, ainda em 1866, embora o tema fosse muito popular, a pintura não teve comprador e chamou atenção apenas de especialistas, sem repercutir na imprensa.<ref name="Miyoshi"/> O barão [[Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo|Homem de Melo]], por exemplo, disse que "tudo neste quadro é claro, simples, sem embaraço. ][...] A tela que assim nos arrebata e seduz, resiste à análise crítica a mais exigente, considerando-se a execução artística e as exigências da composição". Gomes dos Santos foi ainda mais veemente e teceu-lhe grandes elogios:
 
::"Obra de maior valor, pois que reúne em grau muito subido todas as qualidades da grande pintura, é a ''Moema'' do Sr. Vctor Meirelles de Lima. Desenho, colorido, transparência aérea, efeitos de luz, perspectiva, exata imitação da natureza em seus mais belos aspectos, elevam esta composição magistral à categoria de um original de grande preço. O assunto, todo nacional, é uma das nossas lendas mais tocantes. Diogo, o Caramuru, regressa à Europa em uma nau francesa, levando em sua companhia a esposa mais amada, a formosa [[Catarina Paraguaçu|Paraguaçu]] e abandonando a outra, que talvez o amasse mais, a bela Moema. [...] O painel do Sr. Meirelles de Lima representa o final deste drama tão patético, omitido pelo poeta: as ondas restituem à terra o corpo gentil da afortunada [sic] Moema, que repousa sobre a areia de uma praia erma e silenciosa. Tudo neste painel respira melancolia, mas tudo é suave e calmo; o céu límpido e sereno, sereno como o rosto da mulher que sofreu muito, e já se não queixa. Na superfície do mar apenas se entrevê brando movimento, leves crespos de água vêm lentamente, como que receosos, beijar a vítima de tão malfadado amor, que não se atrevem, porém, a fazê-lo, e recuam sem tocá-la; à direita e não longe vê-se um bosquezinho de arbustos com mui pouca espessura, cujos últimos ramos com dificuldade se deixam mover pelo sopro do terral; à esquerda e defronte, o mar tranquilo: a cena é iluminada pela claridade da manhã, tão branda e suave, que se harmoniza com a melancolia geral da composição, e a torna mais sentida. ''Moema'' sela a reputação do mestre, que despontara brilhante à sua estréia, na segunda missa celebrada no Brasil".<ref>Miyoshi, pp. 22-23</ref>
[[File:Victor Meirelles - Desenho preparatório para a Moema.JPG|thumb|Estudo para ''Moema''. Este estudo foi a primeira concepção da obra, e diverge bastante da pintura final. Museu Nacional de Belas Artes.]]
 
Foi exposta outra vez no fim do mesmo ano de 1866 e recebeu alguns bons comentários na imprensa, mas também acusações de plagiar a tela ''A morte de Virgínia'', de [[Eugène Isabey]], acusação logo refutada por [[Carlos de Laet]] e pelo próprio Meirelles. Só começou a despertar um interesse maior pela década de 1880, quando [[Rangel de S. PaioSampaio]] dedicou-lhe um bom espaço no seu livro ''O quadro da Batalha dos Guararapes seu autor e seus criticoscríticos''. Até chegar em torno de 1949 ao acervo do [[Museu de Arte de São Paulo]], onde hoje se encontra, passou por uma peregrinação acidentada e chegou a ser dada como perdida.<ref name="Miyoshi"/>
 
Apesar da repercussão limitada que a obra colheu em seu tempo, a crítica mais recente a coloca como um dos mais importantes exemplos do indianismo romântico nas artes visuais e um ponto alto na carreira de Meirelles. E assim como a ''Missa'' e outras de suas obras, a ''Moema'' entrou para a categoria de ícone nacional, foi objeto de várias releituras e tem sido reproduzida em uma infinidade de publicações e livros escolares.<ref>Miyoshi, pp. 15-16; 201-204</ref><ref>Silva, Luiz Carlos da. [http://www.poshistoria.ufpr.br/documentos/2009/LuizCarlosdaSilva.pdf ''Representações em tempos de guerra: Marinha, Civilização e o quadro Combate Naval do Riachuelo de Victor Meirelles (1868 – 1872)'']. Universidade Federal do Paraná, 2009, p. 68</ref><ref>Mota, Denise. [http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/08/1328351-programa-internacional-recupera-obras-de-museus-em-sao-paulo.shtml "Programa internacional recupera obras de museus em São Paulo"]. ''Folha de S.Paulo'', 19/08/2013</ref> Também têm sido trazidas à luz as relações entre a representação do corpo e a paisagem e a possível leitura erotizada da obra. Para Stephanie Bartista, a ''Moema'' se inclui numa importante série de nus acadêmicos que "visualizam os discursos sobre o corpo imaginário nesse momento histórico, o do Segundo Império, e assumem um lugar central incorporando utopias, atritos e conflitos de uma jovem nação", inaugurando uma fértil linhagem de representação de nus no Brasil quando este tópico ainda não fora cultivado no país.<ref name="Batista">Batista, Stephanie Dahn. [https://web.archive.org/web/20160910192820/http://www.fap.pr.gov.br/arquivos/File/Revista_cientifica_5/revista5_Stephanie_Dahn_Batista.pdf "O corpo falante: narrativas e inscrições num corpo imaginário na pintura acadêmica do século XIX"]. In: ''Revista Científica da FAP', 2010; 5:125-148</ref> Ela acrescenta:
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A tela foi exposta ao lado da ''Batalha do Avaí'' de Pedro Américo, despertando logo uma intensa controvérsia sobre qual das composições era a mais perfeita. A obra de Meirelles recebeu muitos louvores, mas a crítica mais alinhada aos princípios do proto-modernismo a viu como estática e harmoniosa demais para uma cena que esperariam mais cheia de dramaticidade e, portanto, era infiel à realidade. Gonzaga Duque criticou o seu método: "Toda obra produzida por este artista é, pois, uma obra vagarosa, cuidada, caprichada no arabesco, de colorido bem combinado, em suma, correta. Não será, nunca, uma obra extraordinária, opulenta de vigor, audaciosa, sincera, espontânea, vivificada por esse clarão estranho que se intitula gênio. Não, isso nunca".<ref>Coli (1994), p. 33</ref> Porém, Meirelles fez sua defesa, onde deixou claros os princípios estéticos e éticos que o norteavam:
 
::"Na representação da Batalha dos Guararapes não tive em vista o fato da batalha no aspecto cruento e feroz propriamente dito. Para mim, a batalha não foi isso, foi um encontro feliz, onde os heróis daquela época se viram todos reunidos. [...] A minha preocupação foi tornar saliente, pelo modo que julguei mais próprio e mais digno, o merecimento respectivo de cada um deles, conforme a importância que se lhes reconhece de direito. Sobre estas bases, a minha composição não podia deixar de ser tratada com simplicidade e nobreza, como era peculiar ao próprio assunto. [...] O movimento na arte de compor um quadro não é, nem pode ser tomado ao sentido que lhe querem dar os nossos críticos. O movimento resulta do contraste das figuras entre si e dos grupos entre uns e outros; desse contraste nas atitudes e na variedade das expressões, assim como também nos efeitos bem calculados das massas de sombra e de luz, pela perfeita inteligência da perspectiva, que, graduando os planos nos dá também a devida proporção entre as figuras em seus diferentes afastamentos, nasce a natureza do movimento, sob o aspecto do verossímil, e não com o cunho do delírio. Nunca o movimento em um quadro, no seu único e verdadeiro sentido tecnológico, se consegue senão à custa da ordem, dependente da unidade principal, que tudo subordina no acordo filosófico do assunto com os seres que retratam." <ref name="Duque"/>
 
Na apreciação de Jorge Coli,
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::"Este texto enuncia aquilo que a observação descobre no quadro: uma arquitetura promovida através de etapas claramente isoladas, que se articulam por meio de calma e lenta reflexão, onde o movimento só tem lugar como um sistema de tensões, e não enquanto ilusão dinâmica. Os instrumentos picturais de Meirelles, entre eles os da parcelização e acabamento das partes para uma metódica recomposição do todo, eram, sob este aspecto, os mesmos da tradição neoclássica, e incapazes para a ilusão dinâmica. Ele poderá, nessas unidades trabalhadas, dilatar o espaço, de maneira, por exemplo, a alongar o pescoço do cavalo, como revelam alguns estudos. Disporá no conjunto, refletidamente, os vetores contrários. O próprio vocabulário empregado por Victor Meirelles é significativo: 'contrastes', 'efeitos bem calculados', 'perfeita inteligência da perspectiva', 'devida proporção', 'graduando os planos' — tudo isso revela um saber que se quer regrado, que afasta o 'cunho do delírio', e que busca um resultado claro. [...] Para ele, a reconstituição pictural da História não possui um aspecto meramente ilustrativo. Ela subordina-se aos princípios superiores da arquitetura visual, fixada fora do tempo, fora do efêmero. Ele está no oposto do pintor da vida moderna desejado por [[Baudelaire]]".<ref>Coli (1994), pp. 30; 84</ref>
 
A dramaticidade em sua pintura é obtida indiretamente como o resultado da reunião de elementos pontuais indicativos de tensão e violência, como o braço erguido que empunha a espada prestes a cair sobre o inimigo, a expressão ansiosa do soldado com olhos esbugalhados, a contorção do corpo do comandante holandês caído ao chão, elementos que agem como palavras individuais num longo e elaborado discurso erudito sobre a forma e sua simbologia. Este sistema vinha sendo organizado desde a Antiguidade e fora consistentemente sistematizado em uma linguagem visual — recebendo grande influência da [[retórica]] literária e da [[oratória]] — desde a fundação das primeiras Academias, e em particular na [[Academia Real de Pintura e Escultura|Academia barroca de Paris]], fundada sob [[Luís XIV]].<ref name="Coli 120-195">Coli, Jorge. [https://web.archive.org/web/20160508101642/http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000192435&fd=y ''A batalha de Guararapes de Victor Meirelles e suas relações com a pintura internacional'']. Universidade Estadual de Campinas, 1994, pp. 120-195</ref><ref>Smith, Paul & Wilde, Carolyn. ''A companion to art theory''. Wiley-Blackwell, 2002, pp. 111-113</ref>
 
====''Combate Naval do Riachuelo''====
{{AP|[[Batalha Naval do Riachuelo]], [[Combate Naval do Riachuelo|Combate Naval do Riachuelo (pintura)]]}}
[[File:Victor Meirelles - Soldado paraguaio de bruços.jpg|thumb|Estudo para o ''Combate Naval do Riachuelo'', Museu Nacional de Belas Artes.]]
O ''Combate Naval do Riachuelo'' ilustra um dos episódios mais marcantes e decisivos da [[Guerra do Paraguai]], o confronto entre a coalizão argentina-uruguaia-brasileira — a [[Tratado da Tríplice Aliança|Tríplice Aliança]] — e as forças paraguaias ocorrido na manhã do dia 11 de julho de 1865 no arroio Riachuelo, um afluente do [[rio Paraguai]]. A obra foi encomendada em 1868, junto com a ''[[Passagem de Humaitá (pintura)|Passagem de Humaitá]]'', pelo ministro da Marinha [[Afonso Celso de Assis Figueiredo]], quando a Guerra ainda estava em andamento. Em 15 de junho o pintor dirigiu-se ao local do conflito para realizar os estudos preparatórios. Ela não teve acesso ao palco principal dos combates, mas colheu impressões sobre o ambiente, os soldados e os equipamentos militares.<ref name="Graziely"/> Numa carta, escreveu: “Estive algum tempo estacionado diante de [[Fortaleza de Humaitá|Humaitá]] e dali, às furtadelas, de vez em quando fazendo mesuras às balas que passavam, eu desenhava o que me era possível ver pelo binóculo, mas felizmente, depois da ocupação dessa praça, tenho feito à vontade, em muitos croquis, tudo o que me era indispensável para o quadro da passagem dos encouraçados, faltando-me apenas pouca coisa”.<ref>Assessoria de Comunicação / Museu Victor Meirelles. [http://www.museus.gov.br/tag/batalha-de-riachuelo/ "Museu Victor Meirelles comemora aniversário do patrono com abertura de exposição"]. Instituto Brasileiro de Museus</ref> Ali permaneceu por dois meses, e depois, com o material que produziu, instalou-se num salão do Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, para pintar a obra definitiva.<ref name="Graziely"/><ref name="Museu Histórico Nacional">Museu Histórico Nacional. [https://web.archive.org/web/20160604025741/http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-e106xa.htm ''Exposições permanentes: Combate Naval do Riachuelo''].</ref>
 
A [[Marinha Imperial Brasileira]] era comandada por [[Francisco Manuel Barroso da Silva|Francisco Barroso da Silva]], liderando a [[Fragata a vapor Amazonas|fragata Amazonas]] e os vapores Jequitinhonha, Beberibei, Belmonte, Parnaíba, Mearim, Araguaí, Iguatemi e Ipiranga. A esquadra paraguaia, sob o comando de [[Pedro InácioIgnacio Meza]], dispunha também de nove navios, mas todos eram barcos mercantes improvisados em naus de guerra. Numa manobra ousada, Barroso da Silva usou a fragata Amazonas como [[aríete]] contra a linha das embarcações inimigas, danificando quatro delas e instaurando o pânico entre os paraguaios, que debandaram. A tela mostra este exato momento, com a fragata dominando a composição, tendo à proa Barroso da Silva em posição de triunfo. Ao seu redor está a esquadra paraguaia dispersa, e em primeiro plano um dos seus navios soçobra, com vários combatentes sobre ele, alguns em desespero, enquanto outros ainda tentam uma defesa, tudo em meio a um cenário tomado pela fumaça da artilharia e das chaminés dos navios, pintado em cores quentes.<ref name="Graziely">Silva, Graziely Rezende da. [http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-7a23.pdf "O Combate Naval do Riachuelo: da História para Pintura"]. In: ''Virtu'', 2010; (5):7-23</ref><ref name="Representações">Silva, Luiz Carlos da. [http://www.poshistoria.ufpr.br/documentos/2009/LuizCarlosdaSilva.pdf ''Representações em tempos de guerra: Marinha, Civilização e o quadro Combate Naval do Riachuelo de Victor Meirelles (1868 – 1872)'']. Universidade Federal do Paraná, 2009</ref> Na descrição de Graziely Silva,
 
::"Este sentimento de acuação é fortalecido pelo movimento desequilibrado dos personagens, em sua descoordenação, cujos eixos de movimento se desencontram, bifurcando e fragmentando todo grupo. Assoma-se nas feições o medo, a valentia, a dúvida, a incerteza, a desolação amontoando-se. Victor permite um tratamento apurado dos semblantes e feições apresentados por tais personagens. As expressões dos soldados são bem marcadas devido à sua dedicação ao desenho, uma dedicação adquirida com sua formação neoclássica, cujos exercícios consistiam no aperfeiçoamento das precisões anatômicas. Sua passagem pelo gênero de retratos também deve ser considerada na aquisição de uma técnica apurada no tratamento de expressões faciais. [...] Afastando-se para os planos posteriores, os elementos ora se perdem, ora ressurgem em meio a uma cortina de fumaça que envolve toda a tela, encobrindo e inviabilizando o reconhecimento do local onde se desfecha o acontecimento. Embarcações e personagens diversos pontuam a cena espalhando-se e contaminando todo ambiente. [...] Esta construção do quadro sugere então um ambiente imersivo, onde o espectador torna-se um contemplador envolvido pelo evento".<ref name="Graziely"/>
[[Ficheiro:Palácio Pedro Ernesto - Batalha do Riachuelo - cópia.jpg|thumb|650px|center|<center>[[Oscar Pereira da Silva]], cópia do ''Combate Naval do Riachuelo'', 1882-83. [[MuseuCâmara Municipal do Rio de Janeiro|Palácio HistóricoPedro NacionalErnesto]].</center> ]]
 
A tela foi apresentada primeiramente na 22ª Exposição Geral da Academia Imperial, iniciada em 15 de junho de 1872, ao lado da ''Batalha do Campo Grande'', de Pedro Américo. Mais uma vez estabeleceu-se uma polêmica entre a crítica e o público sobre os méritos das duas composições. Moreira de Azevedo, por exemplo, disse que “este painel de Victor Meirelles é de admirável produção de um gênio artístico, brilhante concepção de uma alma patriótica de um artista inspirado pela poesia das artes, pelas auras da pátria e pela luz do gênio". Em 1876 foi remetida junto com a ''Primeira Missa'' e a ''Passagem de Humaitá'' para a Exposição Universal da Filadélfia, e na volta acabou sendo estragada, perdendo-se irremediavelmente. Uma cópia, com a dimensão de 4,2 × 8,2 metros, foi providenciada pelo autor entre 1882 e 1883, quando estava em Paris, pertencendo desde 1926 ao acervo do [[Museu Histórico Nacional]].<ref name="Graziely"/> O pintor justificou a cópia dizendo: "Aquele quadro perdido era uma lacuna em minha vida artística. A minha obra sem ele ficara incompleta, embora viesse a compor, como espero, muitos outros quadros novos. Depois é a comemoração da glória mais brilhante da marinha americana".<ref>Araújo, Aline Praxedes de. [http://tede.biblioteca.ufpb.br/bitstream/tede/8075/2/arquivototal.pdf ''Há tantas formas de se ver o mesmo quadro: uma leitura de O Combate Naval do Riachuelo de Victor Meirelles (1872/1883)''] {{Wayback|url=http://tede.biblioteca.ufpb.br/bitstream/tede/8075/2/arquivototal.pdf |date=20160504233349 }}. Universidade Federal da Paraíba, 2015, p. 84</ref> Esta segunda versão, que alguns críticos da época disseram ser melhor que a original,<ref name="Museu Histórico Nacional"/> foi exposta no Salão de Paris de 1883 recebendo muitas apreciações positivas, e o autor foi homenageado com um banquete. Carlos Rubens recolheu alguns comentários da imprensa francesa:
 
::"No ''Patriote Franc-Comtois'', A. de Sancy dizia: 'Um grande combate naval de Meireles, episódio da guerra do Brasil, merecia uma medalha; obra conscienciosa e estudada, muitas minudências e interesse'. ''Le Moniteur de l'Armée'' elogiava o movimento, o desenho e o colorido do quadro; ''Le Courrier International'' salientava ser Victor Meirelles o único representante da pintura histórica no Salão e que 'levantou a arte brasileira ao nível de altitude da arte da Europa, trabalhando assim mais para o seu país do que para a glória própria'; também ''The Continental Gazzete'' elogiava o Combate, enquanto havia quem igualmente escrevesse: 'Seu trabalho, no entanto, foi um dos que atraíram a atenção, um dos poucos citados nas críticas rápidas das gazetas de Paris'.” <ref>Araújo, p. 82</ref>
 
Voltando ao Brasil, foi exposta no Largo de São Francisco em 1884 e em seguida numa outra Exposição Geral da Academia Imperial, reacendendo a polêmica.<ref name="Graziely"/> Gonzaga Duque, o porta-voz dos modernistas, criticou a obra nas mesmas linhas em que falara da ''Batalha dos Guararapes'', reconhecendo-lhe alguns méritos mas condenando-a como inverossímil:
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[[File:Victor Meirelles - ESTUDO PARA COMBATE NAVAL DO RIACHUELO, circa 1871-1872.jpg|thumb|left|Estudo para ''O Combate Naval do Riachuelo''', Museu Victor Meirelles.]]
 
Apesar da crítica dos modernistas, também esta peça entrou no seleto rol da imagens icônicas da identidade brasileira, sendo presença constante nos livros didáticos escolares e em inúmeras outras publicações.<ref>Silva, Luiz Carlos da. [https://web.archive.org/web/20120306065856/http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/em-guerra-no-riachuelo "Em guerra no Riachuelo"]. ''Revista de História'', 09/09/2007</ref><ref>Araújo, p. 110</ref> Elaborada segundo os ditames do mesmo programa ideológico do Império que ensejou a criação das outras grandes composições de Meirelles, esta em particular atendia ao desejo da oficialidade de apresentar o Brasil como a potência dominante na América do Sul e com um libertador dos próprios paraguaios das mãos do "déspota" [[Solano López]], como era chamado no Brasil, instituindo a intervenção militar como um ato civilizador e organizador.<ref name="Representações"/><ref>Ramos, Renato Menezes. [http://www.dezenovevinte.net/obras/batalha_riachuelo.htm "Discurso e representação à luz de uma possível iconografia monumental para a Batalha do Riachuelo"]. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2011; VI (4)</ref> A própria representação dos brasileiros e paraguaios na cena de batalha fala neste sentido, como observou Luiz Carlos da Silva: "A maneira como cada grupo de marinheiros está posto na tela sugere uma grande diferença. De um lado paraguaios maltrapilhos esboçando uma desordenada reação no que restou de sua embarcação, de outro, gestos de vitória e os oficiais da esquadra brasileira postados como estátuas comemorativas", uma "retórica do triunfo" destinada a consagrar num registro monumental "um dia reconhecidamente importante para as pretensões aliadas e, mais ainda, para a história da Marinha. [...] Uma representação que traçava uma história da corporação como imprescindível à manutenção do Estado brasileiro; que enxergava vez por outra suas limitações bélicas mas que nem por isso arranhava a imagem 'combativa' e 'heroica' de seus marinheiros e a 'inteligência' de seus oficiais".<ref name="Representações"/> A obra foi especialmente importante no seu momento histórico porque até então a Guerra se mostrava indefinida, o ministério atuava com dificuldade, as decisões políticas e as militares não entravam em harmonia e a Marinha enfrentava muitas críticas por uma alegada inação, o que incomodava as altas patentes.<ref name="Representações"/><ref>Araújo, pp. 52-74</ref> Assim, ainda segundo Silva, "o ambiente se tornou propício para se agarrar a qualquer vitória e destacar os méritos de tal façanha. Com a jornada do Riachuelo no currículo desde 1865, a delicada situação de 1868 e a recém conquistada [[Passagem de Humaitá|passagem pela fortaleza de Humaitá]] (19 de fevereiro de 1868) foram justificativas oportunas para legitimar esta empreitada artística em pleno conflito", registrando de maneira grandiloquente "um feito considerado notável em período turbulento da política nacional, fruto dos descaminhos entre política, guerras e partidarismos".<ref name="Representações"/>
 
====Panoramas====
Linha 193:
 
==Fortuna crítica e legado ==
Victor Meirelles foi um dos mais brilhantes egressos da Academia Imperial e um dos primeiros mestres nacionais a receberem reconhecimento no estrangeiro. Durante seu apogeu foi um dos artistas mais respeitados do [[Império Brasileiro]] e um dos mais estimados pela oficialidade. Para os críticos afinados ao programa civilizador de D. Pedro II, a geração de Meirelles, na qual ele e [[Pedro Américo]] pontificaram como os maiorais, foi a fundadora da escola nacional de pintura moderna, sendo por isso considerados a verdadeira vanguarda da época.<ref name="Jesus"/> Foi professor de muitos pintores que fariam mais tarde renome por si mesmos, entre eles [[Antônio Parreiras]], [[Belmiro de Almeida]], [[Décio Villares]], [[Eliseu Visconti]], [[Oscar Pereira da Silva]],<ref>[https://web.archive.org/web/20140518065324/http://www.museuvictormeirelles.gov.br/noticias/museu-celebra-180-anos-de-nascimento-de-victor-meirelles/ "Museu Victor Meirelles apresenta novo acervo doado"]. ''Revista Museu'', 01/04/2009.</ref> [[João Zeferino da Costa]],<ref>[http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=510&cd_idioma=28555 "Costa, Zeferino da (1840 - 1915)"]. In: ''Enciclopédia Itaú Cultural'', 26/09/2013</ref> [[Modesto Brocos y Gomez]], [[Rafael Frederico]],<ref>Guanabarino, Oscar. [http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/guanabarino_1894.htm "Críticas as Exposições Gerais de 1894, 1897, 1898 e 1899"]. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte''</ref> [[Rodolfo Amoedo]],<ref>Cavalcanti, Ana Maria Tavares. [https://www.academia.edu/3456985/Os_premios_de_Viagem_da_Academia_em_pintura "Os Prêmios de Viagem da Academia em Pintura"]. In: Pereira, Sonia Gomes (org.). ''185 anos da Escola de Belas Artes. UFRJ, 2001/2002, pp. 69-92</ref> [[Pedro Peres]]<ref>"Elevação da Cruz - o Sentido Histórico da Pintura Oitocentista". Projeto ''A Apreciação Crítica da Produção dos alunos e mestres da Academia Imperial das Belas Artes / Escola Nacional de Belas Artes (1878-1894)''. UFRJ, orientação de Ana Maria Tavares Cavalcanti</ref> e [[Almeida Júnior]].<ref name="Carvalho">Carvalho, Ronald de. ''Estudos Brasileiros''. Annuario do Brasil, 1924, pp. 146-148</ref>
 
Sua produção mais importante, reconhecida ainda em vida, é a que deixou na pintura histórica, o gênero acadêmico por excelência, e embora seus retratos e paisagens também fossem elogiados em sua época, hoje estão bastante esquecidos pela crítica.<ref name="Jesus">Silva, Rosangela de Jesus. [http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%2010%20-%20artigo%203.pdf "Angelo Agostini, Felix Ferreira e Gonzaga Duque Estrada: contribuições da crítica de arte brasileira no século XIX"]. In: ''Revista de História da Arte e Arqueologia'', 2008; (10):43-71</ref> Dentre suas pinturas históricas, a obra capital sem dúvida é ''A Primeira Missa no Brasil'', pela qual se tornou mais conhecido e festejado até hoje. Em 1861, recém concluída, foi aceita com louvores pelo júri do Salão de Paris, conquista inédita para um artista brasileiro. A riqueza de detalhes da pintura, representando múltiplas expressões e situações, suas qualidades evocativas, técnicas e estéticas, eternizaram a versão oficial da [[Descoberta do Brasil]] como um ato heroico e pacífico, celebrado em [[ecumenismo]] por colonizadores e indígenas.<ref name="FRANZ"/><ref name="Rodrigues"/><ref>Christo, Maraliz de Castro Vieira. [http://www.dezenovevinte.net/800/tomo2/files/oitocentos%20tomo%202.pdf "A violência como elemento distintivo entre a representação do índio no Brasil e México no século XIX"]. In: Valle, Arthur & Dazzi, Camila (orgs.). ''Oitocentos - Arte Brasileira do Império à República - Tomo 2''. EDUR-UFRRJ / DezenoveVinte, 2010, pp. 327-341</ref> Jorge Coli, refletindo o consenso da crítica, escreve: "Meirelles atingiu a convergência rara das formas, intenções e significados que fazem com que um quadro entre poderosamente dentro de uma cultura. Essa imagem do descobrimento dificilmente poderá vir a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no Brasil. São os poderes da arte fabricando a história."<ref name="FRANZ"/> Seus panoramas, por sua vez, foram recebidos com bastante entusiasmo, mas hoje, restando apenas esboços preparatórios, só se pode conjeturar sobre o seu real aspecto e qualidade.<ref name="Gazeta">''Gazeta de Notícias'', 24/05/1891, p. 3</ref><ref name="Pierre">França, Cristina Pierre de. [http://www.dezenovevinte.net/800/tomo2/files/oitocentos%20tomo%202.pdf "O Panorama do Rio de Janeiro e a Publicidade"]. In: Valle, Arthur & Dazzi, Camila (orgs.). ''Oitocentos - Arte Brasileira do Império à República - Tomo 2''. EDUR-UFRRJ / DezenoveVinte, 2010, pp. 164-171</ref>
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Mas ao mesmo tempo em que angariava admiradores, fez também muitos adversários, que o consideravam ultrapassado e viam nas convenções acadêmicas nada senão artificialismo e retórica vazia de sentido para os tempos que mudavam.<ref name="Jesus"/> Se, por um lado, a ''Primeira Missa'' lhe rendeu homenagens como a [[Ordem da Rosa]], também originou as primeiras críticas, justamente pelo que seria "excesso de imaginação" e infidelidade à realidade.<ref>Prestes, Roberta Ribeiro. "A Primeira Missa no Brasil em Dois Tempos". In: ''Oficina do Historiador'', 2011; 3 (2):141-157</ref> A exposição de outra de suas grandes composições, ''A Batalha de Guararapes'', ao lado da ''Batalha do Avaí'' de Pedro Américo, no Salão de 1879, originou um debate público inédito no cenário artístico brasileiro. Calcula-se que cerca de 80 artigos tenham sido publicados sobre o acontecimento, inaugurando um período fértil para a formação de um corpo de crítica nacional sobre [[estética]] e [[ideologia]], abordando temas candentes na época como o nacionalismo, a função da crítica e a oposição entre as vanguardas e a tradição acadêmica. Esta exposição se tornou memorável também porque conseguiu mobilizar virtualmente toda a população do Rio de Janeiro, sendo registradas 292.286 visitas ao longo de um período de 62 dias, demonstrando o enorme interesse da população em geral pela agitação artística daqueles dias e pelos temas nacionalistas. Na ocasião Meirelles ouviu tudo, sendo chamado de gênio e mestre a farsante e incompetente, assinalando o momento em que sua brilhante carreira começa a entrar em declínio. Refletia-se nele, e com especial pungência por seu grande destaque pessoal e sua posição de grande símbolo do academismo, o irresistível avanço da estética modernista, que se contrapunha a tudo o que ele representava.<ref name="Toral"/><ref name="CARDOSO"/><ref name="Guarilha">Guarilha, Hugo. [http://www.dezenovevinte.net/criticas/questao_1879.htm "A questão artística de 1879: um episódio da crítica de arte do II Reinado"]. In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', 2006; I (3)</ref> As incisivas críticas de Gonzaga Duque, das quais já se deu antes exemplo, eram leves se comparadas às de [[Angelo Agostini]], que primava pelo sarcasmo. Falando dos ''Guararapes'', e respondendo à declaração de intenções do pintor (citada antes), disse que tudo era falso, tudo era montagem, fantasia e convenção, em nada correspondendo aos eventos e sentimentos que deveriam ter-se passado na conflagração real:
 
::"O Sr. Meirelles 'que só deseja acertar', confessa que alterou o fato, foi de encontro à história, não pintou a batalha dos Guararapes, mas um encontro feliz e amigável, em que Barreto de Menezes abraçou Van Schoppe, Fernandes Vieira a Felipe Camarão, e Henrique Dias saudou Vidal de Negreiros na sua língua: - Bença, meu sá moço!... A ''Batalha dos Guararapes'' não é portanto um quadro histórico, como indica o título e afirma o catálogo, [...] mas uma [[caricatura]] para rir, um combate de brincadeira, como os de mouros e cristãos, que nos dava o [[teatro São Pedro de Alcântara]], edição antiga! [...] A ''Batalha dos Guararapes'' não é a Batalha dos Guararapes, é um encontro feliz em que os heróis daquela época se viram todos reunidos... e dançaram o minuete".<ref>Agostini, Ângelo [Aragão, Octavio (ed.)]. [http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae13_reedicao_Angelo_Agostini.pdf "Salão de 1879"]. In: ''Arte & Ensaios'', 2005; (13):151-153. Reedição Angelo Agostini.</ref>
 
Também é digna de nota sua preocupação pessoal com a função educativa da arte, além de encará-la como um grande meio de divulgação do Brasil no exterior, o que concordava com o programa oficial do governo. Segundo Sandra Makowiecky, Carlos Coelho e outros, isso ficou claro especialmente sobre seus panoramas.<ref name="Makowiecky"/><ref>Coelho, pp. 110-111; 132-135</ref> Com essas obras Meirelles deu um grande passo em direção à sensibilidade moderna, o que torna as críticas sobre seu suposto anacronismo algo injustas. Ao mesmo tempo, o ''Panorama do Rio'' deve ter sido, a partir do que se vê nos estudos que sobreviveram, um fascinante testemunho da fisionomia da cidade em uma fase de grandes mudanças urbanísticas e arquitetônicas.<ref name="Makowiecky"/><ref name="Toral"/><ref>Coelho, pp. 133-140</ref>
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* [[Lista de pinturas de Victor Meirelles]]
* [[Pintura no Brasil]]
* [[Anexo:Lista de pintores do Brasil|Lista de pintores do Brasil]]
* ''[[São João Batista no Cárcere]]'' ([[1852]])
* ''[[Passagem de Humaitá]]'' ([[1868]])