Complexo de vira-lata: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
m lig. interna.
Inserindo Predefinição Portal3
 
(Há 18 revisões intermédias de 15 utilizadores que não estão a ser apresentadas)
Linha 1:
"'''Complexo de vira-lata'''" é uma [[Expressão idiomática|expressão]] e [[conceito]] criada pelo dramaturgo e escritor brasileiro [[Nelson Rodrigues]], a qual originalmente se referia ao [[Trauma psicológico|trauma]] sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a [[Seleção Brasileira de Futebol|Seleção Brasileira]] foi derrotada pela [[Seleção Uruguaia de Futebol]] na final da [[Copa do Mundo de Futebol|Copa do Mundo]] em pleno [[Estádio Mário Filho|Maracanã]]. O [[Brasil]] só teria se recuperado do choque (ao menos no campo futebolístico) em 1958, quando ganhou a [[Copa do Mundo FIFA de 1958|Copa do Mundo]] pela primeira vez.<ref>{{citar periódico |url=http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=16&id=152 |titulo=A pátria em chuteiras de Nélson Rodrigues |ultimo=Bandini |primeiro=Fernando |periodico=ComCiência |issn=15197654 |publicado=Labjor-Unicamp |numero=79 |data=10 de agosto de 2006 |acessodata=8 de março de 2018}}</ref> O fenômeno também é referido como '''vira-latismo'''<ref>{{Citar web |url=http://www.releituras.com/nelsonr_viralatas.asp |titulo=Complexo de Vira-Latas |ultimo=Rodrigues |primeiro=Nelson |acessodata=8 de março de 2018 |publicado=Releituras}}</ref><ref>{{Citar web |ultimo=Gomes |primeiro=Julio |url=http://blogdojuliogomes.blogosfera.uol.com.br/2016/08/17/a-linha-tenue-entre-o-vira-latismo-e-o-reconhecimento/ |titulo=A linha tênue entre o vira-latismo e o reconhecimento |data=17 de agosto de 2016 |acessodata=8 de março de 2018 |obra=Blog do Julio Gomes |publicado=UOL Esporte}}</ref><ref>{{Citar web |url=http://globoesporte.globo.com/rs/blogs/especial-blog/vida-real/post/sem-pachequismo-nem-vira-latismo.html |titulo=Sem pachequismo nem vira-latismo |obra=Blog Vida Real |ultimo=Saraiva |primeiro=Mauricio |data=27 de abril de 2016 |publicado=Globoesporte.com |acessodata=8 de março de 2018}}</ref> ou '''viralatismo'''.<ref>{{Citar web |ultimo=Rocha |primeiro=Bruno Lima |url=http://www.ihu.unisinos.br/noticias/557494-viralatismo-e-entreguismo-midiatico-e-as-tvs-internacionais |titulo=Viralatismo e entreguismo midiático e as TVs internacionais |ultimo=Rocha |primeiro=Bruno Lima |data=8 de julho de 2016 |acessodata=8 de março de 2018 |publicado=Instituto Humanitas Unisinos - IHU}}</ref>.
 
Para Rodrigues, o [[fenômeno]] não se limitava somente ao campo futebolístico:<ref name="Mariotti">{{citar web|url=http://web.archive.org/web/20071225092632/http://www.revistabsp.com.br/0608/ensaio1.htm|título=O Complexo de Inferioridade do Brasileiro|autor=Humberto Mariotti|obra=Instituto de Pesquisa BSP|acessodata=04-01-2014}}</ref>
Linha 6:
 
== Origens ==
[[Imagem:Redenção.jpg|thumb|''[[Redenção de Cam]]'' (1895), de [[Modesto Brocos|Modesto Brocos y Gomes]]. Avó [[Afro-brasileiros|negra]], filha [[Mulata (canção)Mulato|Mulatamulata]], genro e neto brancos: para o governo brasileiro da época, a cada geração o brasileiro ficaria mais [[Brasileiros brancos|branco]].]]
 
A ideia de que o [[Brasileiros|povo brasileiro]] é inferior a outros ou "[[degeneração|degenerado]]" não é nova e data pelo menos do século XIX, quando o conde francês [[Arthur de Gobineau]] desembarcou em 1845 no [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]] e chamou os [[carioca]]s de "verdadeiros macacos".<ref>[http://www.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/artigos_imprensa/desconforto.htm O desconforto de não ser branco] {{Wayback|url=http://www.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/artigos_imprensa/desconforto.htm |date=20060822225033 }} por Antonio Motta em [http://www.bvgf.fgf.org.br/portugues/index.html Biblioteca Virtual Gilberto Freyre] {{Wayback|url=http://www.bvgf.fgf.org.br/portugues/index.html |date=20071208002317 }}. Visitado em 16 de novembro de 2007.</ref>
 
Nas décadas de 1920 e 1930, várias correntes de pensamento digladiavam-se quanto a origem desta suposta inferioridade. Alguns, como [[Nina Rodrigues]],<ref name="historia">{{citar web|url=http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=313|título=Racismo e teorias raciais no século XIX: Principais noções e balanço historiográfico|autor=Flávio Raimundo Giarola|obra=história e-história|data=24-08-2010|acessodata=02-01-2014|arquivourl=https://web.archive.org/web/20140103102633/http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=313|arquivodata=2014-01-03|urlmorta=yes}}</ref> [[Oliveira Viana]]<ref name="historia"/> e [[Monteiro Lobato]] proclamavam que a [[miscigenação]] era a raiz de todos os males e que a [[Brancos|raça branca]] era superior às demais.<ref>{{citar web|url=http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=277|título=Lobato e o racismo|autor=Adilson Miguel|obra=Revista Emília|data=fevereiro de 2013|acessodata=02-01-2014|arquivourl=https://web.archive.org/web/20131114170533/http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=277|arquivodata=2013-11-14|urlmorta=yes}}</ref>
 
Outros, como [[Edgar Roquette-Pinto|Roquette-Pinto]], afirmavam que a inferioridade era um problema de [[ignorância]], não de miscigenação<ref>[http://www2.anhembi.br/publique/media/pensbra.doc Pensamento social brasileiro] por Lina Rodrigues de Faria em [http://www2.anhembi.br/ Universidade Anhembi Morumbi]. Visitado em 16 de novembro de 2007.</ref> (tese recuperada recentemente por [[Humberto Mariotti (escritor)|Humberto Mariotti]]). [[Manuel Bomfim]] também foi um notável contestador dessa tese em seu livro ''A América Latina: Males de Origem''.<ref>{{Citar web |url=http://historia.abril.com.br/cultura/males-origem-inferior-434349.shtml |título=Males de Origem: Inferior por quê? |autor=SILVA, Sérgio Amaral |publicado=Aventuras na História }}{{Ligação inativa|1={{subst:DATA}} }}</ref>
 
Em 1903, Monteiro Lobato revela-se profundamente [[Pessimismo|pessimista]] com o potencial do povo brasileiro, por ele assim definido:
Linha 20:
Além da origem [[mestiça]], os brasileiros sofreriam com o fato de viverem nos [[trópicos]], onde o clima quente e úmido predisporia os habitantes à [[preguiça]] e à [[luxúria]] (outra tese cara na época, o [[determinismo geográfico]], dizia que verdadeiras civilizações só podiam se desenvolver no [[clima temperado]]).
 
Todavia, quando Lobato publica ''[[Urupês (livro)|Urupês]]'' em 1918 (onde retrata o "[[Jeca Tatu]]"), a [[Elite (sociologia)|elite]] brasileira caminhava para nomear outra causa para o "atraso" do país. Com a divulgação de estudos de [[saúde pública]] encomendados por [[Osvaldo Cruz]], as más condições sanitárias vigentes no interior do país assumem a principal responsabilidade pela "falta de vigor" e pela "indolência" dos brasileiros. O [[Engenharia sanitária|sanitarismo]] entra na ordem do dia e o próprio Lobato se engaja no esforço de converter o Brasil num "grande hospital", nas palavras do médico [[Miguel da Silva Pereira|Miguel Pereira]]. Esse engajamento atinge o ápice em 1924, quando Lobato publica a "história do Jecatatuzinho", utilizada como propaganda pelo [[Biotônico Fontoura]]. Nela, depois de curado "pela ciência", Jeca Tatu torna-se um cidadão exemplar e empreendedor, capaz até mesmo de desbancar a produção do próspero vizinho — um [[Ítalo-brasileiro|imigrante italiano]].<ref>[http://www.brasilcultura.com.br/conteudo.php?menu=95&id=452&sub=490 Monteiro Lobato - Jeca Tatuzinho] {{Wayback|url=http://www.brasilcultura.com.br/conteudo.php?menu=95&id=452&sub=490 |date=20060523215643 }} em [http://www.brasilcultura.com.br/ Brasil Cultura]. Visitado em 16 de novembro de 2007.</ref>
 
=== No campo científico ===
País conhecido por suas [[Invenção|criações inventivas]] (como o [[aeróstato]], a [[máquina de escrever]], o [[avião]] e os automóveis [[Total-flex|bicombustíveis]]), o [[Brasil]] jamais teve sua produção científica reconhecida através de um [[prêmio Nobel]] (embora alguns gostem de citar [[Peter Brian Medawar]], apenaspelo pela circunstânciafato dele ter nascido no [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]]), enquanto outros países [[América do Sul|sul-americanos]] tais como [[Argentina]] e [[Venezuela]], já conquistaram o seu. Até mesmo um sério candidato como [[Carlos Chagas]] em 1921, foi vítima de tamanha campanha de descrédito movida por seus pares brasileiros, que naquele ano o [[Nobel de Fisiologia ou Medicina]] não foi entregue a ninguém.<ref>DIAS, João Carlos Pinto.[http://www.submarino.net/cchagas/artigos/art3.htm Carlos Chagas: Prêmio Nobel em 1921]</ref> Outro notável cientista brasileiro injustiçado foi [[César Lattes]], que embora tenha participado da descoberta do [[Píon|Méson pipíon]] em 1947, não foi laureado com o premio [[Nobel de Física]], mas sim [[Cecil Powell]], que era seu chefe e não havia participado diretamente das pesquisas.<ref>{{citar web|url= https://super.abril.com.br/ciencia/premio-nobel-foi-quase/|título= Prêmio Nobel: Foi quase|publicado= ''Super Interessante|data= 31 de outubro de 2016|acessodata= 11 de outubro de 2018|wayb= 20161101120532}}</ref>
 
[[Cecil Frank Powell]] recebera o premio por sua descoberta.
 
O [[neurobiologia|neurobiólogo]] [[Sidarta Ribeiro]] lembra que somente em 15 de novembro de 2007 um brasileiro, o [[neurociência|neurocientista]] [[Miguel Nicolelis]], deu uma palestra nos seminários organizados pela [[Fundação Nobel]]. Na abertura de sua apresentação, Nicolelis relembrou a final da [[Copa do Mundo de 1958]], quando o Brasil venceu a [[Suécia]] de goleada. Até então, o país sofria com o "complexo de vira-lata" provocado pela final de 1950. Da mesma forma, e embora reconhecendo que a [[Ciência e tecnologia do Brasil|produção científica brasileira]] sofre de "limitação de recursos e de ambição intelectual", Miguel ainda assim é [[Otimismo|otimista]] quanto ao futuro da pesquisa no país e conclui: "é difícil prever quando um brasileiro ganhará o Nobel e que importância isso poderá ter para o país. Se redimir nosso complexo de vira-lata científico, terá inestimável valor".<ref>RIBEIRO, Sidarta. (2008) ''À espera das uvas suecas''. Revista Mente & Cérebro. Janeiro de 2008. Pg. 25. ISSN 1807-1562</ref>
 
=== Análise de Humberto Mariotti ===
Sob a análise efetuada pelo [[escritor]] e [[Ensaio (literatura)|ensaísta]] [[Humberto Mariotti (escritor)|Humberto Mariotti]],<ref name="Mariotti"/> o brasileiro, por ainda não ter atingido o estágio de ''knowledge worker'' preconizado na [[década de 1950]] por [[Peter Drucker]] (no qual o trabalhador domina o conhecimento e se torna menos suscetível aos efeitos devastadores do [[desemprego]]), contenta-se com pouco e sente-se satisfeito quando recebe alguma atenção por parte das autoridades. Esta auto-desqualificaçãoautodesqualificação já teria atravessado o Atlântico e chegado a [[Portugal]], onde, segundo Mariotti, "trabalhador brasileiro é sinônimo de [[garçom]] ou [[Pedreiro|peão]] de [[construção civil]]. Nossa única profissão exportável, mesmo assim não qualificada pela educação formal é, como todos sabem, a de futebolista".
 
Para Mariotti, vencer este [[complexo de inferioridade]], reforçado pelos sucessivos escândalos de [[corrupção]] nos quais o [[governo brasileiro]] esteve envolvido nas últimas décadas, só poderá ser satisfatoriamente resolvido através da [[educação]]. Todavia, contrariamente a outros, não encara a raiz do problema num alegado deslumbramento brasileiro perante a cultura estrangeira (francesa até as primeiras décadas do século XX e estadunidense daí em diante). Para Mariotti, a baixa [[auto-estimaautoestima]] nacional provocaria uma reação contrária, de supervalorização da cultura nacional, que se encapsularia em si mesma, e rejeitaria o que vem de fora: "no Brasil, e não só aqui, o [[nacionalismo]] cultural inclui a aversão à leitura, e sobretudo àquilo que muitos consideram a mais execrável de todas as atividades: pensar, refletir e discutir ideias com outros também dispostos a fazer isso."<ref name="Mariotti"/>
 
Mariotti conclui afirmando que "como todo [[reducionismo]], esse também produz resultados [[Obscurantismo|obscurantistas]]. Essa limitação nos leva, por exemplo, a imitar o que a cultura americana tem de pior (a [[massificação]], a competição predatória, o imediatismo) e a não procurar aprender e praticar o que ela tem de melhor (a pontualidade, a objetividade, a pouca burocracia)".
Linha 46 ⟶ 44:
A expressão foi recuperada em 2004 pelo jornalista estadunidense Larry Rohter, que em matéria para o ''[[The New York Times]]'' sobre o [[programa nuclear brasileiro]], escreveu:
 
{{cquote|Escrevendo nos [[anos 1950]], o dramaturgo Nelson Rodrigues viu seus compatriotas afligidos por um senso de inferioridade, e cunhou a frase que os brasileiros hoje usam para descrevê-lo: "o complexo de vira-lata". O Brasil sempre aspirou a ser levado a sério como uma [[Grande potência|potência mundial]] pelos pesos-pesados, e portanto dói nos brasileiros que líderes mundiais possam confundir seu país com a [[Bolivia]], como [[Ronald Reagan]] fez uma vez, ou que desconsiderem uma nação tão grande - tem 180 milhões de pessoas - como "[[O Brasil não é um país sério|não sendo um país sério]]", como Charles de Gaulle fez.<ref>{{citar web |ultimo=Rohter |primeiro=Larry |autor-link=Larry Rohter |titulo=If Brazil Wants to Scare the World, It's Succeeding |url=http://www.nytimes.com/2004/10/31/weekinreview/31roht.html?ex=1256965200&en=37262794038df2bd&ei=5088&partner=rssnyt |publicado=The New York Times |data=31 de outubro de 2004 |acessodata=16 de novembro de 2007 |citacao=Writing in the 1950's, the playwright Nelson Rodrigues saw his countrymen as afflicted with a sense of inferiority, and he coined a phrase that Brazilians now use to describe it: "the mongrel complex." Brazil has always aspired to be taken seriously as a world power by the heavyweights, and so it pains Brazilians that world leaders could confuse their country with Bolivia, as Ronald Reagan once did, or dismiss a nation so large - it has 180 million people - as "not a serious country," as Charles de Gaulle did.}}</ref>{{Nota de rodapé|O diplomata brasileiro [[Carlos Alves de Souza Filho]] foi o verdadeiro autor da frase "O Brasil não é um país sério". Ele a teria pronunciado durante o episódio que envolveu Brasil e [[França]] conhecido como [[Guerra da Lagosta]]. Tal dito é incorretamente atribuído a [[Charles de Gaulle]].}}}}
 
O Brasil estaria assim, desejoso de ser reconhecido como igual no concerto das nações, mas tropeçaria sucessivamente em sua baixa [[auto-estima]]autoestima, reforçada pelos incidentes [[Folclore|folclóricos]] acima relatados e outros do mesmo gênero ("a [[capital]] do Brasil é [[Buenos Aires]]", "os brasileiros falam [[língua espanhola|espanhol]]", etcentre outros) sucessivamente cometidos pela [[mídia]] e autoridades estrangeiras.
 
== Ver também ==
Linha 59 ⟶ 57:
* [[Racialismo]]
* [[Nacionalismo brasileiro]]
*[[Malinchismo]]
 
{{Notas}}
Linha 71 ⟶ 70:
* {{citar web|url=http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2710200509.htm|título=Liberdade, equidade e fraternidade|autor=Edmar Prado Lopes|obra=[[Folha de S. Paulo]]|data=27-10-2005|acessodata=09-01-2014}}
 
{{Teorias da personalidade}}
{{Portal3|Brasil|Psicologia|Sociedade}}
 
[[Categoria:Convenções culturais do Brasil]]
[[Categoria:Nelson Rodrigues]]